
Willem Dafoe protagoniza mais um filme de Abel Ferrara
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Num festival que não tem entusiasmado até agora no que diz respeito aos títulos a disputar o Urso de Ouro, o nome de Abel Ferrara no genérico de "Siberia" estava a gerar enormes expetativas, com as três projeções de imprensa a estarem todas completamente esgotadas.
Mas na sala onde o JN viu o filme muita gente saiu e no final poucas palmas se ouviram. É verdade que o filme não é fácil e a narrativa não é linear, mas é um dos grandes filmes da Berlinale 2020.
A Sibéria do título é um local imaginário, onde se refugia Clint, para fugir ao mundo. Sabendo que o próprio Ferrara é também hoje um exilado, vivendo em Roma, longe de um cinema americano que já não o consegue compreender, percebe-se que o filme é uma nova exploração autobiográfica, depois de "Tommaso", que já vimos em Portugal, tendo ainda como protagonista de novo um Willem Dafoe que se impõe como claro alter-ego do realizador.
Clint, o protagonista, vive numa egião gelada e isolada, gere o bar de uma cabana onde vive. Mas este é apenas o início de uma viagem aos fantasmas e às obsessões familiares, sexuais e metafísicas de Ferrara, onde não faltam pai, mãe, ex-mulher e filha, num processo onde o realizador se socorre ainda uma vez mais da atual esposa e da sua pequena filha.
Raras vezes o cinema nos trouxe ao interior da mente de um realizador. O Urso de Berlim ficava bem nesta Sibéria, mas isso já depende do que vai na própria mente de Jeremy Irons e dos seus colegas de júri.
Também fiéis ao seu cinema de humor destravado e de apologia anárquica, a dupla francesa Benoir Delepine e Gustave Kervern apresentou "Apagar o Histórico". A expressão informática tem a ver com a jornada dos seus protagonistas em busca de se libertarem de um passado virtual que as tramou, a começar pela jovem cuja noite de sexo e álcool foi gravada pelo parceiro e já está na "nuvem", e passando por um homem que tanto pagou a crédito que decide deitar fora o telemóvel e uma mulher que é tão viciada em séries que o seu casamento acabou por causa de "House of cards".
Sátira violenta e delirante a todos os serviços que nos bombardeiam constantemente, à guerra que se pode comprar quando se adquire algo pela Internet e ao roubo dos dados do cidadão para o integrar no sistema de consumo, "Apagar o Histórico" é um daqueles filmes que tem pelo menos uma cena igual a algo porque todos já passámos na nossa vida.
