
Há obras de arte que desafiam a nossa relação com o espaço e com o tempo
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Contra a placidez dos dias, nada melhor do que canções e palavras desafiadoras, capazes de reduzirem a pó a argamassa da indiferença. Porque estar vivo, como bem nos relembrou uma insigne pensadora cujo nome lamentavelmente nos escapa de momento, é muito mais "do que o contrário de estar morto".
Há sons que se insinuam em nós e, surpresa, nem todos tão enervantes como a torneira que pinga de forma sádica, obrigando-nos a interromper o sono e sabe-se lá o que mais.
Certas melodias convocam estados de alma distintos, e até opostos, mas quase sempre entrelaçados por uma força que nos transcende. Se há cantata que cumpre esses requisitos é "Carmina Burana", a imortal cantata que o compositor alemão Carl Orff - falecido neste exato dia, há 39 anos - compôs no ano de 1937.
Na internet abundam representações para todos os gostos desta criação, incidindo invariavelmente sobre os mesmos trechos, mas versões integrais com a qualidade do concerto que a UC Davis Symphony Orchestra protagonizou em 2007 são mais raros:
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A exaltação com que escutamos "Carmina Burana" relembra-nos da magnificência da vida, mesmo quando oculta sob nuvens passageiras. Mas nem todas as criações válidas têm que desencadear forçosamente estados de alma próximos da euforia. Um certo embotamento dos sentidos, como uma espécie de minitranse que dispensa o recurso a quaisquer substâncias suscetíveis de causarem dependência, é por vezes recomendável. Quanto mais não seja, como alívio de stresse. Se procurar sonoridades que precipitem a entrada nesse universo paralelo, a etiqueta Cafe De Anatolia afigura-se como uma opção válida, ao propor uma miscelâna para a qual confluem géneros e correntes como o ethno, world, oriental, deep house, organic house & chill out music. A única precaução que deve ter quem se entrega de corpo e alma (mais esta do que aquele, na verdade) a esta missão relaxante é o risco de incêndio causado pelos pauzinhos de incenso que irá querer à viva força acender...
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De volta à vida em estado impuro, urge relembrar os 50 anos do sempre mágico "LA Woman", despedida musical dos Doors que será oficialmente assinalada no próximo dia 19 de abril. Produzido por Bruce Botnick e pelo próprio quarteto californiano, em substituição de Paul Rotschild, responsável pelos discos anteriores, este é um disco do qual ficaram milagrosamente ausentes as cisões que já então dominavam o relacionamento entre Jim Morrison e os restantes membros. Há meio século como hoje, cada um dos dez temas (edições lançadas posteriormente viriam a incluir mais temas) é uma afirmação vigorosa da existência que recusa quaisquer cedências ou negociações. Se é verdade que temas como o homónimo "LA Woman" - uma ode estrepitosa à cidade dos anjos - ou o jazzístico "Riders on the storm" tendam a monopolizar atenções, há no disco outras preciosidades. Como o bucólico "Cars hiss by my window", 'blues' maduro de um Morrison que contempla a noite com a sua miríade de mistérios e uma veia poética na medida certa.
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No arranque das miniférias pascais, há que selecionar bem as atividades em que se possam entreter - e aprender, já agora - os mais pequenos. E, nesse particular, as oficinas criativas, ainda que limitadas à vertente online, são sempre uma possibilidade a ter em conta. Organizado pela autarquia de Torres Vedras, o ateliê "Talharocos, taralhocos" propõe-se estimular as crianças a assistir, e a participar de preferência, na construção de bonecos a partir de vulgares talheres. A atividade pode ser seguida em direto na página de Facebook Paços - Galeria Municipal de Torres Vedras.
As telenovelas tornaram o ator Lima Duarte familiar para milhões de pessoas em todo o mundo incluindo naturalmente Portugal, mas é redutor limitar os seus 70 anos de carreira apenas ao pequeno ecrã. A interpretar as personagens icónicas de Sinhozinho Malta e Zeca Diabo ou a corporizar o Padre António Vieira no filme de Manoel de Oliveira "Palavra e utopia", Lima Duarte foi sempre um ator cuja ética artística e total compromisso com o seu ofício o tornam um exemplo para qualquer geração.
No dia em que este mineiro de gema festeja 91 anos, relembramos um curioso vídeo em que aparece bem representada a sua paixão pelas palavras, a propósito de Guimarães Rosa, e a sua convicção de que "a linguagem não é senão sentimento".
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