Carlos Queiroz completa hoje 70 anos, 40 de carreira, e assinala a efeméride com uma entrevista à federação do Catar, na qual aponta o pai como principal referência e considera que o futebol internacional corre graves riscos.
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"No princípio treinavam-se heróis ingénuos e românticos. Depois começámos a chamar-lhes profissionais. Mais adiante começámos a treinar milionários. Hoje treinamos autênticas empresas, verdadeiras companhias, com interesses diferenciados e por vezes até antagónicos na mesma equipa", afirmou o treinador português, atual selecionador do Catar.
Carlos Queiroz, que assumiu a seleção catari após o Mundial 2022, considera que se cedeu "espaço de importância e território de intervenção aos chamados agentes do futebol e aos media em geral, que se impõem numa postura e posição perversamente confortável: agentes que curiosamente nunca perdem jogos, mas que também nunca ganharam nenhum".
"Aos treinadores cabe sempre, por responsabilidade e exigência própria, cuidar da génese do jogo e da sua única verdade aceitável: os três pontos. E, por isso, a eles compete trabalhar o progresso, defendendo e promovendo ao mesmo tempo esse conceito sublime de triunfar em equipa, e ao mesmo tempo zelar pela ética fundamental do jogo", disse.
Carlos Queiroz afirma que quando olha para o futebol contemporâneo não sabe bem do que se trata, nem se se pode chamar do mesmo futebol, mas ainda encontra "vestígios da ética do futebol original, do seu romantismo", mas prefere chamar-lhe hoje "o jogo do 'winning business', ou de uma outra coisa qualquer".
"Antes, primeiro criavam-se os troféus, as competições e logo as mais-valias financeiras e o mérito era atribuído aos campeões. Hoje criam-se e calculam-se mais-valias financeiras e logo lhe atribuímos o nome de um troféu qualquer. Daí, o futebol internacional de seleções e de clubes correr graves riscos", considera.
O treinador português passou em revista as suas principais memórias no futebol, em que viveu momentos únicos junto daqueles que têm vindo a constituir-se como as suas "famílias do futebol" (dirigentes, técnicos e jogadores), e destacou três marcos na sua carreira e na sua vida profissional: o Mundial 1966 e todo o impacto que teve na sua juventude; o Mundial 1982, onde teve a oportunidade de contribuir com o seu trabalho para Telê Santana e Moraci, "dando os primeiros passos no mundo do 'scouting' e análise de adversários para aquela fantástica seleção do Brasil"; e o Mundial de sub-20 com Portugal, em 1989, na Arábia Saudita, que foi um feito inédito, repetido em 1991, em Portugal, que marcou o futebol português e toda uma geração de jogadores.
"Estes três momentos definem o perfil da minha carreira. Mas, de todos, o marco mais importante da minha vida é o meu pai, também ele jogador e treinador de futebol. Não tendo sido capaz de ter sido melhor jogador do que ele, sobrou-me tentar ser melhor treinador. Não consegui nem uma coisa nem outra. A ele devo tudo e a ele dedico tudo", acrescenta.
O novo desafio profissional de Carlos Queiroz é a seleção do Catar, que o treinador considerou "um enorme motivo de orgulho" e, ao mesmo tempo, "um tributo à gratidão por tudo o que futebol proporcionou ao longo destes 40 anos".
"Refiro experiências e vivências humanas, sociais e culturais, únicas, que pude atravessar. Posso dizer que, graças ao futebol, sou hoje alguém com mundo, no meu ser e viver", considerou.