Depois de um percurso no futebol português, de experiências na Roménia, na Arábia Saudita e em Chipre, António Conceição abraça o maior desafio da carreira. Aos 57 anos, é o novo selecionador dos Camarões, uma das grandes seleções do continente africano, e estreia-se precisamente hoje diante da Tunísia. Tem em mãos três objetivos: ganhar a Taça de África das Nações e ir ao Mundial. O outro objetivo é um dia treinar o clube do coração, o Braga.
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Esta é a primeira experiência como selecionador. Como se faz a transição de treinador de um clube para selecionador?
É diferente. A gestão é feita de uma forma faseada. Os treinadores de seleção não têm muito tempo para trabalhar os jogadores. Em termos de trabalho efetivo ele não existe. Tenho de ser forte na prospeção de novos jogadores e na observação. E sobretudo estar dentro de todos os fatores.
Que tipo de selecionador é que vai ser?
Quero ser aquele que ganha muitos jogos. Já tive uma experiência como selecionador, mas a nível jovem. Trabalhei durante 12 anos na Associação de Futebol de Braga. Tive de planear, organizar, observar e treinar. Obviamente que era uma dimensão diferente. Vou, possivelmente, treinar uma das melhores seleções do continente africano. Com jogadores que jogam em bons campeonatos europeus. Terei de apelar ao sentimento dos jogadores.
Irá fazê-lo em francês?
Percebo francês e vou procurar adquirir esse conhecimento para ter um discurso mais fluido e falar à vontade com os jogadores. Vou ter na equipa técnica quem fale muito bem francês. Tive esse cuidado.
A família vai consigo?
A família fica. A minha mulher tem duas lojas e não se pode ausentar. Vão querer visitar-me, mas é complicado. São oito horas de viagem.
A estreia é contra a Tunísia.
Baseei-me na CAN para fazer a primeira convocatória. A partir do momento que existiu a possibilidade de ser treinador dos Camarões identifiquei-me melhor com o processo. E então elegi 17 jogadores que estiveram na CAN. O primeiro jogo é para me identificar com os jogadores.
O Aboubakar ficou de fora. O que sabe do boletim clínico?
O espaço da seleção está aberto para toda a gente. Na altura da convocatória não tinha conhecimento do boletim dele. Agora já sei que ele está a fazer treino normal. Será obviamente um jogador convocável para futuras escolhas.
Falou com Sérgio Conceição sobre isso?
Não. Eventualmente, na próxima convocatória, alguém da federação irá informar-me se ele está apto para ser convocado. A partir dessa circunstância será seguido o procedimento normal.
Pensa em levar os Camarões ao Mundial?
Primeiro temos o objetivo de ganhar a CAN, pois vai ser realizada nos Camarões. Depois, sim, se tudo correr dentro da normalidade, vamos procurar qualificar a equipa para o Mundial.
Falar dos Camarões é falar de Roger Milla e Samuel Eto"o.
Há jogadores de grande capacidade espalhados pelo Mundo. E são eles que podem fazer com que esta seja uma seleção forte. Depois vou procurar que haja um tal jogador, ao nível do Milla e Samuel Eto"o. Uma referência de equipa.
Como Ronaldo em Portugal...
Sim, isso mesmo. Na seleção sub-17 também há uma fornada interessante.
Como se lida com a habitual desorganização africana?
A seguir ao amigável com a Tunísia vamos fazer um trabalho muito sério com os jogadores. Criar condições para que representar a seleção seja apelativo.
O tal amor à camisola.
Sim. Um jogador tem de vir à seleção com orgulho e sentimento. A seleção dos Camarões é o ícone do povo camaronês. Para eles a seleção é como o exército do país. E é com este sentimento que quero os jogadores. O sentimento do povo. Se não for assim, prefiro que não venham.
Para além de Portugal, já treinou na Roménia, Arábia Saudita e Chipre. Viveu situações caricatas?
Costumo dizer que tudo o que se passa nos clubes fica lá. Na Roménia foi a universidade do futebol. Tive de puxar pela imaginação. Estimular os meus sentimentos no sentido de ser frio e não agir por impulso. Lidei com pessoas que pisavam o espaço do treinador e com alguns jogadores que não estão habituados a ser profissionais. Muitos fatores que me obrigaram a ter calma e ser lúcido na forma como abordar as situações.
Como vê a crise do Sporting?
Os exemplos têm de vir de cima para baixo. Uma equipa tem de ser gerida de cima para baixo. Quando vi que este presidente entrou no Sporting, sinceramente senti que podia tomar um rumo diferente para melhor. Não quero dizer que está num rumo pior. Estou a dizer que a gestão do ponto de vista desportivo devia ser feita de uma forma mais cuidada. E parece-me que o planeamento para esta época falhou em muita coisa. Mas falta-me saber pormenores que eu não tenho conhecimento. Portanto, não quero estar a fazer julgamentos à distância.
O que acha de um treinador sem nível IV estar a treinar um grande?
Pois... Há uma legislação para isso. Para se sentar num banco e exercer as suas funções com inteira responsabilidade numa primeira liga é necessário nível IV. Como sempre acontece em Portugal, há uma forma de contornar a lei. E os clubes têm procurado isso. Não estou aqui a atribuir responsabilidades a colegas meus. Estou sim a dizer claramente que quem tem contornado as leis são os clubes. Aqui há uma responsabilidade. E os clubes têm furado essa regra. Nunca vi um médico exercer a função de médico sem ter o diploma de Medicina. Perante isso, acho que está tudo dito.
Já lá vão longe os tempos em que jogou no Braga. Sonha treinar a equipa principal?
Já treinei praticamente todos os escalões da formação. A minha relação com o Braga não é de 15 ou 20 anos. É de uma vida inteira.
É do Braga desde pequenino?
Sim. O meu pai também era adepto fervoroso do Braga e começou-me a levar ao futebol quando eu tinha seis anos. Estou sempre ligado de forma sentimental. Treinar o Braga foi uma possibilidade que já esteve para acontecer. E foi efetiva. Mas não se concretizou por questões de princípio. Tive um convite para substituir o Jorge Costa, mas estava a trabalhar e não quis abandonar o clube onde estava. Também já estive na segunda equipa do Braga, mas decidi sair.
Não se arrepende?
Não. Se um dia tiver de acontecer e for convidado para treinar o Braga, será com todo o gosto. Treinar o Braga não é um sonho, mas um objetivo. É um objetivo que tenho. Mas não depende só de mim.
O Braga pode ser campeão antes do centenário?
Já esteve quase. Gostaria, como adepto e sócio, de ver o Braga campeão. Não sei se será antes do centenário. Mas gostaria de ver. Acho que está mais próximo de conseguir esse objetivo. Mas falta qualquer coisa. Mas isso será a administração que terá de encontrar a fórmula vencedora. Há dois grandes que são sempre candidatos crónicos.
Por falar em grandes, sente que o facto de ser selecionador dos Camarões lhe pode abrir outras portas?
Nem pensei nisso. Não é uma obsessão, para mim, treinar um clube grande em Portugal. Se seria um prazer? Seria. Mas não é obsessão. Se me perguntar se preferia treinar um grande ou o Braga, respondia já que preferia o Braga. Digo isto com convicção. Claro que treinar um grande e ser selecionador é o auge. Mas não tenho isso como obsessão.
Foi melhor jogador ou treinador?
Enquanto jogador fiz aquilo que foi possível. Joguei muitos anos na Liga, ajudei algumas equipas a subir, como o Vizela, e atingi o topo ao chegar ao F. C. Porto e à seleção. Às vezes dou comigo a pensar que poderia ter sido melhor jogador. Com tudo aquilo que os jogadores hoje em dia têm à sua frente para desenvolver a prática do futebol. Enquanto treinador, aquilo que me norteia no futebol não são questões financeiras. Sinto gosto pelo treino, pela preparação das equipas e pelos problemas que os jogos colocam.
CV: António Conceição
Data de nascimento: 57 anos (06/12/1961)
Nacionalidade: portuguesa
Cargo: treinador
Clube: seleção dos Camarões
Títulos: dois campeonatos romenos (Cluj), uma Supertaça (Cluj), três Taças da Roménia (Cluj) e duas vezes campeão da 2.a Liga (Trofense e Moreirense)