
Se as viagens físicas são por ora uma impossibilidade, as viagens mentais asseguradas pelos livros surgem-nos como uma hipótese sedutora.
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Albert Camus, Cesare Pavese, Somerset Maugham, Yukio Mishima e Bruce Chatwin, Cinco imortais a que urge voltar com regularidade, sobretudo quando, como é o caso, novas e apelativas reedições dos seus livros chegaram às livrarias. Descubra quais.
Quantos livros são precisos para darmos a volta ao Mundo? Num dos seus mais conhecidos romances de aventuras, Jules Verne relata-nos uma intrépida jornada de circum-navegação empreendida por Phineas Fogg e pelo inseparável Passepartout que terá levado 80 redondos dias.
As sugestões de livros que se seguem não são propriamente 80 (quando muito representarão 80 horas de leitura), nem demoram outros tantos dias a ler, mas valem de certeza esse número, tão profícua se revela a sua leitura.
Se as viagens físicas são por ora uma impossibilidade, as viagens mentais surgem-nos como uma hipótese sedutora. Quanto mais não seja porque estão à distância de uma página. Bem mais longos foram os trajetos percorridos por Bruce Chatwin na sua procura sem fim.
Recentemente reeditado pela Quetzal, "Na Patagónia" é muito mais do que um livro mítico da chamada literatura de viagens (porventura o mais conhecido do género): é, como professa o escritor e editor Francisco José Viegas, "tudo menos um apelo ao turismo nas terras do Sul", por muito que o livro tenha suscitado, ao longos das décadas seguintes à sua publicação em 1977, peregrinações muitas vezes puramente mercantis à terra conhecida como "o fim do mundo".
Lendo "Na Patagónia", não tardamos a perdoar Chatwin por ter involuntariamente provocado a massificação de uma região outrora intacta. "E nós, leitores, somos transportados numa viagem histórica, cinematográfica, documental e paisagística através daqueles céus cinzentos e distantes", resume o autor de "Longe de Manaus".
Por vezes, apetece abrir mão da descoberta e usar os livros como uma espécie de álbum de memórias, repositório de lugares que nos são familiares. Foi o que Somerset Maugham fez no seu "Viagem a Paris", romance que a ASA reeditou, acrescentando-o à lista de obras do mesmo autor que já integram o seu catálogo, casos dos inescapáveis "Servidão humana", "Fio da navalha", "O véu pintado" e "As paixões de Júlia".
Mas a Paris que Maugham nos descreve não é a dos boulevards frondosos ou dos passeios luminosos à beira do Sena. A cidade cosmopolita e fervilhante das décadas de 1920 e 1930, centro do mundo intelectual e farol artístico capaz de atrair génios como Picasso, Henry Miller ou Hemingway, dá lugar no livro, situado no final dos anos 30, a uma povoação nervosa e hesitante, como se adivinhasse o que estava prestes a suceder. A eclosão da II Guerra Mundial confirmaria os piores receios.
É com um misto de estranheza e fascínio que costumamos olhar para a cultura nipónica. Na música, nas artes visuais ou de palco, mas também na literatura.
Nesta última, Yukio Mishima é um dos nomes de eleição, tanto pelos dotes narrativos como pela forma aparatosa como pôs fim à vida: numa cerimónia pública de contornos macabros, como forma de manifestar a sua discordância pelo que considerava ser o o progressivo abandono dos ideais e tradições japoneses.
Agora editado pela Livros do Brasil, na histórica coleção Dois Mundos (já existia uma edição da Assírio & Alvim), "O marinheiro que perdeu as graças do mar" é um livro que se vai insinuando lentamente em nós, vencendo as resistências iniciais até se converter em objeto de prazer (um pouco como o saqué).
Pelas suas páginas passam adolescentes entusiastas com fome de mundo, mulheres feitas de mistério e homens do mar com a cabeça nas nuvens. Um sortido irresistível, pois claro.
Mais um livro, mais uma viagem. A que nos é contada por Cesare Pavese no mítico "A lua e as fogueiras" (Livros do Brasil) é sinónimo de longas e nostálgicas jornadas ao passado, mas também de raiva pela impossibilidade de mudança do presente.
O regresso de um homem à sua terra, depois de 20 anos emigrado nos Estados Unidos, é o que propulsiona a ação do romance, a que não faltam evocações dos primeiros amores, lugares distantes da infância e saudades de uma juventude pouco idílica mas recordada como tal.
O desencanto que atravessa o livro não se deveu apenas ao talento de Pavese. Poucos meses depois de o ter escrito, o italiano suicidou-se. Foi há 71 anos e a poeira do tempo ainda não assentou sobre a sua obra.
A salvo do esquecimento estão também os livros de Albert Camus, o autor franco-argelino com que encerramos este périplo literário.
Não tanto pelo Nobel da Literatura que conquistou em 1957, mas pela intemporalidade de uma obra em que as angústias e as preocupações do Homem estão plasmadas de um modo assaz convincente. Lemo-lo nos seus incontáveis livros mais conhecidos (de "O estrangeiro" a "O homem revoltado"), mas também na sua criação literária inicial.
Primeiro livro de Camus, escrito quando tinha apenas 23 anos, "O avesso e o direito" (agora reeditado pela Livros do Brasil) necessitou de duas décadas para vencer a resistência do seu autor em vê-lo publicado, mas é tudo menos um livro falhado.
Nele, encontramos - ainda sem o depuramento posterior, é verdade - os temas e as chaves que norteariam a escrita de Albert Camus. A solidão, o absurdo da existência, a pobreza e a infância.
