Mais de 20 coletivos publicam carta aberta contra revogação da lei da violência obstétrica
Associações, coletivos e centenas de cidadãos assinam carta aberta contra revogação da lei da violência obstétrica, que vai a debate no Parlamento esta sexta, 11 de julho, por iniciativa dos partidos do governo: PSD e CDS-PP. Documento exige que deputados rejeitem categoricamente qualquer proposta de revogação
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Pouco mais de três meses depois de ter sido aprovada a lei que prevê a proteção de grávidas e pós-parto face à violência obstétrica, o mesmo clausulado regressa agora ao Parlamento, com o PSD e o CDS-PP a quererem revogar a lei. Em carta aberta publicada esta terça-feira, 8 de junho, mais de duas dezenas de coletivos e associaçoes e centenas de cidadãos denunciam a intenção de recuar na lei da violência obstétrica, que será discutida na Assembleia esta sexta-feira, 11 de julho, e afirmam tratar-se de “ameaça real de retrocesso”.
“Revogar a Lei da Promoção dos Direitos na Gravidez e no Parto seria um ato de violência institucional”, lê-se no documento, que pode consultar aqui. Para os subscritores, esta intenção significa “ignorar as vozes das mulheres, é proteger práticas desumanas, é perpetuar a normalização do sofrimento e da despersonalização no sistema de saúde. É dizer, alto e bom som, que o corpo das mulheres continua a não lhes pertencer”.
“Exigem”, por isso, “que a Assembleia da República rejeite categoricamente qualquer proposta de revogação ou de esvaziamento da Lei 33/2025, 31 de março de 2025”. “ Ao invés disso pedimos que se promova um diálogo sério e construtivo, para regulamentar e melhorar a lei em diálogo com as organizações representativas dos utentes e dos profissionais de saúde. Porque só com escuta ativa e colaboração é possível melhorar a lei e garantir melhores cuidados para todas as mulheres. Exigimos o compromisso efetivo com os direitos humanos das mulheres, com a autonomia corporal, com a justiça reprodutiva”, refere a mesma carta.
Os subscritores lembram que, “neste momento, milhares de grávidas e bebés em Portugal enfrentam um sistema onde ainda faltam condições básicas: profissionais formados em cuidados respeitosos, estruturas com privacidade e dignidade, acompanhamento contínuo, informação clara e partilhada”. Por isso, em vez de se estar diante do “aprofundamento de políticas públicas que promovam partos seguros e humanizados”, está a assistir-se “a uma tentativa vergonhosa de apagar as conquistas recentes”.
Entre as entidades signatárias estão, entre outras, plataformas como SaMaNe - Associação Saúde das Mães Negras e Racializadas em Portugal, A Coletiva, As DesaFiantes, As Feministas.pt, Associação ILGA Portugal |Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e Parto, OVO - Observatório Violência Obstétrica, Opus Diversidades Pela Igualdade, Por Todas Nós, SOS Racismo, UMAR, FEM - Feministas em Movimento e HeforShe UL.
O que querem o PSD e o CDS-PP
A 4 de junho, o PSD avançou com um projeto de lei que pretende revogar a lei 33/2025, em vigor desde 31 de março, considerando que o conceito da atual clausulado é “excessivamente lato e indesejavelmente vago” e que a sua aplicação “poderia redundar na criação de um inaceitável estigma sobre médicos e profissionais de saúde, incentivando mesmo indesejáveis e perigosas práticas médicas defensivas.
Já antes, logo mesmo na véspera do debate do novo programa de governo, a 17 de maio, o CDS-PP - partido que compõe o governo AD - avançava, como uma das suas primeiras propostas, com um projeto de lei que pretendia revogar a lei 33/2025, em vigor desde 31 de março, por considerar que o conceito de violência obstétrica “não está alinhado com os padrões seguidos noutros países da União Europeia”.
No segundo artigo da lei aprovada com votos contra do PSD e do CDS-PP, são considerados como violência obstétrica os atos físicos e verbais exercidos por profissionais de saúde que tenham como base um comportamento desumanizado, abuso de medicalização ou “patologização dos processos naturais, desrespeitando o regime de proteção”, desde a preconceção até ao nascimento.
Esta lei permitiu, na mesma linha, a criação de um enquadramento legal para a episiotomia, uma incisão feita para facilitar o parto, promovendo a sua erradicação. De acordo com o diploma publicado em Diário da República, a realização de episiotomias “de rotina e de outras práticas reiteradas não justificadas” poderiam resultar em inquéritos disciplinares aos profissionais de saúde ou em penalizações no financiamento dos hospitais.
O PSD considerou que a criação do enquadramento legal para a realização de episiotomias “compromete e degrada a necessária e imprescindível autonomia dos profissionais de saúde responsáveis pela decisão clínica”.
Tanto o PSD como o CDS-PP consideraram ainda que a lei em vigor não teve a devida participação da comunidade científica, nem de entidades representativas dos profissionais de saúde