A portuguesa Ester Alves conta os primeiros dias da Maratona das Areias, no Saara. Esta manhã de quarta-feira arrancou a maior etapa: 90 kms que se podem estender quinta-feira dentro para muitos.
Corpo do artigo
A etapa desta terça-feira foi de 34 kms sob 45°C, depois de uma noite de tempestades de areia que ameaçaram levantar toda a tenda. O descanso foi pouco. Foi de grande sofrimento para todos. Até porque temos durante o dia seis litros de água, o que é pouquíssimo. Nos abastecimentos, ao receber a água, deixava-a na boca e fechava dois segundos os olhos a saboreá-la.
Estou a escrever isto e a pensar como sabe bem a água fresca...
Dois portugueses desistiram na segunda-feira de noite e continuam a desistir atletas todos os dias. Até esta quarta-feira de manhã eram já mais de cem os desistentes entre os cerca de 1100 corredores que partiram. As condições são duríssimas, entre temperatura, bolhas nos pés, desidratações graves.
Tenho estado a gerir muito bem cada uma das etapas para esta quarta-feira fazer a maior de todas - 90 kms - sem erros nem vacilações.
Já digo ao corpo para não ouvir as informações do cérebro relacionadas com dor. Obrigo-me a ignorar sempre que o cérebro me informa que alguma parte do corpo está a sofrer... assim será: 90 kms de luta a ignorar sensações de desconforto, dor, sede e fome....
A primeira etapa, no domingo, foi muito exigente: 38 kms sob 40°C a alternar entre plano, pedras e dunas. Um choque para todos, pois o peso da mochila deixa em choque qualquer pessoa que deseja acelerar. No final, tivemos de gerir bem a comida, pois as calorias são controladas pela organização todos os dias.
A terça-feira - 31 kms - foi de montanha. Já consegui aceitar melhor a dor da mochila nos ombros. Sei por experiência que o primeiro dia de uma prova por etapas é sempre de choque e que, nos seguintes, o corpo já aceita melhor o esforço. Sinto-me uma felizarda por não ter problemas de pés quando mais de 40 pessoas já desistiram por isso.
Almocei amêndoas e esperei ansiosamente pelo jantar (comida desidratada com sabor a massa), enquanto assistia a duas tempestades de areia muito fortes e muito dramáticas que demoraram mais de 20 minutos. O vento só abrandou às 20 horas, quando já era suposto estarmos a dormir: nem sequer tínhamos acendido as fogueiras para jantar...
(Nota da Redação: Numa altura em que alguns atletas já concluíram os 90 kms, somam-se já 258 (23%) as desistências da prova, tida como uma das mais duras do Mundo. Ester segue atualmente em sétimo lugar feminino e segunda do escalão).