
Após 12 dias de intensa competição, vão ser finalmente conhecidos os vencedores da Palma de Ouro
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"Close", do belga Lukas Dhont, é o grande favorito para conquistar o principal galardão do Festival de Cannes deste ano. O anúncio vai ser feito ao início da noite deste sábado.
Na manhã deste sábado, haverá cerca de duas dezenas de realizadores que estarão atentos aos seus telefones. É caso para dizer que, para os autores de filmes da competição, quando o telefone toca e é de Cannes, é sinal de que há prémio no palmarés.
Cada filme a concurso dá direito a convite ao realizador, aos produtores e a alguns dos atores para uma estadia de três dias em Cannes, normalmente num dos grandes hotéis de luxo da Croisette, como o Majestic, o Marriott ou o Martinez. O lendário Carlton está neste momento em obras de renovação, prometendo abrir em 2023, provavelmente para o festival.
Nesses três dias, a equipa do filme faz a tradicional subida da escadaria com passadeira vermelha que dá acesso ao Palácio dos Festivais e à grande Sala Lumière, e encontra-se com alguns dos jornalistas de imprensa escrita e de televisão presentes em Cannes. Depois, é o regresso a casa.
O júri é entretanto convidado a ter o seu palmarés pronto a tempo de telefonar aos realizadores e atores premiados, para que regressem a Cannes a tempo de assistir à cerimónia e receberem os seus prémios. É por isso que, quando são descobertos a subir pela última vez a passadeira vermelha, há um sinal claro de que deverão estar presentes no palmarés final.
O que é curioso é que mesmo os premiados não sabem exatamente ao que vão, já que não lhes é revelado qual o prémio que vão receber. Pode ser um prémio pelo argumento ou pela realização, o que já é notável, mas também pode ser a tão desejada Palma de Ouro.
Imagina-se a tensão interior de quem recebeu o tal telefonema e vai vendo prémios a serem entregues sem ser chamado ao palco, esperando que tal só aconteça quando se tratar do prémio maior de Cannes - e o mais importante e mediático do mundo do cinema a seguir ao Oscar.
Num tom mais pessoal, o grande favorito de quem esteve estes últimos doze dias a comunicar com o leitor as suas impressões de Cannes 2022, é "Holy Spider", de Ali Abbasi, um poderoso thriller baseado num caso verídico ocorrido há vinte anos numa cidade sagrada do Irão, quando um homem matou dezasseis prostitutas em nome de Deus, para limpar do mal os arredores do templo onde essas mulheres vendiam os seus corpos.
No entanto, há um grande entrave à conquista de um prémio maior por parte deste filme, a presença no júri de um outro realizador iraniano, o prestigiado Asghar Farhado. Apesar de fazer um cinema de denúncia, em filmes como "Uma Separação", "O Vendedor" ou "Um Herói", fá-lo de uma forma aceitável pelo regime do país onde vive e regressa sempre após os filmes que realiza no estrangeiro, como já foi o caso em França ou em Espanha.
Pelo contrário, Ali Abbasi vive na Suécia e filmou "Holy Spider" na Jordânia, visto o seu filme tocar de forma radical alguns temas interditos no cinema iraniano: nudez, sexo, violência, linguagem considerada obscena. Aliás, a atriz principal do filme, Zar Amir-Ebrahimi, revelou na conferência de imprensa do filme que não poderia regressar ao seu país.
É então que entra em cena o que é neste momento o grande favorito à Palma de Ouro, "Close", do belga Lukas Dhont, que vencera com "Girl" a Camera d"Or, que premeia a melhor primeira obra apresentada no festival. "Close" é uma das mais belas abordagens da amizade no cinema mais recente, contando a história de dois jovens de treze anos, os melhores amigos, donos de uma profunda cumplicidade. Mas quando vão para uma nova escola, Léo começa a ver outros colegas, o que Rémi entende como uma traição insustentável, levando-o a cometer um ato trágico.
Falando-se também na possibilidade dos dois jovens atores partilharem o prémio de interpretação masculina, o filme é ao mesmo tempo uma obra de grande empenhamento artístico, de temática passível de diversas abordagens e de enorme intensidade emocional.
Há no entanto um pormenor importante a ter em atenção. O presidente do júri da competição é o ator francês Vincent Lindon, que privilegia no seu trabalho, entre outras temáticas, um cinema social e de engajamento político, bem visível em obras como "A Lei do Mercado", que aliás lhe valeu o prémio de interpretação em Cannes, "Em Guerra" ou "Un Autre Monde".
Esta equação poderia dar possibilidades aos irmãos Dardenne, mas o seu "Tori et Lokita" não tem infelizmente dimensão e força para o que seria uma inusitada terceira Palma de Ouro.
O campo está então aberto para "Un Petit Frère", de Léonor Serraille, um dos filmes em competição apresentados ontem. Produzido pela luso-descendente Sandra da Fonseca, o filme da autora, que também vencera já a Camera d"Or, por "Jeune Femme", acompanha vinte anos na vida de Rose e dos seus dois filhos, desde a sua chegada a Paris vindos da Costa do Marfim, no final da década de 1980.
Procurando na lista das duas dezenas de filmes presentes na competição, não haverá surpresas se estiverem no palmarés filmes como "EO", do polaco Jerzy Skolimowski, o objeto mais singular de todo o festival, ""Tchaikowski Wife", do russo - dissidente e crítico de Putin - Kirill Serebrennikov, "Armageddon Time", de James Gray, "Boy From Heaven", do egípcio Tarik Saleh - também filmado em território estranho à ação, no caso a Turquia -, "Crimes of the Future", de David Cronenberg, "Nostalgia", de Mario Martone, ou mesmo "Pacifiction", do espanhol Albert Serra, numa coprodução internacional a que se juntou a portuguesa Rosa Filmes. Para saber mais logo, aqui em Cannes.
