André Silva vive a pandemia como emigrante na Alemanha, onde se adapta à nova realidade do futebol. Sem lamentos.
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Poucas horas depois de ter feito o último jogo do atípico ano de 2020, pelo Eintracht Frankfurt, na Alemanha, André Silva atendeu o telefonema do JN. Tinha posto uma máquina a lavar e antecipou o pedido de desculpa por um eventual ruído que pudesse provocar na ligação. Enquanto nos falava, assistia a mais um jogo do ídolo Cristiano Ronaldo. E claro que CR7 veio à baila, bem como Lewandowski ou Diogo Jota. Mas a conversa foi muito para lá do futebol.
Nas últimas quatro épocas jogou em três campeonatos diferentes, todos eles pertencentes ao chamado "big five". Itália, Espanha ou Alemanha, quem tem o melhor campeonato?
Não há um melhor do que o outro, mas são todos diferentes e cabe a cada um decidir aquele em que consegue desfrutar mais. No meu caso, como estou na Bundesliga e já estou mais experiente, maduro e estável, as coisas estão a correr melhor, mas isso não quer dizer que se, nesta altura, estivesse noutro campeonato as coisas não corressem tão bem ou melhor.
Para completar o "big five" fica a faltar Inglaterra e França. Também gostaria de experimentar essas duas ligas?
Nunca se sabe como as coisas poderão acontecer. Quando saí do F. C. Porto não imaginava jogar em Itália, não estava nos meus projetos. Também nunca me tinha passado pela cabeça jogar na Alemanha. As coisas aconteceram assim. Mas quem sabe se um dia não estarei numa dessas competições.
Aprenderia mais algumas línguas...
Seria uma boa experiência, mas não sei se a nível de estabilidade para a carreira seria bom.
Já fala alemão?
Entendo algumas coisas, falo o mínimo. Não está a ser tão fácil de aprender como foi o espanhol e o italiano.
O que o faria voltar a jogar em Portugal?
Neste momento não está nos planos. Mas seria bom que a liga portuguesa se tornasse numa das principais da Europa, como as que falámos, com mais qualidade de jogo e organização.
Jogou nos principais clubes do Porto, mas já são quase quatro anos a viver fora do país. Sente saudades da cidade?
Sempre fui uma pessoa muito chegada à família e a casa. Sempre que posso dou lá um salto. Gosto de estar por perto de onde me sinto melhor, onde consigo relaxar dos problemas do futebol. Bem, não são bem problemas, são coisas que ficam na cabeça.
Viveu em Milão, Sevilha e, agora, Frankfurt. Encontrou esse conforto em alguma dessas cidades?
Sair fora da zona de conforto faz-nos crescer. Viver noutros sítios é positivo, traz coisas boas. Mas é claro que o Porto é sempre o Porto, não tem comparação possível.
Como lida com o papel de emigrante?
Nos primeiros tempos foi difícil. Agora estou habituado e é uma experiência que me faz crescer.
Foi difícil viver o período de confinamento, quando o futebol parou, afastado de Portugal?
Tive aqui a minha mãe comigo e isso foi muito importante. Custou estar longe de casa, mas vi tanta gente que ficou tão mal com a pandemia que não me posso queixar.
Depois o futebol voltou, mas sem público. A adaptação a essa realidade foi difícil?
Claro que prefiro jogar com público, mas tem de ser assim. Há pessoas a passar por situações bem piores e mais preocupantes. Eu consigo fazer o meu trabalho, mas é importante percebermos que há outras pessoas que ficaram sem trabalho devido à pandemia. Nós, futebolistas, devemos estar agradecidos por podermos jogar.
Nota-se que tem uma preocupação genuína pelas pessoas afetadas pela pandemia e até ofereceu, com outros futebolistas da empresa Gestifute, 150 mil máscaras ao Hospital de Santo António, do Porto...
Claro que toda esta situação mexeu comigo e tentei ajudar.
Este ano também ficou marcado por uma grande discussão em torno do racismo no futebol. Houve o caso do Marega, o do PSG-Basaksehir... A luta contra o racismo é uma luta de todos os futebolistas?
É uma luta de toda a sociedade, de todo o Mundo. Os futebolistas são importantes nestas campanhas, porque somos exemplos para muitos e temos muita visibilidade. É preciso dar um soco na educação, porque ninguém nasce racista. É preciso haver bom senso. Basta ter dois dedos de testa para perceber que somos todos iguais.
Ficou de fora das opções para o Euro 2016 e, depois, estava bem colocado para ir ao Euro 2020, mas esse campeonato foi adiado para 2021 devido à pandemia. Sente que deve a si próprio, e aos portugueses, uma presença nessa competição?
Só sinto que devo fazer o meu melhor pelo clube e seleção. Tento fazer o meu melhor para ser uma referência nas escolhas.
Portugal tem agora mais goleadores do que nunca. Além de Cristiano Ronaldo, há, por exemplo, João Félix e Diogo Jota. Com este último jogou no F. C. Porto. Surpreendeu-o a ascensão que teve ao chegar agora ao Liverpool?
Sempre foi alguém com quem gostei de jogar e que tem muita qualidade. Já o conhecia, sabia do que era capaz. Dou-lhe os parabéns e desejo-lhe a melhor sorte do Mundo.
E também temos o André, que anda a lutar pelo título de melhor marcador da Bundesliga, desde a retoma da época passada, com Lewandowski e, esta época, também com Haaland. Essa competição torna-o melhor jogador?
Quanto mais competição tivermos à nossa volta, mais evoluímos. Esses dois de que fala estão em grandes equipas, é difícil superá-los, eles têm imensas oportunidades por jogo. Mas tornam-me mais focado.
Lewandowski, Cristiano Ronaldo ou outro: quem foi o melhor jogador de 2020?
Lewandowski foi considerado o melhor e eu acho que fez um bom trabalho, mas sou suspeito para responder a essa pergunta, porque desde sempre gosto de ver o Cristiano Ronaldo a jogar.
Mantém o desejo de ser uma referência da história do futebol?
Essa é uma vontade e um desejo meu e vou fazer por isso. Acho que, mais cedo ou mais tarde, o caminho certo vai aparecer.
Gosta do Natal?
Sempre foi um dia que gostei muito. É um motivo para estar com a família, é uma tradição boa.