"A Humanidade dança em Guimarães" é o mote da 13.º edição do GUIdance -festival internacional de dança contemporânea de Guimarães, que decorre até ao próximo sábado.
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Segunda-feira marca uma pausa no turbilhão que tem sido o festival GUIdance e ainda antes de arrancar com uma faustosa segunda semana, permite com algum gaúdio olhar para o que já sucedeu. A dança contemporânea é conhecida pela sua capacidade evolutiva por se adaptar, refletindo as mudanças culturais e sociais ao longo da História. A liberdade de expressão e a quebra de convenções são características fundamentais, dentro desta baliza tudo é possível e Rui Torrinha e a sua ambiciosa programação artística querem provar isso mesmo, dando uma vasta amplitude geográfica ao certame.
A abrir, a relação Portugal-Moçambique, com "Bantu" de Victor Hugo Pontes, uma escolha absolutamente consensual, num espetáculo muito bem conseguido que chega com o bónus de já estar maturado. A miscigenação cultural apurada, sem pretensiosismos, com um resultado lúdico e prazeroso para o público e um Centro Cultural Vila Flor (CCVF) cheio para ver o vimaranense.
Na sexta-feira, prosseguiu a viagem moçambicana, no Teatro Jordão, com "Time and Space: The Marrabenta Solos", proposta de Panaibra Gabriel Canda com o músico Jorge Domingos. Um início promissor sobre um corpo e a sua história, "Comunista, democrata", mas que acaba por resultar num punhado de momentos desconexos, com pontuais quadros aliciantes onde há recurso a percussão corporal na dança.
Sábado a senda continuou por Angola, com "Boca Fala Tropa", de Gio Lourenço, no Centro Internacional de Artes José de Guimarães, para regressar ao CCVF com um dos nomes mais esperados desta edição " Universe: A Dark Crystal Odissey" do britânico Wayne McGregor.
Pernas para que te quero? Para o virtuosismo
Se a dança contemporânea assenta na expressão individual e na experimentação diferindo do balé, caracterizado por movimentos formais e padrões predefinidos, com os membros longílineos dos virtuosos bailarinos de McGregor, há uma ponte de contacto inegável que se constrói.
Também aqui narrativa é mais aberta, o programa de Wayne McGregor é inspirado no filme culto de Jim Henson de 1982, "The Dark Crystal". Mas não há uma divisão infantil dos bons e dos maus, nem criaturas adoráveis. Há a caracterização de um mundo em perigo, com os seus quatro elementos em total desestabilização. Na temática similar com a proposta "Jungle Book revisited" que Akram Khan apresentou o ano passado, no GUIdance. De notar que o certame insiste, e muito bem, em mostrar ao público português o que se vai fazendo no Reino Unido, num tempo em que a contaminação francófona é tentacular nas programações.
Wayne McGregor incorpora os elementos naturais: água, terra, ar e fogo e o poeta Isaiah Hull avisa : “A próxima geração paga o preço”. E o público assiste inerte aos pássaros engolidos por manchas negras, às raízes das árvores retorcidas, às plataformas de petróleo em chamas e essa dualidade expressa através de impactantes projeções de vídeo do tamanho de toda a boca de cena, deixam um amargo sabor na boca. O que estamos a fazer?
Não é dada a mínima esperança, mas também não há um discurso moralista e um globo ocular gigantesco olha-nos fixamente devolvendo-nos a inércia. No início do século havia uma estética de usar o vídeo na dança contemporânea que muitas vezes se mostrava contraprodutiva, causando ansiedade no espectador por não saber onde se focar. Mas, 24 anos volvidos e já com as devidas experimentações, a técnica pode ser muito eficaz, como o comprovou a esgotada plateia do CCVF no sábado à noite.
A volta ao Mundo segue na quarta- feira e traz belíssimas incursões pela Ásia.