"Acho que só longe do conforto é que sinto mesmo bater o coração", confessa a atleta e investigadora de 41 anos, ciente de que o objetivo a que se propõe é gigante.
Corpo do artigo
A Maratona das Areias, no Saara marroquino, "é a maior e a mais exigente prova por etapas do Mundo". Soma 250 km ao longo de sete dias em autosuficiência alimentar e acontece já a partir de 21 de abril. E a portuguesa Ester Alves é uma entre os cerca de 1200 inscritos, numa 37ª edição que já conta com recordes: 21,5% dos participantes são mulheres.
"Atleta desde sempre" e investigadora na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, aos 41 anos, Ester Alves já soma algumas provas extremas no currículo, depois de uma passagem, pelo ciclismo, integrando a seleção nacional. Desde 2012, a vida é a correr. Pirinéus, Alpes, Andes e Himalaias já foram calcorreados. A Costa Rica também. Agora, quer desafiar-se na Maratona das Areias, considerada uma das provas mais difíceis do Mundo.
"Podia dizer que a dificuldade da prova está relacionada com o terreno (grandes dunas e 250km de areia sob o calor seco do deserto), mas, na realidade, o verdadeiro desafio está na gestão de energia", explica a corredora. Porque cada um carrega toda a alimentação para sete dias, numa pequena mochila que transportam ao longo de mais de uma maratona por dia. "Quanto maior for a nossa economia e adaptação ao calor, mais eficiente e bem-sucedida pode ser a nossa prova", diz.
Desde que existe, a Maratona das Areias já atraiu mais de 22 mil participantes, dos 16 aos 83 anos, a correr ou a caminhar: ou, em 90% dos casos, a alternar corrida e caminhada. Segundo a organização, o ritmo mais lento registado foi de 3 km/h - o mais rápido atingiu os 14 km/h.
Ainda sem pensar em ritmos, Ester Alves concentra as últimas semanas na preparação logística. Porque a preparação física e mental, essa, precisa de anos.
"Todo o material deve pesar entre 6,5 kg e 15 kg, excluindo o abastecimento de água diário" e tudo isso é cuidadosamente medido e pesado nos controlos técnicos. Como a prova se estende por sete dias, o cálculo de calorias (também controlado) da alimentação que se leva deve ser de cerca de 2000 diárias, num total de 14 mil.
Além do que se come, há toda uma parafernália de equipamento que não pode falhar. Da mochila ao saco-cama, da lanterna à bússola, do isqueiro à faca com lâmina de metal, da bomba antiveneno ao espelho de sinalização, do simples protetor solar ao dinheiro para pagar o transporte em caso de desistência.
Para poupar no peso, a roupa para sete dias é sempre a mesma. "Disse várias vezes que não voltaria ao deserto... Mas acho que só longe do conforto é que sinto mesmo bater o coração", admite Ester Alves, que se diz "viciada em desafios extremos".
"Não é num só ano nem em dois que nos preparamos para algo tão exigente, contando com a privação de alimentos e de conforto", explica. O controlo de peso, o trabalho de força e um volume de corrida adequado são essenciais "ao longo de vários anos", diz a atleta, que também avalia e prepara outros corredores.
"Para a Maratona das Areias dei bastante importância ao trabalho de força, pois a progressão neste tipo de terreno pode ser muito lenta e até frustrante. O nosso corpo deve estar preparado para suportar muitas horas em esforço sem perder demasiados sais minerais e sem grandes desequilíbrios internos." O segredo? "A resiliência".
A ideia desta prova radical nasceu na mente do francês Patrick Bauer, que se lançou sozinho no projeto Sahara1984. Tinha 28 anos, uma mochila de 35 kg e um percurso de 350 km traçado no mapa. Terminaria 12 dias depois. Em 1986, lançava a 1ª Maratona das Areias, com 28 participantes.
A 37ª edição será, como sempre, por um percurso diferente, mantido em segredo até à hora da partida. E conta com a presença de duas joelettes (cadeiras de rodas adaptadas à corrida) a transportar Jospeh, de 11 anos, e Enzo, de 14.
Por cá, acompanharemos a evolução de Ester Alves, numa parceria em que a atleta promete contar-nos diariamente as suas etapas.