
Proposta vai alterar financiamento do Instituto do Cinema e Audiovisual e regulamenta atividade das plataformas de streaming
AFP
Transposição de diretiva europeia está a gerar forte controvérsia no setor no cinema. Perceba porquê.
A proposta de lei que transpõe a diretiva europeia que regulamentará o audiovisual e o financiamento do cinema português começou a ser votada na semana passada no Parlamento, não obstante a clara divergência de opiniões que sobre ela existe no setor.
O assunto é complexo. Tão intrincado, que, dado o volume de alterações propostas, a Comissão de Cultura e Comunicação dividiu a agenda de trabalhos em duas sessões. A segunda decorrerá esta terça-feira.
Os ânimos andam exaltados entre os profissionais do cinema. Em causa está o projeto de proposta de lei 44/XIV que transpõe uma diretiva europeia sobre o audiovisual, que implica alterações nas leis do cinema e da televisão. O objetivo é regulamentar a atividade dos serviços de streaming e VOD ("video on demand"), como as plataformas Netflix, HBO e Amazon, com implicações no financiamento da produção cinematográfica nacional.
As três audições parlamentares aos intervenientes no setor, ocorridas esta semana, deixaram claras profundas divergências.
De um lado estão os subscritores da carta aberta "Ganhar uma oportunidade para o cinema e audiovisual português", entre os quais está a produtora Constança Cunha Telles ou os realizadores António-Pedro Vasconcelos e Vicente Alves do Ó, que defendem a ideia de que aprovação do projeto-lei significaria "o nascimento de um novo setor audiovisual português".
Sentimento contrário têm os representantes da Plataforma do Cinema, que reúne mais de 900 profissionais, que classificam "como uma ilusão a ideia de que esta alteração legislativa vá contribuir para que as obras portuguesas cheguem a patamares internacionais", e afirmam que o modelo "irá sim beneficiar grandes grupos económicos como a Netflix ou a HBO".
De acordo com o secretário de Estado do Cinema, Audiovisual e Média, Nuno Artur Silva, o novo modelo de financiamento, que prevê uma dotação vinda do Orçamento de Estado, "permitirá ao Instituto do Cinema e Audiovisual (ICA) contar com mais cinco milhões anuais para o apoio ao setor".
"Tudo isto é uma falácia, disse ao JN a realizadora Marta Mateus, da Plataforma do Cinema, que considera que o investimento direto das grandes operadoras em Portugal deve ser travado, pelo risco de monopólio e de formatação da cultura audiovisual portuguesa".
O realizador Vicente Alves do Ó não concorda e considera que a lei "abre a possibilidade de haver mais dinheiro e olhares diferentes sobre cinema, e que não coloca em risco os futuros apoios do ICA". Marta Mateus contrapõe afirmando que essa abertura "ameaça a identidade do cinema português", ideia que Alves do Ó contrapõe com o argumento de que se deve dar possibilidade a outros, cujos projetos não se enquadram nos critérios estritos de apoios do ICA, de terem formas de se financiar. É o minimo indispensável".
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O que visa a proposta de lei 44/XIV?
Visa transpor a diretiva europeia para a realidade portuguesa. Estabelece várias prioridades como a da promoção do cinema e audiovisual português produzido e/ou exibido nos canais de televisão por subscrição, e serviços como as plataformas Netflix, HBO e Disney+.
O que diz esta proposta de lei portuguesa?
Define que a cobrança da atual taxa de exibição - que reverte para os cofres do ICA - será cobrada aos serviços por subscrição, mas isenta as plataformas de streaming se estas investirem no desenvolvimento, produção de obras europeias e em língua portuguesa. Mas dá-lhes "total liberdade" para escolher os projetos em que têm de investir e os montantes são definidos em função dos "proveitos".
Porque é que tem causado tanta polémica?
Porque representa uma mudança do sistema atual. Para uns, o atual modo de financiamento ao cinema está demasiado dependente dos "critérios estritos" do ICA e por isso a nova lei é "uma oportunidade histórica" para criar um novo setor audiovisual português. Para outros agentes do setor, trata-se de matar a qualidade específica do cinema português e de a submeter a uma lógica formatada de mercado.
