Aos 78 anos, Ron Hill foi obrigado a terminar a carreira no atletismo. Por mais de 52 anos deu corda às sapatilhas todos os dias.
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Participou nas edições de 1964, 1968 e 1972 dos Jogos Olímpicos, ganhou algumas das 115 maratonas em que participou - entre as quais a histórica Maratona de Boston -, foi o segundo a nível mundial a baixar das 2.10:00 horas nessa especialidade, ganhou um Campeonato da Europa e até foi reconhecido como cavaleiro da Ordem do Império Britânico. Mas, no meio de todo este palmarés, não é descabido pensar que o maior feito da carreira e - porque não - da vida de Ron Hill não seja qualquer um desses.
Recuemos até 20 de dezembro de 1964. Nesse dia, este inglês nativo de Accrington, que há muito já massacrava o alcatrão e as pistas de tartan, deprimia com os resultados. E um 19.º lugar na Maratona de Tóquio foi a gota de água. Vai daí, decidiu que era chegada a altura de treinar mais e abdicar das folgas. No sentido mais literal possível.
Sim, é verdade. Durante 52 anos e 39 dias, Ron Hill, nascido em 1938, correu todos os dias, nem que fosse um singelo quilómetro só para manter viva a promessa. Fizesse sol ou chuva, calor ou frio, estivesse doente ou saudável, lesionado ou não, natais, aniversários... Nada o parava. Nem sequer um acidente de trânsito, que lhe provocou uma fratura nas costelas, serviu de desculpa para calar o apelo da corrida. Ou, no caso, do passo acelerado.
"Nesse dia tive sorte porque antes de um camião bater no meu carro, já tinha corrido. O pior foi no dia seguinte. Só um descuido da minha família, que me deixou sozinho, permitiu que eu pegasse nas muletas e saísse do hospital para cumprir o plano. Menos mal que o acidente não me afetou as pernas", referiu Ron Hill, recordando aquele episódio de 1993, "o momento mais difícil da carreira".
E se nem um acidente e uma fratura o pararam, então está bom de ver que só um motivo de vida ou morte o faria desistir. Até que ele chegou, por fim, dava janeiro os últimos respiros em 2017. A culpa? Do motor humano, a pedir tréguas. Era o atletismo ou a vida. "No dia 28, antes de completar 400 metros, o coração começou a doer-me e a dor foi-se intensificando. Percebi que se continuasse podia morrer". Assim reza o epílogo da odisseia de Ron Hill, qual Homero dos tempos modernos. Para trás, ficaram 19 032 dias que passaram, literalmente, a correr. O coração, esse sacana...