Clube teve viagem agitada a Itália, depois de ter sido burlado. Superação terminou em glória.
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Uma das páginas mais douradas dos 67 anos de história do AD Valongo teve várias peripécias que chegaram a pôr em risco a viagem da equipa até Itália, onde venceu a Taça Continental diante do Trissino (2-1), em Fallónica. O clube foi burlado por um intermediário, perdeu 12 mil euros e teve de improvisar para fazer uma longa viagem de avião e carro, antes de se apresentar no pavilhão, onde chegou duas horas antes do jogo da meia-final com Calafell (3-2).
Segundo relatou ao JN o presidente José Dias, o clube planeou uma viagem de avião do Porto para Roma, com partida na sexta-feira da semana passada, marcada através de um intermediário de uma agência de viagens, que era de "confiança" de um membro da Direção. Entre a deslocação e o hotel, o custo total rondava os 12 mil euros. O problema é que a pessoa em causa nunca apareceu com os bilhetes, não atendia o telemóvel e o Valongo ficou sem a viagem e sem o dinheiro. "Estas pessoas deviam era estar na cadeia. Tivemos de dividir a equipa em dois grupos e levá-los de carro até Madrid para depois apanhar um voo para Roma e ainda fazer mais 255 quilómetros até Fallónica em carrinhas alugadas. No total, esta deslocação ficou por 25 mil euros [já com o montante da burla]", destacou o presidente.
Este contratempo afetou a condição física dos jogadores, como explicou João Almeida, preparador físico da equipa, mas "o aspeto mental sobressaiu a todo o cansaço". "O nível de stress foi impactante, mas deu-nos uma força extra para reverter a maré de azares", revelou o avançado Rafael Bessa. "Foi difícil, mas como equipa unimo-nos e ficámos mais fortes", acrescentou o universal Carlos Ramos.
A conquista da Taça Continental, com cinco jogadores da formação num plantel de 11, não só teve um sabor especial pelos contratempos da viagem, mas também representou muito pela diferença entre os clubes. "O orçamento do Valongo é de cerca de 300 mil euros e o dos três grandes em Portugal é de dois milhões, valor que é superior se falarmos nas equipas estrangeiras. Só valoriza mais o nosso trabalho", revelou José Dias.
Em 67 anos, já com um título de campeão nacional no currículo (2013/14), o Valongo vai percorrendo a passos largos um percurso dourado no hóquei em patins nacional e internacional. Nos 17 títulos conquistados, nove são dos escalões de formação, o que demonstra como o clube é uma máquina de talentos.
Paixão pela baliza fortalece a relação entre pai e filho
Depois de mais de uma década em destaque nas balizas de hóquei em patins do F. C. Porto e da seleção espanhola, Edo Bosch está agora a ter a primeira experiência como treinador principal no AD Valongo. O filho Xano faz parte do plantel, também ele guarda-redes, que quer seguir as pisadas gloriosas do pai. Os dois revelam que é difícil separar o lado familiar da vertente desportiva, mas até conseguem fazê-lo.
"Não é fácil treinar o meu filho. Estabelecemos regras para não falarmos muito em casa sobre hóquei, porque podia ser saturante ter o pai treinador em casa e fora de casa. É importante ele perceber que em campo sou o treinador e em casa sou o pai. É lógico que dou alguns conselhos, mas nada longo. De momento, acho que está a correr bem", revelou o treinador Edo Bosch.
Xano levou tempo até conseguir encontrar um equilíbrio entre a relação pai e treinador. "Ele sempre foi o meu exemplo e desde cedo que tentámos separar o treino e a vida de casa, mas nem sempre é fácil. Custa, mas tem de ser. Leva tempo a separar o lado emocional do lado do jogo, às vezes é normal que algumas coisas do treino passem para casa, mas sei que ele só quer o melhor de mim", disse.
O guarda-redes revelou ainda que não consegue abordar o progenitor pelo nome próprio, como os outros jogadores - chama-lhe pai -, o que o treinador espanhol, de 47 anos, até considera ser uma situação divertida. Ter o pai como treinador motiva algumas brincadeiras, algo que Xano considera ser a imagem da boa disposição no clube. "Quando o chamo eles dizem "ele não é teu pai, aqui é teu treinador". Às vezes até chamo o adjunto para não ter de falar com o meu pai [risos]". Edo Bosch conta que quando está descontente incha as narinas. "Houve um treino que correu mal e a equipa disse ao Xano para não ir dormir a casa", adiantou, rindo.
Em casa de joelhos a rezar a Nossa Senhora de Fátima
José Silva tem uma ligação umbilical com o AD Valongo. É o mecânico da equipa, trabalha há mais de 20 anos no clube e sofreu a bom sofrer com a conquista da Taça Continental frente ao Trissino (2-1), porque ficou em Portugal e isso obrigou-o a torcer à distância. Durante o jogo, esteve a rezar em casa, frente a uma imagem de Nossa Senhora de Fátima, para que a equipa conseguisse erguer o troféu.
O sofrimento era tanto que José Silva, de 58 anos, admitiu ao JN que não conseguiu assistir à final. "Estarmos longe ainda nos faz sofrer mais. Não consegui ver o jogo, quando começou o meu coração bateu muito forte e desisti", explicou o mecânico. Foi aí que aliou, mais uma vez, a fé ao desporto. "Estive de joelhos, ao sol, à frente de uma estátua de Nossa Senhora de Fátima, em minha casa, a pedir a vitória do Valongo. Pedi para me dar essa alegria. Só soube do resultado, porque ia perguntando a um vizinho. Acho que este clube já merecia um triunfo destes", explicou. Esta não foi a primeira vez que José Silva rezou pelo AD Valongo. Em maio, quando a equipa disputou a final da Liga Europeia frente ao Trissino, o mecânico também recorreu à fé para ser brindado pela vitória. Mas tal não resultou. "Desta vez, Deus esteve com a equipa", lembrou o mecânico.
José Silva destacou que respeita muita a ligação entre a religião e o desporto, revelando que anda sempre com uma imagem de Santa Rita na mala dos equipamentos. "Um dos jogadores pediu-me a imagem para levar com ele a Itália e dar-lhe sorte", acrescentou. Dentro das instalações do clube, na zona onde trabalha nos patins e lava os equipamentos, local a que chama de "gabinete", tem várias figuras religiosas. O mesmo acontece no balneário da equipa para passar aos atletas a fé que lhe move.
Sonhos de criança alcançados na idade adulta
Horas de treino culminaram na vitória da Taça Continental, mas para Carlos Ramos e Rafael Bessa o percurso no AD Valongo já advém de muitos anos. A dupla foi formada no clube e compete junta há mais de uma década, o que personifica o espírito valonguense. O triunfo na competição europeia significou, nas palavras dos protagonistas, escrever um pedaço muito importante de história.
Rafael Bessa está no AD Valongo desde os sub-11. "O que distingue a formação é a união que há entre jogadores", destacou. "Não só porque alguns de nós já jogamos juntos há muitos anos, mas também pelo facto de só termos um pavilhão. Isto faz com que haja uma maior interação entre as equipas dos vários escalões e os atletas percebam o que é o espírito do AD Valongo". Para Carlos Ramos, a relação dos treinadores com a equipa é "o mais importante, assim como a cumplicidade entre todos".
Conquistar um título era um sonho com quase dez anos, mas realizou-se no fim de semana passado. "Lembro-me quando tinha 13 anos, vim ver o jogo em que o Valongo se sagrou campeão nacional de seniores e olhei para essa partida como algo que eu queria atingir", revelou o avançado Rafael Bessa.</p>
Nuno Santos é o capitão de equipa e reconhece que a conquista da Taça Continental "representa muito para o clube", mas nem tudo foi fácil, sobretudo pelos contratempos da viagem para Itália. "A nível de descanso e preparação física a deslocação teve muito impacto. Mas foi, por isso mesmo, que conseguimos ir buscar forças extra". Com uma viagem complicada, as adversidades apareceram mas o espírito de união que caracteriza estes jovens falou mais alto. A equipa tem uma média de idades de 23 anos o que prova que para ter sucesso nem sempre é preciso ter uma equipa experiente.