O que acontece ao bebé se a febre da grávida não baixar? Médico aponta riscos de declarações de Trump
Declarações "perigosas" e risco de "criação de pânico" e "ansiedade". É desta forma que o obstetra Fernando Cirurgião condena as declarações do presidente dos Estados Unidos da América, Donald Trump, que afirmou, sem provas científicas que o uso do paracetamol está "possivelmente associado a um risco muito maior de autismo" aconselhando as mulheres a não o tomarem durante a gravidez
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O presidente dos Estados Unidos da América, Donald Trump, correlacionou, em comunicação ao país, na segunda-feira, que o uso do paracetamol - medicamento que pode ajudar a debelar inflamações e febre - em grávidas estaria alegadamente associado ao risco de autismo nos bebés. Sem avançar provas científicas, Donald Trump gerou polémica mundial, colocou a comunidade científica e as autoridades em alvoroço e numa azáfama para o desmentir.
Ao JN/Delas, o médico obstetra Fernando Cirurgião considerou as declarações "perigosas" num "tema muito sensível como o autismo" e explica quais os riscos de não tratar as gestantes com paracetamol, "a primeira opção que uma grávida deve ter perante sintomatologia geral ou doenças virais ou bacterianas". Tratamento que deve obedecer a posologia e tempo de tratamento adequados e verificados pela ciência.
Começando por sublinhar que "não tratar as grávidas é que pode trazer consequências para o desenvolvimento dos bebés", acautelando sempre uma dosagem e tempo de tratamento adequados, o obstetra fala no perigo de, sem tratamento, se estar perante um agravamento dos sintomas e a febre. "Esta sim, se for alta e persistente, pode ter consequências no desenvolvimento do feto, uma vez que ele estará à temperatura alta da mãe", refere, falando em "consequências termogénicas que podem levar a comprometer o desenvolvimento do sistema nervoso do bebé".
Alternativas não são indicadas
As alternativas para baixar a temperatura como o ibuprofeno, por exemplo, estão longe de ser as mais indicadas. "Estes têm riscos sobretudo depois do segundo trimestre de gravidez, com potencial interação na produção do coração e alteração no líquido amniótico", refere, sem alarmismos, o médico e também diretor clínico do serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital São Francisco Xavier, em Lisboa.
Para Fernando Cirurgião, as frases de Trump criam "o pânico para quem está neste momento a viver uma gravidez, trazem ansiedade a quem já teve de tomar paracetamol na gestação e limita a utilização" de uma solução medicamentosa. O médico crê que estas posições podem radicar em posições "mais políticas e economicistas" e que a ciência não vai deixar passar. "Nos Estados Unidos da América, é possível que mexa bastante com a opinião pública, mas talvez aqui [na Europa e Portugal] esse impacto não seja grande", acredita.
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Por cá, em território nacional, o Infarmed esclareceu, esta terça-feira, que não existe relação entre o uso de paracetamol por grávidas e malformações no feto ou nos recém-nascidos, insistindo na falta de evidências que justifiquem mudanças nas recomendações relativas ao uso daquele analgésico na União Europeia. Diz que, em 2019, a Agência Europeia do Medicamento ( EMA) reviu os estudos disponíveis que investigaram o neurodesenvolvimento de crianças expostas ao paracetamol "in utero", concluindo que "os resultados eram inconclusivos" e que "não foi possível estabelecer uma ligação com perturbações do neurodesenvolvimento".
"Uma grande quantidade de dados provenientes de mulheres grávidas que utilizaram este medicamento durante a gestação indica que não existe risco de malformações no feto em desenvolvimento nem nos recém-nascidos", refere.
O Infarmed sublinha, citado pela agência Lusa, que, quando necessário, o paracetamol pode ser utilizado durante a gravidez e explica: "Tal como acontece com qualquer medicamento para tratamento agudo, deve ser usado na menor dose eficaz, pelo período mais curto possível e com a menor frequência necessária".
Aconselha ainda as mulheres grávidas a falarem com o seu profissional de saúde se tiverem dúvidas relativamente a qualquer medicamento durante a gravidez. A EMA e as autoridades nacionais competentes na UE "continuarão a monitorizar a segurança dos medicamentos que contêm paracetamol e a avaliar rapidamente quaisquer novos dados que surjam", refere a nota, acrescentando que serão tomadas medidas regulamentares "sempre que se justifique", de forma a proteger a saúde pública.
Donald Trump sugeriu, sem apresentar provas científicas, que o aumento do autismo no país pode ter como causa o uso do analgésico paracetamol em grávidas e a vacinação.
Ladeado por Robert F. Kennedy Jr., secretário da Saúde e um dos rostos do movimento antivacinas no país, Trump sugeriu a imposição de limites ao uso de paracetamol - mais conhecido nos Estados Unidos pela marca Tylenol - durante a gravidez, citando o medicamento como uma possível causa do autismo, apesar de esta ligação causal ter sido investigada e não estar comprovada.
Na segunda-feira, Trump disse que o paracetamol está "possivelmente associado a um risco muito maior de autismo" aconselhando as mulheres a não o tomarem durante a gravidez, mas não apresentou qualquer prova científica.
Em alternativa, apresentou rumores de que "praticamente não há autismo" em Cuba porque o país não tem condições para comprar Tylenol, a marca mais popular de paracetamol.
Os especialistas têm afirmado que o aumento de casos nos Estados Unidos se deve sobretudo a uma nova definição para a perturbação, que passa a incluir casos ligeiros num "espetro" e diagnósticos mais precisos, e que não existe uma causa única.