Clube chega ao Campeonato de Portugal e tem meta a cumprir até 2022.
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A tarefa era árdua, mas não impossível: o Beira-Mar haveria de voltar a competir nos campeonatos nacionais. O objetivo foi traçado quando o clube se viu atirado, há quatro anos, para o escalão mais baixo do futebol, a 2.ª divisão distrital, devido a dificuldades financeiras. No passado dia 25, a meta cumpriu-se: os aurinegros sagraram-se campeões da Divisão de Elite da A. F. Aveiro, ao vencer o Carregosa por 2-1, e vão competir no Campeonato de Portugal. Vinte anos depois de vencerem a Taça de Portugal. Chorou-se, gritou-se de emoção e fez-se a festa, debaixo de chuva, numa cidade pintada a amarelo e preto. Com passos seguros, o Beira-Mar está a subir a pulso e já tem um sonho, assumido pelo presidente, Hugo Coelho: "Estar de regresso ao futebol profissional no ano do centenário do clube, 2022, daqui a três épocas".
Cajó foi o homem que guiou a equipa à vitória. Filho da casa, encabeçou os destinos da equipa sénior na época passada. "O objetivo de subir de divisão foi traçado desde o início. Sentia-me capaz de o fazer. Encontrei um grupo com muita qualidade, mas não muito forte na coesão. Trabalhámos nisso no primeiro ano. Mais importante do que a qualidade individual dos jogadores é ter homens com caráter, que queiram ser melhores todos os dias", realça o treinador, que lidera um plantel eclético, composto tanto por jovens - portugueses e estrangeiros (que estão no clube através de patrocinadores) - como por ex-profissionais, como Artur, Rui Sampaio ou Pedro Moreira, que já jogaram na primeira liga.
Mário Duarte demolido
É no Estádio Mário Duarte que encontramos a equipa a treinar. Um espaço que foi recuperado por voluntários, há quatro anos, e que voltou a aproximar os adeptos ao clube. Desde dezembro de 2017, no entanto, já só é utilizado para treinos e, em breve, vai ser demolido, para dar lugar à ampliação do hospital. O Beira-Mar anseia, agora, pelo complexo desportivo, que será construído, pela câmara, nas imediações do Estádio Municipal de Aveiro, onde joga. "É um passo importante para a nossa estabilidade", sublinha Hugo Coelho. E é na estabilidade do clube - que está a cumprir um plano de recuperação financeira -, que a Direção trabalha. "Vamos só até onde podemos. E é isso que nos tem permitido estabilizar o clube a nível social, desportivo e financeiro", explica o presidente.
Cílio souza: "É sempre um candidato a subir"
Entrou na história do futebol português quando, ao serviço do Gondomar, eliminou o Benfica da Taça de Portugal. Antes, na época 1999/2000, tinha ajudado o Beira-Mar a subir à I Liga. Voltou quando os aurinegros caíram à 2.ª Divisão distrital, jogou dois anos e, agora, está há dois como treinador-adjunto. "Senti-me na obrigação de retribuir o que o clube fez por mim. É sempre um passo à frente do outro. O Campeonato de Portugal é muito difícil. Mas o Beira-Mar, pela sua história, em qualquer divisão que não seja a primeira, é um candidato a subir."
Pedro Moreira, o capitão que não abandona o barco
Não há adepto do Beira-Mar que não olhe para Pedro Moreira, capitão da equipa, com carinho. "Histórico", chamam-lhe. Afinal, chegou a Aveiro, pelas mãos de Leonardo Jardim, vindo do Penafiel, há dez anos, quando o clube disputava a 2.ª Liga. Nesse ano, a formação beira-marense subiu. E Pedro Moreira não a deixou mais. Nem quando caiu na 2.ª Divisão distrital. Se, na próxima época, alinhar pelo Beira-Mar - "o que está a ser ponderado com a família, direção e treinador" -, será o primeiro jogador português a passar pelas cinco divisões, ao serviço do mesmo clube.
No dia da vitória frente ao Carregosa, no campo, Pedro Moreira isolou-se e chorou. "Foi um descomprimir, não só desta época, mas dos quatro anos de distrital". Na divisão mais baixa do futebol, viu a suas expectativas serem superadas. Encontrou "jogadores com qualidade e que sabem jogar". E aprendeu a dar valor a quem, "depois de um dia de trabalho, ainda se junta para treinar, quando, no futebol profissional, às vezes já há queixas se um treino é marcado mais ao fim da tarde".
Tal como muitos dos colegas de equipa, Pedro Moreira tem outra profissão. No seu caso, numa oficina de pintura de automóveis. Mudou de vida, quando o Beira-Mar desceu, porque as propostas que surgiram não lhe interessaram. Escolheu a estabilidade da família e manteve-se no clube, como amador. "Vi que, a médio e longo prazo, o Beira-Mar ia dar-me mais sustentabilidade na minha carreira. É um orgulho enorme ser capitão deste plantel", assume.
Roupeiro do clube há 43 anos não descura um pormenor
No caminho quase centenário do clube aveirense cruzou-se, há 43 anos, a vida e a história de António Laranjeira, roupeiro do Beira-Mar há mais de quatro décadas. É com um olhar atento e um sorriso fácil que se mantém presente em cada treino, em cada jogo. "Com o mesmo rigor e dedicação" que tinha quando o clube disputava a Liga do futebol português.
Aveiro acolheu António Laranjeira aos seis anos. Com os pais, ia assistir aos jogos. Ganhou-lhe o gosto e cresceu-lhe a paixão. Aos 22 anos, foi convidado para trabalhar para o clube. Aceitou. E ficou lá até hoje.
"Tenho muitos momentos felizes que recordo. Mas o mais feliz foi a primeira vez que estivemos na final da Taça de Portugal, apesar de termos perdido, contra o F. C. Porto, após o prolongamento, o que nos deixou uma grande mágoa. E, depois, a final da Taça, que ganhámos e que honrou este clube e este distrito", conta.
O revés na história do Beira-Mar, com a descida à 2.ª Divisão distrital, não foi motivo para António Laranjeira se dedicar menos ao trabalho. "Apanhei muitos jogadores que não sabiam o que era a vivência do futebol profissional. E eu trouxe para o futebol distrital aquilo que fazia no campeonato profissional. Fiz sempre questão de manter tudo organizado, de o jogador não andar com nada nas mãos, nem com sacos ou mochilas. Mantenho esse rigor", diz, orgulhoso.
No balneário, António deixa a roupa de cada jogador sempre pendurada, impecável. No campo, torce pela equipa e fica "muito feliz" com as vitórias, que são também suas.