
Excêntrico artista tinha 87 anos
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Pioneiro cantor e pianista, que deu nova vida ao rock"n"roll e influenciou David Bowie, The Beatles ou Bob Dylan, tinha 87 anos
David Bowie considerava uma fotografia do músico - comprada em 1958 e que se mantinha firme apenas com recurso a fita-cola - um dos seus objetos mais valiosos. A primeira música que Paul McCartney cantou em público foi "Long tall Sally". E Bob Dylan escreveu no livro de finalistas do liceu que a sua ambição era "tocar com Little Richard", o pioneiro compositor, cantor, pianista e referência para as gerações do rock do pós-50, que morreu este sábado, aos 87 anos, na sequência de um cancro.
Richard não inventou o rock"n"roll (Chuck Berry e Fats Domino chegaram primeiro), mas criou-lhe uma nova e interessante possibilidade: mais selvagem, menos apropriada e tão exuberante quanto a voz que se elevava bem acima do piano onde martelava furiosamente as notas que o imortalizaram. Não concordaremos nunca sobre como se escreve ou o que significa "a wop bob alu bob,a wop bam boom", mas a frase de "Tutti Frutti", inventada enquanto lavava pratos num restaurante, ganhou com mérito lugar na grande coleção da música popular.
https://www.youtube.com/watch?v=F13JNjpNW6c
Nascido nas favelas de Macon, Georgia, nos EUA, a 5 de dezembro de 1932, Richard Wayne Penniman era um dos 12 filhos de um contrabandista. Saiu de casa aos 13 anos, acusado pelo pai de ser homossexual (em público, nunca esclareceu totalmente a ambiguidade que foi alimentando sobre as suas preferências sexuais) e começou uma carreira modesta, que certamente se perderia no tempo, não fosse o destino dar-lhe uma oportunidade: em 1955, o dono de uma editora e produtor Art Rupe procurava um cantor e, quando ouviu uma versão de "Tutti Frutti" que Richard lhe tinha por coincidência enviado, decidiu que o músico era o homem certo.
Desfazer estereótipos
Foi esse o momento inicial de um renascimento do rock, que Little Richard logrou sozinho. Debaixo de uma poupa exuberante, soltando os seus característicos chiliques em palco e fazendo uso de ritmos que davam corpo a atuações frenéticas (não esquecer a maquilhagem nos olhos e o finíssimo bigode), o pianista construiu uma personagem única, que desfez a conceção sóbria e masculina do "frontman". Sem Richard, não haveria James Brown, Jimmy Hendrix, Elton John ou Prince.
"Tutti Frutti" foi seguida por "Long tall Sally", "Good golly Miss Molly" e por uma série de outros singles que o tornaram num nos nomes mais celebrados da música norte-americana e que definiram os alicerces para o rock que viria depois dele. Little Richard era, nos anos 50, um ícone ao nível de Elvis Presley ou Jerry Lee Lewis (autor de "Great balls of fire"), que arrastava multidões para concertos lotados.Mas justamente quando estava no topo, voltou a surpreender. Tornou-se religioso e , em 1957, decidiu tocar exclusivamente música gospel (viu Deus num satélite que ardia no céu e sonhou com o fim do Mundo).
Voltou anos depois ao rock secular , mas não conseguiu recuperar o sucesso massivo da década anterior.A capacidade para arrebatar audiências em concerto não desapareceu, no entanto. Os anos 60 tinham já arrancado e Richard iniciou uma digressão na Europa que lhe devolveu a carreira. Em 1964, nos concertos que deu em Hamburgo, na Alemanha, quem abria a noite eram, veja-se bem, os The Beatles. Ontem, a revista "Rolling Stone" recordava que John Lenno o considerava "um dos maiores". Noutros concertos que deu nesse anos, outro grupo de rapazes ingleses, que iniciavam a sua carreira, fizeram também as primeiras partes dos espetáculos de Little Richard: os Rolling Stones.
Nunca abandonou verdadeiramente o pendor religioso, nem quando, na altura do documentário "Let the Good Times Roll" (1973), se confessou viciado em álcool e cocaína e confirmou a personalidade excessiva, que manteve até ao fim. Gravou pela última vez, que se saiba, em 2010.
