Gemeses, 13 de janeiro. O sino dá cinco badaladas e a noite começa a cair. Nesta pacata freguesia do concelho de Esposende, com mil e poucos habitantes, a impaciência e tristeza pairam no ar.
Corpo do artigo
11700609
Pelo menos desde que as más notícias chegaram. Era domingo, o segundo de 2020, e José ligou o aparelho de rádio, como costume, pelas nove da manhã. O que esperava ouvir era o programa de uma hora, com as notícias. Mas desta vez foi diferente. "Pensei que estava a ter um sonho. Ou melhor, um pesadelo", disse. Ainda está por contar a quantidade de chamadas telefónicas que fez após aquele momento. Uns estavam a saber pela primeira vez. Os outros, confirmavam que ouviram o mesmo: Paulo Gonçalves tinha falecido na sétima etapa do Dakar 2020.
Naquela manhã, Gemeses perdeu um dos filhos da terra. Mas houve quem tivesse perdido mais. Patrick Dias, 41 anos, anda, por estes dias, de semblante trancado. Entre tardes bem passadas a jogar às cartas, encontros regulares para beber uma "fresca" e viagens de férias partilhadas, Patrick e Paulinho foram-se conhecendo, trocando peripécias e construindo uma amizade mais forte do que alguns laços de sangue. No escritório da empresa, que de bom grado mostrou ao JN, Patrick guarda duas camisolas e um chapéu do "Speedy Gonçalves".
Mas é no telemóvel que preserva a última recordação. "Oh Patrick vê lá se lhe dizes que aqui [Arábia Saudita] o telemóvel não funciona da melhor maneira", dizia, no sábado, Paulo Gonçalves num áudio enviado para o amigo. "Se ele não conseguir instalar a aplicação só mesmo através de sinais de fumo é que nos podemos encontrar", continuava o piloto da Hero. E ao som da voz de Paulinho, as memórias voltavam a fluir. "Ele esteve a beber uma cerveja comigo antes de partir para o rali. Tenho a certeza que desta vez ele não queria ir. Mas a paixão foi mais forte. Era a humildade em pessoa", confidenciou Patrick.
Determinado, confiante e lutador. É assim que o baixinho de Esposende é relembrado. O "Anti-Herói" há muito que reservou um lugar na história do desporto português e, em Esposende, o presidente da Câmara, Benjamim Pereira, já garantiu que o seu nome será perpetuado. "Pode ser uma rua, uma avenida, um pavilhão ou uma estátua. O nome dele será eternizado".
"Quando soube não queria acreditar. Era uma pessoa afável e sempre disposta a ajudar. Gemeses vai sentir falta de um ídolo da terra".
"Tive o prazer de partilhar a infância com ele. Era um miúdo traquina e sempre bem disposto. É assim que o vou recordar".
"Em criança adorava ir para os "matalhões" ao pé do rio e fazia motocross à maneira dele. Era um ser humano fantástico, como havia poucos".