A atriz e apresentadora norte-americana e o humorista português reuniram-se no palco do 1º Tribeca Festival Lisboa para falar de saúde mental e do papel terapêutico da comédia. Acabaram a falar também de menopausa, religião, casamento, fama e flatulência.
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“É isto que tens de entender sobre mim: nunca sabes o que vai acontecer”. A frase, dita por Whoopi Goldberg na primeira edição europeia do festival de cinema de Tribeca, que acontece em Lisboa até sábado, resume perfeitamente a hora de conversa entre a atriz e o humorista português Ricardo Araújo Pereira. O tema era – e foi – o do humor pela saúde mental na vida, na perda, na arte – mas a conversa foi-se desviando naturalmente para tópicos um pouco laterais, como casamento, menopausa, religião, fama, diversidade, até flatulência. Para quem ainda não sabia: o nome artístico de Caryn Elaine Johnson, “Whoopi” Goldberg, vem mesmo deste ato “equalizador”, confirmou.
Entre filmes, séries e concertos, há conversas no Tribeca: fala-se sobre o impacto do streaming e da Inteligência Artificial no cinema, inovação, fala-se de empoderamento das mulheres, comunidades de fãs, de argumentos e de histórias de vida. O storytelling, nas suas diversas formas, é uma das marcas do festival.
No primeiro dia, o palco Tribeca Talks Main Stage acolheu ao final da tarde uma combinação imperdível: a atriz, apresentadora e humorista norte-americana e Ricardo Araújo Pereira, com o objetivo de falar de saúde mental e do papel terapêutico da comédia e do drama. “Laughter, Tears & Healing: The Power of Comedy and Drama in Mental Health (and Storytelling)” era o mote da conversa exclusiva, e o que aconteceu foi uma hora inesquecível para os presentes; uma oportunidade rara, o momento que, para já, marcou a estreia europeia do festival.
Aparentando estar um pouco nervoso, ou não fosse a atriz de 68 anos uma das mais conceituadas do mundo, Ricardo Araújo Pereira começou precisamente por apresentar Whoopi destacando como a humorista pertence ao grupo restrito de 21 pessoas no planeta com um pleno “EGOT”: já recebeu um Emmy, Grammy, Oscar e Tony.
Porque o tema era saúde mental e a atriz publicou, em maio deste ano, um livro de memórias onde o aborda abertamente, a publicação, de nome “Bits and pieces: my mother, my brother and me”, foi por diversas vezes mencionada pelo português ao longo da palestra, utilizada sobejamente como mote das questões. Afinal, o livro incide sobretudo na perda da mãe de Whoopi em 2010 e do seu irmão em 2015 – e de como o procurou superar esta lacuna familiar tão grande, recorrendo em grande parte ao riso.
“Celebrar a rir”
Citada por Araújo Pereira, na sua memória a atriz escreveu que o melhor conselho para quem perdeu a mãe é celebrar a sua vida; e que a melhor maneira de celebrar é a rir. “O riso é a única coisa que é universal” explicou em palco, elaborando como usou o humor para enfrentar o luto, mas resvalando para uma confissão: “a minha mãe dizia-me sempre a verdade feia, e tenho saudades disso”.
A comediante explicou depois como, para si, rir ajuda a continuar, ajuda a respirar; e como acredita que a comédia e a tragédia são iguais, se rasparmos além da superfície. “Toda a gente carrega as suas coisas, o que me deixa triste não tem de te deixar triste", frisou. E defendeu: “sejam vocês próprios; riam-se quando vos apetece”, declarando ser um caso “terrível” porque até em funerais se ri: para exemplificar, contou uma história real que envolveu capachinhos mal colocados no caixão.
Entre histórias e episódios entrecruzados, com novas histórias e episódios, percebeu-se no Tribeca, foi aliás afirmado, como a atriz é isto mesmo: mais do que uma comediante, uma contadora de histórias, assume. Aliás, voltando ao início da sua carreira em Nova Iorque, Whoopi lembrou como começou por ser uma atriz séria, mas não tardou a entrar “em personagem” porque ninguém a contratava. “Eu sabia que ia ser atriz desde pequena, mas não fazia ideia que ia haver humor. Até ao ponto em que as pessoas não me conseguiram categorizar”, frisa, explicando que “uma mulher negra supostamente não sabia nada sobre o mundo”. Quando as pessoas começaram a prestar atenção às suas histórias engraçadas, as tais que se entrecruzam, percebeu que a comédia impactava e que era esse o caminho.
“Não pareces humorista”
Desviando a dado ponto a conversa para Ricardo Araújo Pereira, a atriz atirou de repente: “tu não pareces humorista, parece que devias estar a gerir uma empresa; mas dizem-me que és engraçado como tudo”. O português defendeu-se, respondendo acreditar “ser mais divertido dizer coisas engraçadas vestido como um cavalheiro, do que vestido em roupas ridículas; é essa a minha estratégia”, brincou.
Depois, a conversa resvalou novamente, desta feita porque uma moto fora da tenda fez muito barulho e chegou-se ao barulho que inspirou o nome artístico da humorista. Ricardo disse saber que derivava literalmente das “whoopee cushion”. Levando até este tema para o constante híbrido e equilíbrio entre humor e seriedade, Whoopi acabaria por atirar como a flatulência “é o grande equalizador, porque acontece a toda a gente”.
Arrancando gargalhas e aplausos constantes da plateia, sempre expressiva, com o seu jeito característico de articular as frases, o sorriso rasgado, a artista teve tempo anda para falar sobre a menopausa, e como as mulheres “não partilham entre si, e algumas não sabem como os corpos funcionam”; sobre casamento e os seus “três, ou talvez quatro”, matrimónios que não resultaram, pelo “que me deixei disso”; sobre a fama, sobre mentores como Mike Nichols, sobre como os homens saem sempre da casa de banho com as mãos molhadas depois de as lavar – ou não? Sobre como cria na sua cabeça, histórias, personagens, e anota constantemente depois, ideias ou criações.
No final, Whoopi admitiu ter tido sorte na vida. Mas admitiu ter também talento, algo que disse ser importante, a todos, reconhecer: “Ninguém teve uma vida mais afortunada do que eu, as coisas boas e más, as que fazem sentido e as que não fazem, fazem todas parte da viagem. E por isso é que não me importo de celebrar os meus 69 anos em breve [em novembro], porque conheço tantas pessoas que não chegaram a ter esta idade, ou aos 30. E estou grata por estar aqui”, frisou. Sobre o talento, diria: “celebrem-se a vocês mesmos. Se fizeram um filme, uma empresa, uma ideia, se tiveram filhos e eles estão bem na vida: celebrem-no, parem de se martirizar”.
A atriz relembrou ainda o encontro com o Papa Francisco no ano passado, frisando como o sacerdote lhe destacou a importância do riso e dos comediantes. Embora não pratique nenhuma religião, garantiu que tenciona ir a Fátima, “porque ‘just in case’, nunca sabemos”, brincou.
Ainda no tema, defendeu acreditar “que quem quer que seja que orquestrou isto, quer que façamos melhor; e é isso que estou determinada a fazer”.
Até sábado no Beato
A 1ª edição portuguesa e europeia do festival Tribeca fica até sábado no Beato Innovation District.
Esta sexta-feira, pouco antes da hora de almoço, o fundador do festival Tribeca de Nova Iorque, o histórico ator Robert De Niro, reforçou em conferência de imprensa a satisfação que lhe trouxe esta iniciativa, numa cidade que até já conhece. “Já cá vim algumas vezes, tenho alguns amigos”, adiantou. “Estamos muito felizes por ter chegado a Lisboa”, frisou, garantindo ser também toda a experiência “uma oportunidade de conhecer outras pessoas, outras culturas, é tudo bom”.
Entre filmes e séries nacionais e internacionais, podcasts ao vivo, atuações musicais e painéis ou conversas, serão mais de 100 os realizadores, atores, músicos, personalidades da comunicação e contadores de histórias, nacionais e estrangeiros, presentes na capital.
O evento nasceu de uma parceria entre a Tribeca Enterprises, o Grupo Impresa e a Câmara de Lisboa, e espera mais de 1500 pessoas por dia. O bilhete diário custa 75 eura e o passe 130 euros.