
O autor de banda desenhada francês Jean-Piere Autheman faleceu esta terça-feira, contava 73 anos.
Num ano que tem sido especialmente cruel para a banda desenhada, ao rol dos falecidos, onde já se contavam Uderzo, Quino, Neal Adams, José Garcês, Laurent Vicomte ou André-Paul Duchâteau, junta-se um autor que marcou a BD francófona dos anos 1980/90.
Natural de Arles, onde nasceu a 17 de Dezembro de 1946, herdou do pai, resistente deportado durante a Segunda Guerra Mundial, o carácter inconformista e libertário, e da mãe, professora de piano, o gosto pela música.
Após um curso na Faculdade de Letras e da frequência da de Arquitetura, a banda desenhada levou a melhor e começou como desenhador de imprensa em 1970. Trabalhou para revistas como a "Charlie Mensuel", "l'Echo des Savanes" ou "HaraKiri", até 1978, data em que concebeu "Escale à Nacaro", a primeira aventura de Condor, o capitão de um barco cujas cargas nem sempre são muito legais.
Face ao pouco sucesso obtido, suspendeu a série, regressando quatro anos depois, apenas como argumentista, com "O refém" e o desenho entregue a Dominique Rousseau, a que se seguiria "Alerta em África", ambos publicados em português pela Meribérica/Líber.
Entre a Dargaud e a Glénat, na "Pilote", na "Circus" ou diretamente em álbum, continuará a produzir.
Em 1984 surge como autor completo de "Vic Valence", num registo bem mais pessoal, cujo álbum de estreia, "Uma noite em casa de Tennessee" lhe daria o Alph'Art de Angoulême para o melhor álbum francófono em 1986. Este, bem como "A passageira silenciosa", foram igualmente editados no nosso país, que Autheman visitou em 1997, como convidado dos salões de BD do Porto e Lisboa. O catálogo "A BD romance" ficou como marco dessa passagem.
Inquietação e descoberta
Autor de personagens intranquilos e desencantados, amantes de bebidas fortes e mulheres perigosas, longe de serem modelos ou exemplos de vida, Autheman transmitiu para a sua obra a sua inquietação própria e a vontade de descoberta, experimentando diversos registos: a aventura, o desenho satírico, gags eróticos, a autobiografia... e até o romance tradicional.
Seria essa forma de ser que faria dele um pioneiro do formato hoje conhecido como novela gráfica, mas nos anos 1990 designado como "roman BD", ou romance BD, pela utilização do formato livro para publicar banda desenhada. É o caso de "Place des Hommes", "Le Pet du Diable" ou "Le Passe du Manchot".
São histórias longas, intimistas, em locais exóticos, de temática mista entre o policial e o político, em que Autheman dá grande protagonismo à volúvel natureza humana. O seu desenho pouco atraente, mas extremamente eficiente e legível, ajusta-se ao formato escolhido e permite-lhe brilhar como argumentista e planificador de exceção, quer pela capacidade de criar ambientes e tensões, através da alternância entre diálogos vivos e ricos e uma hábil gestão de silêncios, quer pelas mudanças de ritmo que imprime aos relatos.
No início deste século afastou-se da banda desenhada, dedicando-se desde então à escrita de romances, às crónicas gráficas e ao ensino da escrita e do desenho.
Faleceu a 27 de Outubro de 2020, no hospital de Arles, onde estava internado.
