
Bob Dylan
Fred TANNEAU / AFP
Bob Dylan, Madonna ou Aerosmith venderam os direitos das suas canções por fortunas às grandes editoras. Dinâmica relaciona-se com a pandemia e a nova política fiscal americana. Artistas não creem que tendência chegue a Portugal.
Dois acordos anunciados pela Warner e a Universal, que incluem a aquisição do catálogo completo de Madonna e Aerosmith, são os mais recentes capítulos de uma tendência impulsionada pela pandemia - a corrida aos catálogos de nomes históricos da música está lançada, e até os gigantes de Wall Street começam a voltar a este jogo.
A dinâmica foi posta em marcha por empresas como a Hipgnosis Songs Fund, que investe em propriedade intelectual na área da música, e a Primary Wave, editora e agência de talentos, que nos últimos meses começaram a adquirir direitos musicais - que incluem royalties, licenciamentos, negócios relacionados com a marca ou o retorno gerado por futuros lançamentos - de nomes como Fleetwood Mac, Neil Young, Shakira, John Lennon ou Dire Straits.
Esta súbita intrusão na indústria obrigou as "majors" a reagir e, no final de 2020, foi anunciado um acordo histórico entre a Universal e Bob Dylan, com a compra de todo o catálogo de canções do bardo por 400 milhões de dólares.
As razões para este processo, segundo a "Rolling Stone", são essencialmente conjunturais: a diminuição das receitas dos artistas no último ano e meio devido às enormes restrições aos espetáculos ao vivo e, no caso americano, a mudança de política fiscal anunciada por Biden, que subirá a atual taxa de 20% sobre negócios superiores a 1 milhão de dólares para 37% - o que significa que há uma breve janela para quem compra e para quem vende. Razões pessoais poderão ser aduzidas: os artistas em causa, como Bob Dylan, não vão exatamente para novos e talvez seja uma boa altura para realizar um encaixe desta dimensão.
Há ainda a perceção do mercado, que olha para estes ativos como valores estáveis e potencialmente galopantes. Como explicou Merck Mercuriadis, CEO da Hipgnosis: "Se o Trump fizesse loucuras, o preço do ouro e do petróleo eram afetados, mas não o das canções, que continuarão a ser consumidas".
Estes novos acordos, também conhecidos como "parcerias estratégicas", parecem agradar a ambas as partes: a propósito do negócio realizado entre a Universal e os Aerosmith, que garante à editora direitos sobre os "masters" da banda, futuros lançamentos, merchandise e conteúdo audiovisual, o guitarrista Joe Perry disse estar "feliz e orgulhoso por conseguirmos trazer os nossos 50 anos de música para baixo do mesmo teto. Isso permitir-nos-á levar a nossa música aos fãs de uma forma que nunca antes fomos capazes". E Sir Lucian Grainge, CEO da Universal, também se congratulou pela aquisição de um "catálogo icónico."
Portugal estreito
Sobre a hipótese de esta dinâmica chegar ao mercado português, e sobretudo aos nomes históricos, aqueles que têm suscitado a tendência, as possibilidades são bastante escassas, diz Rui Chen, responsável pelo marketing estratégico da Warner em Portugal: "A nossa dimensão não permite operações deste tipo, porque nenhum catálogo de um artista nacional poderá ser explorado globalmente, como o da Madonna". As exceções, diz o responsável, poderão ser "fadistas como a Ana Moura, a Mariza ou até a Amália".
O guitarrista dos GNR, Tóli, vê também como improvável este género de operações chegar a Portugal, até porque na prática, diz, "muitos dos artistas históricos já têm a maior parte do catálogo entregue a uma só editora: "90% da obra dos GNR pertence à Warner".
Mas mesmo os que têm o catálogo disperso por várias chancelas, como os Xutos & Pontapés, dificilmente serão alvo de uma oferta colossal pelos seus direitos, diz ao JN Kabeca, manager da banda: "A quota da música portuguesa é demasiado pequena para as majors. Não me acredito que esses negócios cheguem cá, mas nunca se sabe, podem aparecer empresas que achem que o nosso mercado está mal explorado".
