Federação regista recorde de inscrições mas há que cuidar da formação dos jovens.
Corpo do artigo
O mês de julho abriu com a confirmação do adeus de Portugal ao Mundial de 2023, após a derrota tangencial na Hungria (69-68). Apesar do desfecho, o selecionador nacional, Mário Gomes, elogiava o facto de a seleção começar a ser capaz de "competir com equipas que estão muito acima no ranking", mas isso não apaga que já lá vão onze anos desde a última presença portuguesa na fase final de uma grande competição de basquetebol, o Eurobasket da Lituânia.
Isso contrasta com os feitos recentes que clubes e seleções de modalidades de pavilhão como o andebol, o voleibol ou o futsal vêm alcançando. Ainda assim, sentem-se ares de mudança no basquetebol português. Os dados oficiais da federação mostram que desde 2004 não havia tantos atletas inscritos, num total de 26 363, número recorde que não reflete as parcerias com o desporto escolar e que dá seguimento a uma trajetória ascendente que só a pandemia travou.
"O basquetebol está consideravelmente melhor quanto às condições financeiras e organizativas", acrescenta José Ricardo, treinador e coordenador da formação do C. D. Póvoa, mas ainda é necessário percorrer um longo caminho para que Portugal se consiga aproximar dos países mais desenvolvidos na modalidade. "O investimento tem de ser outro, sendo que as diferenças no basquetebol são imensamente superiores às das outras modalidades de pavilhão", precisa.
Isso também se reflete nos horizontes dos próprios atletas. Aluno do curso de Gestão, Gustavo Teixeira, base da Ovarense que é internacional jovem por Portugal, continua a ter na carreira desportiva o plano A mas, à semelhança de muitos colegas, que "sabem que não vão conseguir fazer do basquetebol uma profissão para ganhar muito dinheiro", não descurou os estudos.
Sendo importante, a vertente financeira não explica tudo. "Cuidamos muito pouco da formação dos nossos jogadores, do ponto de vista da qualidade dos treinadores, dos horários e das condições em que os jovens treinam", aponta José Ricardo. Uma maior ligação com as escolas, "como se faz nos países desenvolvidos", permitiria aos atletas ter "treinadores com outra formação académica e melhores condições, e uma melhor compatibilidade de horários entre o desporto e os estudos", sugere.
Há, no entanto, sinais positivos que permitem encarar o futuro com otimismo. Entre eles a conquista da divisão B europeia de sub-20, em 2019, para a qual contribuiu Gustavo Teixeira. "Quando se ganha é sempre bom, dá um pouco de esperança para o futuro", atira o jogador.
Espaço aos portugueses
O espaço reservado ao jogador português nas competições nacionais merece reflexão. Na Liga, é permitida a utilização de cinco estrangeiros, e na Proliga passarão a poder ser utilizados três, assinala José Ricardo, treinador da formação do C.D. Póvoa. "Diz-se que isso joga a favor da meritocracia do jogador português, mas se não criarmos condições para poder jogar, ele não vai ganhar experiência", constata. Gustavo Teixeira, base da Ovarense, aceita que "alguns estrangeiros serão melhores" e que poder "treinar com eles permite aprender mais", mas reforça que "é preciso passar a mesma confiança aos portugueses".
Impacto do "efeito Neemias" pode ajudar a alterar a realidade
Na antestreia do documentário "Neemias Queta: Dream Big", lançado em novembro do ano passado, o selecionador nacional, Mário Gomes, desejava, "como homem do basquetebol", que a chegada do primeiro português à NBA pudesse ter "um impacto muito grande na juventude, para que haja uma adesão maior à modalidade".
Será necessário aguardar algum tempo para se compreender a real dimensão deste "marco importantíssimo", como o define o Diretor Técnico Nacional, Nuno Manaia, poderá vir a ter no desenvolvimento do basquetebol nacional, mas é certo que poucos lhe ficarão indiferentes.
Já há "muita conversa à volta do que o Neemias faz no campeonato mais conhecido do mundo", e essa visibilidade "é fundamental para se poder aumentar o número de praticantes e o interesse pela modalidade" em Portugal, defende o dirigente.
"Ele pode ter um efeito catalisador de tal forma poderoso que poderá ser capaz de alterar a realidade", acrescenta José Ricardo, treinador do C. D. Póvoa, só que isso, por si só, não será suficiente para que a mudança seja efetiva. "Neemias não surgem todos os anos. Os talentos aparecem, mas é preciso que figuras de retaguarda consigam potenciá-los. Temos de aumentar a quantidade de praticantes para encontrar a qualidade", defende o técnico.
O próprio Neemias Queta, em maio deste ano, confessou o desejo de ver a modalidade "continuar a evoluir" em Portugal, "para que seja um dos desportos que marque o país". A escolha dos Sacramento Kings no "draft" do ano passado foi um passo importante nesse sentido. Resta saber potenciar o "efeito Neemias".
Nuno Manaia, diretor técnico nacional: "Estamos a crescer, mas queremos mais"
Por que razão o basquetebol não acompanhou o nível de outras modalidades de pavilhão?
O basquetebol é uma modalidade praticada em todo o mundo ao mais alto nível. Isso torna mais difícil obter esses resultados desportivos, mas não é impossível. No feminino, queremos ir ao Europeu de 2023 e qualificámo-nos para o Campeonato da Europa de 3x3. Temos três seleções jovens na Divisão A dos campeonatos da Europa, quando já nos aconteceu não ter nenhuma. Não estamos numa fase descendente, mas sim ascendente.
Isso sente-se no número de atletas já inscritos?
Temos quase 27 mil federados. É o ano em que temos mais atletas. Não podemos somar os números relacionados com a atividade que as federações fazem com o desporto escolar, mesmo tendo projetos ligados a ele.
O que tem sido feito para alargar essa base?
Em parceria com diversos municípios, a federação está a implementar campos de basquetebol lúdicos. Este ano, vamos ter novamente o circuito nacional de 3x3, no qual queremos superar os dois mil participantes. Temos também relatórios de assistências via TV muito satisfatórios, como nunca tivemos. Estamos a crescer, mas queremos mais.
A presença em grandes competições é fundamental para a evolução do basquetebol no país?
São momentos marcantes. Nos escalões jovens, quando chegámos a uma classificação importante, conseguimos encher pavilhões com quatro mil pessoas. Tenho dúvidas de que isso seja conseguido noutras modalidades, e nós já o fizemos por mais do que uma vez. Ao nível de clubes, esta época tivemos três nas competições europeias masculinas, o que não acontecia há muito tempo, e um nas femininas. Competir internacionalmente é excelente para o desenvolvimento do jogador português.