Academia José Moreira conquistou a Taça de Portugal feminina e pode ter parceria com o F. C. Porto.
Corpo do artigo
Cansado das estruturas dos clubes tradicionais, condicionadas às ideias e projetos de cada elenco diretivo, José Moreira era um homem desiludido em 2014, tendo inclusivamente ponderado deixar a modalidade. Faltava-lhe liderar um projeto diferenciador, que colocasse o voleibol no topo das prioridades. A ideia começou a ganhar forma e, com a ajuda do filho, Rui Moreira, criou a Academia José Moreira, "um clube diferente, essencialmente por ser dirigido por treinadores ou antigos treinadores", explica Rui.
No seu entender, essa é a base de um clube ganhador, com dez títulos nacionais e doze regionais conquistados pelos vários escalões masculinos e femininos. "No entanto, com o passar dos anos fomos perdendo atletas masculinos", refere o diretor, razão pela qual a Academia decidiu apostar, a partir da última época, em exclusivo no setor feminino.
Entre 2015 e 2018, a equipa principal subiu da 3.ª à 1.ª Divisão. Na temporada de estreia no principal escalão do voleibol feminino nacional, foi quinta classificada e conquistou a Taça de Portugal. "Para aquilo que o clube ambiciona, é o caminho normal, mas está a ser no mínimo tempo possível", adianta Ricardo Lemos, treinador que já havia conduzido a equipa à divisão maior da modalidade mas que, entretanto, deixou o clube.
Majo Bouza, a capitã, recorda o 3-0 ao Clube K na final da Taça como "uma conquista incrível, que significou muito para todas". Entre elas estava Marlene Pereira, jovem de 17 anos, que aproveitou a curta pausa entre o treino das juniores e o início do da equipa principal para admitir ser "muito ligada aos títulos". Por isso, levantar a Taça de Portugal, "no primeiro ano de sénior, foi incrível", ela que é internacional pelas seleções jovens nacionais. A irreverência da idade já a fez rir e chorar esta época. É que não é fácil gerir uma rotina de "escola, treino, casa e estudar até tarde", a qual apenas suporta pela paixão pelo voleibol e pelo objetivo de seguir Direito na faculdade.
No pavilhão do Centro Social Luso Venezolano, em Nogueira da Regedoura, os treinos dos diferentes escalões da Academia José Moreira sucedem-se. "Contam-se pelos dedos as equipas, em Portugal, que podem treinar sozinhas num pavilhão, com todo o espaço disponível para si. Isso fará diferença, apesar de custar dinheiro", refere Rui Moreira, para quem "criar melhores condições de trabalho e ter mais gente a trabalhar no clube" é o caminho para se "perceber se, no futuro, será possível lutar pelo título, pela Taça ou por aquilo que o clube quiser". Por isso, não é à toa que o nome da Academia José Moreira está a ser associado ao F. C. Porto na perspetiva do clube azul e branco ter uma equipa de voleibol feminino.
Um sonho cumprido e outro quase a tornar-se real
É "uma das 24 lendas do F. C. Porto" e um dos nomes incontornáveis da história do voleibol português. "Algumas pessoas, que vão sabendo quem eu sou, ficam admiradas pelo meu passado e pelo que fiz no voleibol", conta José Moreira, 77 vezes internacional português e 25 vezes campeão nacional pelos dragões, ele que sempre sonhou em formar uma escola de vólei, um desejo que ganhou vida há cinco anos. A ligação aos portistas não esmoreceu e acabou por ser um incentivo à criação de uma Academia com o seu nome. "Sempre imaginei que o F. C. Porto reabrirá, um dia, a secção de voleibol e nós seremos a escola do clube. Essa foi uma das intenções quando criámos a Academia, mas as coisas não são fáceis. Vamos dar tempo para que, um dia, isso possa surgir", explica. "Ganhar motiva-me a fazer mais, sem nunca descurar toda a formação pedagógica dos atletas", assume, uma ideia que ajuda a explicar o trajeto vitorioso da Academia José Moreira desde a sua criação. "Qualquer treinador pode pegar numa atleta das juvenis para ir treinar com as seniores. A escola é a mesma, tal como os exercícios e o trabalho. Há uma linha traçada para que todos se sintam em casa", refere José Moreira, de 67 anos, que espera ver "o único clube na 1.ª Divisão desde o rio Douro até Lisboa" a continuar a crescer. "O próximo passo é pensarmos em sermos campeãs nacionais e fazer algo nas provas europeias. Queremos ser uma boa referência para o concelho e a nível nacional".
Uma globetrotter apaixonada por Portugal
No plantel da Academia José Moreira há atletas de diversas latitudes, como a ponta russa Yana Shevchuk, a distribuidora espanhola Majo Bouza ou a oposto venezuelana Luz Delfines, mas nenhuma com a história de Anna Wruck, uma central norte-americana nascida no Alaska, que se mudou para a Nova Zelândia na adolescência. "Visitei o país quando era mais nova e adorei, tal como os meus pais. Então, fomos todos para lá", conta, ela que ainda jogou na Hungria antes de chegar a Portugal, no ano passado. Por cá, passa o tempo livre com passeios à beira mar, tendo já visitado as cidades do Porto e de Lisboa e participado no carnaval de Ovar, "uma experiência porreira". "Depois, há o Netflix", acrescenta Anna, entre sorrisos, que fala do voleibol nacional como sendo "muito bom e com espaço para crescer". A avaliação também é válida para o plantel da Academia José Moreira, que marcou a temporada com a conquista da Taça de Portugal. "Fiquei muito contente por termos ganho a final por 3-0. Foi uma prova de como podemos jogar enquanto equipa", atira a norte-americana, enquanto recorda uma final four cansativa, que culminou num triunfo que foi celebrado à mesa. "Fomos todas jantar e houve bebidas envolvidas... Mas, depois, fomos descansar. Estávamos muito cansadas", conclui.
Esforço para estar na final four da Taça recompensado
Estar presente na final four da Taça de Portugal foi "a primeira grande conquista" de Vanda Pinto, jornalista de profissão, que falhou vários jogos ao longo da época devido ao trabalho. "Tem de ser", desabafa a distribuidora, que acompanhou a ascensão da Academia José Moreira desde a 3.ª Divisão Nacional até ao topo do voleibol feminino português, em apenas três anos. A época de estreia valeu a subida ao segundo escalão, "um feito considerável para uma equipa que estava pela primeira vez numa competição sénior", ficando o acesso à 1.ª Divisão selado apenas duas temporadas depois. "Querer ganhar sempre" ajuda a explicar o percurso vitorioso do clube, atira a atleta, que lhe junta o método implementado pelos responsáveis da academia. "Se é para fazer, é para fazer bem. Os resultados estão à vista". E se a Taça foi a conquista mais mediática, a subida à 1.ª Divisão Nacional, em 2018, foi a que mais impacto teve na carreira de Vanda, sobretudo porque "ninguém esperava" que fosse possível.