Tarifas dos EUA. Têxtil pede retaliação e medidas europeias contra “tsunami” que será “pior que a Covid-19”
Associação do Vestuário pede ao governo “medidas articuladas com Europa para libertar verbas” para mitigar tarifas importas pelos EUA” e sublinha “financiamento e lay off simplificado". César Araújo crê que UE tem de “retaliar sobre bens e serviços” e rever políticas sob pena comércio europeu "colapsar"
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César Araújo, empresário do têxtil e presidente da Associação Nacional das Indústrias de Vestuário e de Confeção (Anivec), saiu da Avenida da República, em Lisboa, direto para os Estados Unidos da América para tratar das pesadas tarifas aduaneiras impostas por Trump à Europa e que afetam a fileira da moda.
No encontro dentro de portas, com o ministro da Economia, Pedro Reis, na terça-feira, 8 de abril, César Araújo revela que foram pedidas “medidas articuladas com a Europa, que vai ter de libertar verbas, e essas vão ser calculadas per capita, e regras para aplicação dessas verbas”.
Sobre as garantias dadas pelo executivo, “a Anivec não esperava, para já, nenhumas", uma vez que "nem podia por ser preciso primeiro ouvir todos". "Fomos apenas dar conhecimento ao ministro da Economia sobre o que estava a acontecer ao setor vestuário, o que achávamos que poderia acontecer mediante a retração do consumo e ver medidas como financiamento ou lay off simplificado”, prossegue.
Confrontado com a possibilidade de o executivo português tomar iniciativas como a que o governo espanhol tomou na semana passada - estabelecendo uma linha de ajudas e incentivos a empresas de 14,1 mil milhões de euros -, o presidente da associação considerada que o governo nacional “tem também verbas que poderá aplicar, mas é irrelevante para já, sem saber o que vai acontecer nas próximas semanas”.
O presidente da associação crê que “os países não podem atuar isoladamente nesta matéria e tem de ser em conjunto com todos os membros europeus” para fazer face ao que apelida de “tsunami”. “Estou a acreditar que a UE chegue a um acordo, se não isto poderá ser pior que a Covid", analisa, e detalha: "Nessa altura, ainda conseguimos vender produtos, as máscaras, o têxtil reinventou-se. A coisa correu mal, mas havia um pequeno mercado, agora é a perda de um mercado extremamente importante para Portugal.” O território nacional estava a exportar 5,7 mil milhões de euros em têxtil e vestuário para os EUA, o quarto maior pais de exportação e num setor que mostrava expansão.
Nas negociações que correm agora, desde esta quarta-feira, 9 de abril, no outro lado do Atlântico, o presidente da Anivec crê que as próximas “três semanas vão ser decisivas” para o futuro desta relação comercial.
“Estamos a entregar as coleções outono/inverno 2025/26, as medidas das taxas vão começar a ter maior impacto nas encomendas e compras para a primavera/verão de 2026, com redução e alguns cancelamentos que os clientes vão fazer a partir das próximas semanas”, teme o representante.
O responsável procura, por isso, novos entendimentos com clientes. “Estamos a tentar perceber como se vai conseguir, do lado do produtor e do cliente, reduzir margens porque o comprador final não tem depois dinheiro para os 30, 40, 50% de aumento da compra devido às tarifas”, antecipa, lembrando que o entendimento entre UE e EUA terá mesmo de ser prioritário.
Europa vai ter de retaliar, mas também rever regras
Tal como a associação do calçado já afirmou, também a Anivec é contra o protecionismo, mas considera que medidas extremas dos EUA devem merecer “retaliação a todos os bens e serviços de todos os setores e códigos pautais e não apenas de alguns sacrificados, como tem acontecido com o setor da moda”. “EUA e UE deviam ter mecanismos de reciprocidade e taxas zero em tudo, mas a Europa também não pode ficar de joelhos e tem de responder a todos”, considera o responsável.
Contudo, o trabalho da Europa não se esgota aí, como explica César Araújo. “A UE terá de regular muito bem porque os países que não vão poder exportar para os EUA, vão tentar escoar na Europa, e nós não aguentamos isso”.
O presidente da Anivec lembra que “85% da roupa consumida na Europa chega ao abrigo do regime de Sistema de Preferências Generalizadas (SPG), vendas entre empresas sem pagar taxa aduaneira”. Fator a que se junta, “os Minimis - regime de países terceiros diretos ao consumidor - e que representam são entre 7 a 10%”. Contas feitas, “falamos de quase 95% de entradas no mercado europeu” ao abrigo dessas regras. Se se mantiverem, Araújo alerta para o “risco de colapso de todo o comércio europeu como o conhecíamos”. “Não há mercado nenhum, por muito saudável que seja, que resista a estes impactos”, lembra.
Até ao momento, não foi possível obter qualquer reação por parte da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal.
Esta terça-feira, 8 de abril, foi revelado, em inquérito levado a cabo pela Associação Industrial Portuguesa (AIP), que as empresas portuguesas com relações comerciais com os EUA esperam uma descida da faturação entre os 20% e 35% nos próximos meses e já está a sentir uma redução das encomendas. A AIP, segundo a análise avançada pela agência Lusa, indicou que os setores mais afetados serão a indústria química, produtos minerais, máquinas, têxteis, plásticos e agroalimentar. “É de realçar que dentro destes setores há produtos mais diretamente atingidos que outros”, indicou.
Segundo a AIP, “a estrutura das exportações de bens para os EUA em 2024” foi liderada pela indústria química (inclui farmacêutica), com 24,9%, seguida dos produtos minerais (20,4%), máquinas e aparelhos elétricos (10%), têxteis (8,2%), plástico e borracha (8%), metalúrgica e metalomecânica (5,8%) e madeira (3,9%).
O Ministério da Economia vai continuar a reunir-se com associações empresariais de diversos setores na quarta-feira, 9 de abril, para avaliar "o impacto e as medidas de mitigação" das tarifas que o Presidente dos EUA.
As novas tarifas de Trump - impostas pelos Estados Unidos sobre todas as importações, com sobretaxas para os países considerados particularmente hostis ao comércio - são uma tentativa de fazer crescer a indústria norte-americana, ao mesmo tempo que punem os países por aquilo que disse serem anos de práticas comerciais desleais.