
A realizadora francesa Ariel de Bigault revela os "Fantasmas do Império" num documentário que chega esta quinta-feira ao Porto, numa sessão especial.
Francesa com uma forte e antiga ligação a Portugal, Ariel de Bigault realizou o documentário "Fantasmas do Império", abordando o passado colonial português através de vários realizadores que trabalharam o tema, como João Botelho ou Fernando Matos Silva. O filme estreia em sala no próximo dia 3 de junho e tem antestreia esta quinta-feira no Porto, numa sessão especial no Palácio de Cristal.
Porque decidiu abordar o tema através do olhar de outros realizadores?
A pergunta a que queria responder com este filme era: como é que o cinema português retratou a colonização? Havia muitos filmes oficiais sobre as visitas, como a do Carmona a Angola, mas pus de lado isso, como pus muita coisa do exército, do aparato administrativo e colonial. Há um pouco da parte económica, mas não muito, porque me interessou mostrar qual era o olhar sobre esses povos que estavam a ser invadidos. Mas não vemos a violência, porque nunca foi filmada.
A quem se dirige o seu filme?
A minha ambição é a de falar para muita gente. Há opções que são feitas ao nível do ritmo, da montagem, no trabalho de encenação. Para não dar a ideia de que estou a fazer um filme de pesquisa. Está explicado que o Lopes Ribeiro era um apoiante do regime, um grande cineasta, que marcou a história do cinema português. Está lá, mas de forma discreta. Porque não era preciso sublinhar a vermelho. O público não é estúpido.
Já teve algumas reações ao filme?
O público francês já viu o filme e pessoas muito diversas ficaram fascinadas. Descobriram imensas coisas e, de repente, começaram a pensar que esse manancial, esse arquivo colonial, não existe em França.
Então por onde andam os fantasmas do império francês, nomeadamente na relação colonial com a Argélia?
Há uma diferença pequena, mas importante tecnicamente. Com as colónias da Ásia, como o Vietname, foi uma derrota, a França saiu de lá em 1954. Da África subsaariana foi em 1960 e da Argélia foi em 1962. Em termos cinematográficos, foi só depois dessas datas que se fez muita coisa. Em termos de ficção muito mais até do que Portugal. Enquanto Portugal considerava Angola e Moçambique como províncias, isso não aconteceu em França.
E o regime português era totalitário, com uma consciência da utilização da propaganda...
Aí temos de falar do António Ferro. E em França não houve um Lopes Ribeiro ou um Jorge Brum do Canto, que fez o "Chaimite", e que são ferrenhos do regime. O Lopes Ribeiro ficou fascinado. Gostava de filmar as pessoas, gostava de cinema, de fazer planos bonitos. Creio que os ingleses tinham essa ficção, havia essa ideia do Império. Quando o cinema acontece em França, já não há Império.
Acha que por ser estrangeira, apesar da relação antiga que tem com o país, foi mais fácil ter um olhar mais distanciado sobre o tema?
Não sei se foi pelo tema, isso não lhe sei responder. É verdade que o meu olhar nem é muito francês nem é muito português. O que é interessante é a relação com o cinema. Eu tive muita liberdade neste filme. Ninguém me veio dizer como é que tinha de fazer. Escolhi o que queria. E nisso, acho que o facto de eu ser francesa, de estar à margem, me fez sentir muito à vontade.
Foi muito interessante colocar lado a lado vários realizadores...
Pôr o Matos Silva e o João Botelho a ver os filmes de propaganda de 1961, que são terríveis, é uma cena que eu inventei. Quando vejo essa cena ainda fico comovida. É o cinema, a vivência das pessoas, a história do país. Qualquer pessoa que vá ver o filme conhece alguém como o João, que fugiu da guerra, ou o Matos Silva, que a viveu. Não há nenhuma família em Portugal que não tenha uma história com África.
O filme vai agora estrear em sala...
Era importante sair em boas condições em sala. Está bem as pessoas verem os filmes em casa, mas não é a mesma coisa. É como nadar na piscina e nadar no mar. Na piscina nada-se muito bem, mas no mar é outra história. E ou os portugueses se interessam pelo seu cinema ou vão perder uma grande parte da sua cultura.
