Antologia temática da poetisa polaca Wislawa Szymborska publicada agora em Portugal devolve-nos a grandeza da sua escrita.
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À afetação e artificialismo em que assenta boa parte da produção poética do nosso tempo, Wislawa Szymborska (1923-2012) escolheu corajosamente a via do despojamento.
O que significa o mesmo que dizer que a Prémio Nobel da Literatura em 1996 – um dos nomes mais notáveis da já de si notável poesia polaca – afirmou a sua grandeza na busca de uma expressão simples que de modo algum significa uma pobreza de recursos, mas tão só a crença de que ao poeta cabe, antes de mais, a captura do sentido das coisas através da sua arma maior: o espanto.
Na impossibilidade de reter o essencial de uma obra tão fascinante em pouco mais de uma centena de páginas, entenderam os responsáveis da edição de “Um inconcebível acaso” levar por diante uma antologia temática que percorre os poemas de caráter autobiográfico representativos das diferentes etapas da sua vida, da juventude à velhice.
Ao leitor são, por isso, apresentados 27 poemas (traduzidos por Teresa Fernandes Swiatkiewicz) nos quais os mistérios da existência dão azo a um conjunto de aproximações que refutam quaisquer tentativas de explicação de ordem racional, filosófica ou religiosa.
Munida de uma curiosidade infatigável, Szymborska prefere centrar-se na descrição do movimento incessante das ideias, carregando sempre consigo a convicção que transmitiu no discurso de aceitação do Nobel: “O poeta, se é um poeta de verdade, deve repetir constantemente para si mesmo: ‘não sei’.
Assimilando os ensinamentos dos grandes pensadores, a começar nos gregos, a autora verte-os para formas de uma profunda originalidade, por assentarem, em larga medida, nas suas circunstâncias particulares de vida.
À “rapariguinha que fui”, “aquela pequena feiosa”, como se autodefine, Wislawa Szymborska confronta episódios futuros que deixam evidente a ingenuidade própria de quem julga ter demasiadas certezas.
Em todos esses momentos, apesar dos anos decorridos, a poetisa manteve a absoluta recusa no cumprimento das “normas de versificação”, optando antes pelo recurso ao humor e ironia como um modo privilegiado para o exercício da lucidez que tanto buscou. Bem vistas as coisas, a vida exige de nós “uma participação espantada neste jogo de regras que desconhecemos”.
“Um inconcebível acaso”
Wislawa Szymborska
Teresa Fernandes
Edições do Saguão