"Estes dias que desaparecem" marca a estreia em português de Timothé Le Boucher numa edição da Devir.
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Lubin tem vinte e poucos anos, sonha ser artista de circo, tem poucos amigos mas bons, uma namorada e uma família que (o) ama. Centrado no seu sonho, vive de empregos menores, é desorganizado, em casa e com as coisas de 'adulto'. Um dia, descobre que dormiu 24 horas. Surpreendido e desconcertado, atribui o sucedido a uma pancada com a cabeça, mas a situação repete-se no dia seguinte, e uma e outra vez; daí em diante, vive um dia, perde outro.
Pensa ele, até descobrir que nos dias em que supostamente 'apaga' outro Lubin vive em sua vez. Um Lubin que é em quase tudo o seu oposto completo: organizado, arrumado, responsável, ambicioso, pouco simpático...
O recurso a um especialista aponta para uma dissociação de personalidade e o conselho é que tentem comunicar com o outro, pois as situações embaraçosas começam a acumular-se: acordar com mulheres que desconhecem, faltar a compromissos, ignorar conhecidos...
E se numa primeira fase os dois se entendem e conseguem conviver - sem nunca se encontrarem - a partir de certo momento entram em choque constante e tentam boicotar-se mutuamente. Para agravar a situação, o tempo dos apagões começa a aumentar e o Lubin que conhecemos primeiro vive cada vez menos.
Timothé Le Boucher, um dos autores franco-belga a que convém estar atento, podia ter caído no facilitismo de explorar a situação pela sua dimensão fantástica, mas teve a mestria de fazer uma abordagem humana, ao nível do psicológico, das relações e sentimentos. Ao nível da perda que Lubin inevitavelmente sente, ao nível da desorientação cada vez maior em que a sua vida intermitente se transforma, enquanto que a do outro se torna cada vez mais normal - segundo os nossos conceitos.
"Estes dias que desaparecem", edição da Devir que chega às livrarias no próximo dia 20, revela-se assim um relato contido e profundo, de enorme sensibilidade e capaz de nos fazer questionar muito do que damos por estabelecido, do modo nos relacionamos com os outros à forma como utilizamos o tempo que nos resta. E é um relato que termina, segundo cada um interpretar, de forma feliz ou com uma enorme crueldade.
"Estes dias que desaparecem"
Timothé Le Boucher
Devir