A que cheira o futuro? Perfumista avança tendências para aromas metálicos ou regresso às origens
Já imaginou qual poderá ser o aroma do futuro? A perfumista Mylène Thioux revela, sem fazer apostas na futurologia, que há duas tendências a crescerem em evidência. Especialista revela ainda como as lutas pela igualdade se têm feito notar na perfumaria
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“As mulheres já não escolhem perfumes para agradar ou ficar bem, mas para se expressarem, para mostrarem como são, para se afirmarem”. A frase da perfumista Mylène Thioux não deixa margem para dúvida de que a perfumaria teria inevitavelmente de se reinventar para acomodar a luta pela igualdade. E reiventou!
Neste “momento de ruptura”, como avança a especialista da Equivalenza à Delas.pt, “as notas associadas ao fougère - historicamente ligadas à masculinidade - aparecem agora naturalmente nas fragrâncias femininas, enquanto as fragrâncias orientais e ambaradas, tradicionalmente femininas, estão a ser integradas nos lançamentos masculinos”.
Numa indústria em permanente reinvenção, Thioux antecipa ainda, deixando de lado intenções de futurologia, as duas grandes tendências que podem afirmar-se a breve trecho na perfumaria.
Se tivesse que pensar em notas aromáticas para o futuro, para 2030, por exemplo, o que escolheria e porquê?
É difícil prever o futuro, mas parecem estar a surgir duas tendências. Por um lado, um maior interesse pelo urbano, o metalizado, o sintético: aromas que refletem o ritmo acelerado da cidade e o progresso tecnológico, talvez notas minerais, metálicas, futuristas. Por outro lado, a necessidade de refúgio emocional. Num mundo tão mutável e por vezes caótico, muitas pessoas procuram reconectar-se com a natureza, com o orgânico, com o ancestral. Nesse sentido, penso que assistiremos a um regresso às notas clássicas - incenso, resinas, flores nobres - e a uma valorização do autêntico, do artesanal. O equilíbrio entre os dois mundos marcará a tendência. A sustentabilidade também será um fator-chave. As novas gerações vão exigir fragrâncias mais responsáveis, tanto em termos de ingredientes como de processos. A perfumaria do futuro será mais ética, transparente e emocionalmente significativa.
Quais têm sido os aromas usados habitualmente por mulheres mais sujeitos a variações ao longo do tempo?
A evolução é fascinante. Nos anos 70 do século passado dominaram perfumes como o Chanel Nº5 ou o Opium da YSL: fragrâncias intensas e misteriosas, sem uma nota principal clara, mas sim uma sinfonia opulenta. Nos anos 80, passando pela excentricidade e poder da época, surgiram o Poison da Dior, com o seu drama e a sua aura imponente que refletia o excesso e a força dessa década. Nos anos 90, assistiu-se a uma viragem para o 'clean' (limpo) e minimalista, com Eternity da CK a liderar o caminho. Seguiram-se duas grandes revoluções: o gourmand de Angel de Mugler e o unissexo de CK One, que foram fundamentais, dando lugar, nos anos 2000, a bouquets florais femininos como protagonistas que dominaram a cena (J'adore, Flowerbomb), enquanto nos anos 2010 houve essa simbiose doce-floral (La Vie Est Belle, Black Opium). Hoje, em 2025, vemos como a fronteira entre o feminino e o masculino está a esbater-se: o Libre de YSL com a sua lavanda é um exemplo claro. A liberdade está a definir a nova direção.
Com a luta pelos direitos das mulheres mais em evidência, a escolha dos perfumes mudou? Se sim, em quê? Quais eram antes e quais os agora?
Sim, sem dúvida. Estamos num momento de rutura. A ascensão das fragrâncias unissexo e a reapropriação de códigos tradicionalmente “masculinos” pelas mulheres faz parte de um movimento mais amplo: a libertação das etiquetas. As notas associadas ao fougère - historicamente ligadas à masculinidade - aparecem agora naturalmente nas fragrâncias femininas, enquanto as fragrâncias orientais e ambaradas, tradicionalmente femininas, estão a ser integradas nos lançamentos masculinos. Exemplos como o Scandal de Jean Paul Gaultier e os novos lançamentos de Paco Rabanne refletem esta transformação. A perfumaria acompanha este processo de empoderamento: as mulheres já não escolhem perfumes para agradar ou ficar bem, mas para se expressarem, para mostrarem como são, para se afirmarem.