
A escritora Agustina Bessa-Luís morreu hoje, no Porto, aos 96 anos
JOAO RELVAS/ LUSA
O primeiro-ministro, António Costa, considerou que Portugal perdeu uma das suas mais notáveis escritoras contemporâneas, salientando que a obra de Agustina Bessa-Luís constitui "uma imensa tela sobre a condição humana".
Numa nota de pesar publicada na rede social "Twitter", António Costa apresenta as suas sentidas condolências à família e amigos de Agustina Bessa-Luis, que faleceu esta segunda-feira, no Porto, aos 96 anos.
"Portugal perdeu uma das suas mais notáveis escritoras contemporâneas. Como toda a grande literatura, a obra de Agustina Bessa-Luís é uma imensa tela sobre a condição humana, sobre o que temos de mais misterioso e profundo. Sentidas condolências à família e amigos", escreveu o primeiro-ministro.
Conselho de Ministros aprova luto nacional
O Conselho de Ministros aprovou, por via eletrónica, o decreto que declara luto nacional na terça-feira, em homenagem a Agustina Bessa-Luís. "Com uma obra vasta e transversal, Agustina Bessa-Luís marcou decisivamente a literatura portuguesa da segunda metade do século XX, sendo o seu legado sinónimo de um percurso pessoal e autoral único, que continuará, certamente, a enriquecer gerações de leitores e a influenciar o percurso de jovens autores", lê-se no comunicado do Conselho de Ministros extraordinário.
Na nota, o Governo refere ainda que "a República Portuguesa e, muito em especial, toda a literatura que se expressa em português é-lhe, pois, devedora de uma longa e incondicional dedicação à criação literária e do seu exemplar contributo para o prestígio cultural de Portugal".
Agustina ocupa "lugar sem par na narrativa portuguesa contemporânea"
A ministra da Cultura, Graça Fonseca, considera que a escritora Agustina Bessa-Luís "ocupa um lugar sem par na narrativa portuguesa contemporânea, sempre preocupada com a condição social e cultural em Portugal". Em nota de imprensa, afirma que a autora de "Sibila" é uma das "grandes romancistas e mestre de um dos mais originais processos criativos da ficção portuguesa".
"Autora de uma obra tantas vezes virada para o passado mas sempre contemporânea, sempre presente", Agustina Bessa-Luís inaugurou "um novo espaço ficcional, à imagem de outras grandes mulheres e que, em conjunto com ela, revolucionaram radicalmente a prosa em português, como Maria Velho da Costa ou Maria Gabriel Llansol", afirmou a ministra da Cultura.
Pilar del Río recorda palavras de José Saramago sobre Agustina Bessa-Luís
Pilar del Río, que preside a Fundação José Saramago, fala num sentimento de "orfandade" com a morte da escritora Agustina Bessa-Luís, uma grande escritora" que "dinamizou a Cultura de Portugal com a sua obra, com a sua personalidade, com as suas declarações, que tinha uma voz própria e uma obra esplêndida".
"Remeto-me ao que disse José Saramago sobre o que ela escreveu: que se há em Portugal um escritor que participe da natureza do génio, é Agustina Bessa-Luís", afirmou.
Da obra da escritora, da qual leu vários livros, Pilar del Río partilhou que a primeira que a marcou, "que foi como um golpe", foi "A Sibila", de 1954, que lhe valeu os prémios Delfim Guimarães e Eça de Queiroz.
Agustina deixa "uma das obras mais importantes do século XX" - Lídia Jorge
"Agustina Bessa-Luís deixa, do ponto de vista da ficção, uma das obras mais importantes do século XX, e, como escritora, sem dúvida alguma, a mais importante", afirmou Lídia Jorge, em declarações à Lusa.
Lídia Jorge classifica a obra de Agustina Bessa-Luís como "absolutamente extraordinária, multifacetada e que toca praticamente todos os géneros", salientando que "onde ela brilha com fulgor único é na ficção".
Lembrando que Agustina Bessa-Luís "sempre se assumiu não como uma feminista", Lídia Jorge destaca que a escritora "coloca-se na perspetiva das mulheres de uma forma única, defendendo essa perspetiva, mas não defende as mulheres como vítimas".
"Ela defende as mulheres como vencedoras, como lutadoras, como figuras de ação. Muita gente diz que a escrita dela é viril, mas não é viril, é forte, é voluntariosa, é diferente, é uma escrita em que as figuras femininas são voluntariosas, como ela própria era", considerou.
Para Lídia Jorge, a literatura de Agustina Bessa-Luís "é o prolongamento daquilo que ela era como mulher, como figura pública, como amiga, como pessoa".
"Era uma mulher de ação, ela tinha uma ação dentro dela, ela queria transformar as coisas e queria dar notícia dessa transformação, e toda a escrita dela é nesse sentido, no sentido de reclamar uma espécie de progresso que ela não define quais são os limites, mas é uma espécie de marcha, ela entende a marcha da humanidade", afirmou.
Agustina é uma das figuras nucleares da literatura portuguesa
"A Agustina foi uma das figuras nucleares da literatura portuguesa no século XX, particularmente após a publicação do romance 'A Sibilia', que marca uma linha muito pessoal, muito à revelia das correntes estéticas dominantes em Portugal e fora do nosso país", disse o presidente da Associação Portuguesa de Escritores (APE), José Manuel Mendes.
A sua escrita era "ao mesmo tempo embebida na história e nas tradições e na realidade portuguesa, e num percurso de descoberta das personagens que poderiam, de um ponto de vista psicológico, representar o grande drama humano em toda a sua dimensão", acrescentou, sublinhando a forma como, de livro em livro, a autora proporcionou "páginas admiráveis", cujo "grau de elaboração" advinha muito da sua "vastíssima cultura" e das suas leituras, "visando criar-lhe uma base muito pessoal de construção da escrita".
"Uma figura maior que fisicamente desaparece mas que nos deixa numa perspetiva de valoração do nosso património que é simultaneamente presente e devir. Uma obra singularíssima e irrenunciável", considerou.
CDS elogia "inteligência rebelde" de Agustina Bessa-Luís
A líder do CDS-PP, Assunção Cristas, lembrou a escritora Agustina Bessa-Luís, a "inteligência rebelde" e "poder feminino num mundo de homens", no dia em que morreu aos 96 anos. A "obra de Agustina Bessa-Luís é tão preciosa, inacabada e desconcertante como a vida",disse, numa mensagem divulgada aos jornalistas.
"A sua morte, hoje aos 96 anos, é altura para reconhecermos o milagre improvável de termos tido, em Portugal, quem nos escrevesse", lê-se na mensagem de Assunção Cristas, que transmite as suas condolências à família.
Para a líder centrista, "Agustina ficará, como poucos dos grandes, um nome próprio, como coisa própria dela: a inteligência rebelde, o poder feminino num mundo de homens, a ironia nos diálogos, a insolência da vaidade, a descrição atenta e o fundamental das pequenas coisas".
Os centristas relembram, "em reconhecimento, uma vida tão original, que nunca aceitou nem se submeteu aos cânones nem a destinos traçados, escreveu e interveio em causas públicas num permanente exercido de liberdade e independência".
Agustina Bessa-Luís era "figura de exceção" que se inspirou no Douro
A escritora Agustina Bessa-Luís era uma "figura de exceção" da cultura portuguesa que se inspirou e usou o Douro como palco de vários livros, afirmou o vice-reitor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Artur Cristóvão foi um dos coordenadores do "Ano de Agustina", em Vila Real, que homenageou a escritora portuguesa ao longo de 2018.
"A morte de Agustina Bessa-Luís é uma grande perda para o país. Era uma pessoa com uma obra vastíssima e muito diversificada. Era uma figura de exceção no panorama da nossa cultura", disse o vice-reitor à agência Lusa.
A escritora nasceu em Vila Meã, Amarante, em 1922, mas passou parte da sua juventude, entre os 12 e os 18 anos, em Peso da Régua. "As suas origens estão aqui muito ligadas a esta região, a que ela dedicou uma parte da sua escrita", salientou.
Alguns dos seus romances, como "O princípio da incerteza" ou "Vale Abraão" são passados no Douro. Esta última obra foi adaptada ao cinema por Manoel de Oliveira, que usou como cenário a quinta do Vale de Abraão, que entretanto se tornou num hotel de luxo.
Artur Cristóvão elencou ainda o livro "Estações da vida", recentemente reeditado, que é um registo que a autora faz das suas viagens nas linhas de caminho-de-ferro, nomeadamente na Linha do Douro. Neste território há, segundo o vice-reitor, "muitos espaços que marcam a vivência" da escritora.
E foi, sublinhou, pela sua "obra excecional" e pela "ligação ao Douro", que a UTAD resolveu homenagear Agustina Bessa-Luís, numa iniciativa que visou ainda consagrar a "sua vida e obra" e "estimular novos leitores".
Agustina é "a maior escritora que Portugal já teve"
O poeta e ensaísta Arnaldo Saraiva disse à Lusa que Agustina Bessa-Luís, que morreu hoje aos 96 anos, ocupa "o espaço da maior escritora que Portugal já teve" na memória do país. "Tivemos algumas escritoras importantes no século XX, de Florbela Espanca a Sophia de Mello Breyner Andresen e Maria Velho da Costa, mas de longe a maior figura feminina da literatura portuguesa será sempre Agustina", explicou.
Do lado pessoal, salta à memória "a companheira fabulosa para viagens ou para conversas risonhas, sobre isto e aquilo", além da "excelente cozinheira" que fazia "doces maravilhosos". Uma mulher "muito irreverente" e, ao mesmo tempo, "extremamente séria e intensa", tem na sua carreira "páginas incríveis, de escrita exaltante, envolvente, profunda e densa", recorda o ensaísta.
Deixa uma obra que será "cada vez mais objeto de estudo, análise, referência e citações", por ser "muito rica e complexa, que fala muito de nós mesmos, mesmo quando parece falar do homem universal".
Mário Cláudio recorda Agustina "como mestra e grande amiga"
"Vou recordá-la primeiro como um leitor apaixonado da obra, e depois como mestra, alguém que me ensinou muito sobre o que é a escrita e a vida literária. (...) Depois, vou recordá-la como uma amiga, com quem partilhei muitos dias da minha vida, com um diálogo muito ameno e enriquecedor para a minha parte, e que se tornou absolutamente inesquecível", afirmou o escritor Mário Cláudio, numa conversa por telefone com a Lusa.
Para o escritor portuense, a autora de "A Sibila" (1954) "vai ficar como uma grande figura do século XX, talvez a maior figura na área da ficção", pedindo ainda assim que seja feito "um trabalho de tratamento e divulgação da sua obra".
"Estamos habituados a ver os autores serem pouco favorecidos pelas instâncias que podem divulgá-los, até internacionalmente. (...) A Agustina foi penalizada nessa dimensão, foi muito pouco traduzida, e isso aconteceu também porque não houve um esforço por parte das entidades que o podem fazer", referiu.
Cavaco Silva recorda "a escritora imensa" que era Agustina Bessa-Luís
"A morte de Agustina Bessa-Luís enche-nos, à minha mulher e a mim, de uma profunda tristeza. Agustina é uma presença constante ao longo das nossas vidas", lê-se numa mensagem de Aníbal Cavaco Silva enviada à agência Lusa, a propósito da morte de Agustina Bessa-Luís, hoje, aos 96 anos.
Na nota, o antigo chefe de Estado lembra que teve o privilégio de conhecer a escritora e de ter "o seu apoio empenhado" quando se candidatou a primeiro-ministro e à Presidência da República, e salienta a "enorme admiração" que sempre teve "por essa mulher desassombrada, que sempre dizia e fazia o que queria e que compreendia muito bem Portugal".
Agustina Bessa-Luís destacou-se em 1954, com a publicação do romance "A Sibila"
A escritora Agustina Bessa-Luís morreu hoje, aos 96 anos, no Porto, disse à Lusa fonte da família. Nasceu em 15 de outubro de 1922, em Vila Meã, Amarante, e encontrava-se afastada da vida pública, por razões de saúde, há cerca de duas décadas.
O nome de Agustina Bessa-Luís destacou-se em 1954, com a publicação do romance "A Sibila", que lhe valeu os prémios Delfim Guimarães e Eça de Queiroz.
Recebeu igualmente o Grande Prémio de Romance e Novela, da Associação Portuguesa de Escritores, em 1983, pela obra "Os Meninos de Ouro" e, em 2001, com "O Princípio da Incerteza I - Joia de Família".
Foi distinguida pela totalidade da sua obra com o Prémio Adelaide Ristori, do Centro Cultural Italiano de Roma, em 1975, e com o Prémio Eduardo Lourenço, em 2015.
Sobre Agustina, o ensaísta Eduardo Lourenço disse, em declarações à Lusa, no final da cerimónia da entrega do prémio com o seu nome, que é uma autora "incomparável", a "grande senhora das letras portuguesas".
Em 2004, Agustina recebeu os Prémios Camões e Vergílio Ferreira.
Foi condecorada como Grande Oficial da Ordem de Sant'Iago da Espada, de Portugal, em 1981, elevada a Grã-Cruz em 2006, e o grau de Cavaleiro da Ordem das Artes e das Letras, de França, em 1989, tendo recebido a Medalha de Honra da Cidade do Porto, em 1988.
Questionada sobre o que escrevia, a autora disse, num encontro na Póvoa de Varzim: "É uma confissão espontânea que coloco no papel".
A cerimónia fúnebre da escritora Agustina Bessa-Luís decorrerá na terça-feira, na Sé Catedral do Porto, seguindo depois para o cemitério do Peso da Régua, Vila Real, onde será sepultada, "na intimidade da família", revelou hoje o Círculo Literário Agustina Bessa-Luís.
