Zainab Jama tem 23 anos, é a representante da Somália no concurso de beleza Miss Mundo e revelou, em lágrimas e no palco do certame mundial, o relato difícil da mutilação genital feminina a que foi sujeita ainda em criança
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Tinha apenas sete anos quando foi levada para ser sujeita ao processo de excisão. A revelação feita em lágrimas pela Miss Somália 2025, Zainab Jama, de 23 anos, aconteceu durante o concurso e no desafio "Head to Head", da Miss Mundo, num momento em que as candidatas revelam as suas causas para lá da beleza e as suas histórias de vida.
“Estou aqui hoje, não apenas como uma voz para os que não têm voz, mas como uma sobrevivente da mutilação genital feminina”, revelou no concurso, desfiando ao detalhe o processo a que foi sujeita quando tinha apenas sete anos e ao abrigo daquilo que é considerado “uma tradição” e que compromete irremediavelmente a vida, a intimidade e a saúde ginecológica da mulher.
“Sei o que é ter os direitos retirados, sentir-se impotente e ver que a sua voz não importa”, afirmou Zainab Jama, visivelmente emocionada. De voz embargada, revelou que era ainda criança quando foi agarrada e levada para ser sujeita ao procedimento. “Estava na rua a brincar com os meus amigos. Quando me agarraram, as minhas roupas foram arrancadas e fui levada para uma sala onde três mulheres esperavam por mim com lâminas, tesouras e ferramentas velhas”, recorda no testemunho que pode ver em inglês no vídeo abaixo.
Mulheres que, como explicou Jana, “não eram médicas, nem tinham formação médica, apenas tradição passada de geração em geração”, mas procederam a uma operação sem qualquer anestesia.
“Lembro-me de chorar e de implorar, mas a mulher dizia-me para ficar quieta, ser corajosa e ter orgulho, porque isso fazia parte da nossa tradição. Depois de o corte ser feito, a minha pele [da vagina] foi costurada novamente com linha grossa, deixando apenas uma pequena parte do buraco, apenas o suficiente para a passagem de urina ou sangue. Esse processo é chama-se infibulação." Um dos procedimentos mais agressivos da mutilação genital feminina e que se caracteriza pelo estreitamento da abertura vaginal, reposicionando, após o corte, os pequenos lábios ou grandes lábios, podendo haver lugar remoção ou não do clitóris e glande. Um testemunho de uma prática que, em Portugal e não só, é considerada crime e cuja identificação tem vindo a crescer em território nacional.
De volta a Jana, a Miss Somália, que fundou também a plataforma Female Initiative Foundation, quer levar esta causa a este palco mundial: “Estou aqui hoje, não apenas como uma voz para os que não têm voz, mas como uma sobrevivente da mutilação genital feminina.” A final do concurso Miss Mundo vai acontecer no sábado, 31 de maio, na Índia.
Número de deteções aumenta de ano para ano, em Portugal
Em Portugal, são detetados cada vez mais casos de mutilação genital feminina: só em 2024 foram sinalizadas 254 vítimas a prática deste crime, um aumento de cerca de 14% face a 2023, mantendo-se a tendência crescente verificada desde 2021, revela um novo relatório da Direção-Geral da Saúde (DGS), em fevereiro deste ano.
As situações dizem respeito a mulheres que residem em Portugal, a grande maioria (70,9%) vítimas de excisões ainda em criança, até aos nove anos de idade. E a prática foi identificada quando tinham, em média, 30 anos. Continuam a ser principalmente realizados na Guiné-Bissau (65,4%) e na Guiné Conacri (26,4%), em linha com o predomínio destas comunidades imigrantes em Portugal e a prevalência estimada da prática nesses países, sublinha a DGS. Nenhum dos casos foi praticado em Portugal.