Conceição revela conselho que deu ao filho Chico: "'Se tens fome... bebe água'. Estava um pouco gordinho"

Sérgio Conceição atualmente treina o Al Ittihad
Foto: Roberto Bregani/EPA
Sérgio Conceição deu uma entrevista ao jornal italiano "Gazzetta dello Sport", na qual falou sobre o F. C. Porto, o AC Milan, a mágoa de perder os pais, o conselho que deu ao filho Francisco Conceição durante a pandemia e que se inscreveu na universidade aos 51 anos.
Numa entrevista extensa e na qual falou sobre o lado profissional e pessoal, Sérgio Conceição, atualmente a treinar os sauditas do Al Ittihad, abordou a segunda passagem por Itália, como técnico, numa experiência ao comando do AC Milan. O início foi bastante promissor, tendo conquistado de imediato um título.
"Lembro-me dos dias de trabalho intenso a analisar vídeos, a motivar os jogadores e a conversar com eles para entrar nas cabeças deles. Vencemos a Juventus do meu filho Francisco e, depois, o Inter, numa reviravolta. E chorei", contou à "Gazzetta dello Sport", tendo recordado a histórica celebração com o charuto que ficou retratada numa foto.
"Foi uma promessa. Os jogadores, que tinham visto os vídeos [tinha festejado assim no F. C. Porto], pediram-me para o fumar se ganhássemos. Eu tinha feito isso 11 vezes com o F. C. Porto, depois de ganhar troféus. O treinador que mais ganhou. Então, fiz isso novamente", explicou.
Depois de um arranque fulminante, a verdade é que a equipa passou a perder um pouco de gás e o técnico português acabou por sair no final da época. No entanto, ao olhar para trás vê a passagem de forma positiva.
"De 2016 até hoje, apenas dois treinadores conquistaram troféus com o Milan: Pioli, com o campeonato, e eu. Se somarmos os pontos da nossa gestão, tivemos um ritmo de Liga Europa, terminando em quinto lugar. Os resultados estão aí: estou a pensar nos dois dérbis que vencemos e na vitória contra a Roma. Estou desapontado com a final da Taça de Itália, mas houve algumas coisas de que não gostei", começou por analisar.
"Que tipo de coisas? Havia instabilidade a nível do clube e o ambiente em torno da equipa não era bom. É por isso que valorizo o que fizemos. Além disso, a Direção não me apoiava. Vou dar um exemplo: depois de ganhar a Supertaça, jogámos contra o Cagliari. Naquela altura, já havia rumores de que o clube estava à procura de outros treinadores. Eu estava concentrado em trabalhar e ganhar, com o peso dos resultados sobre os meus ombros. Não tinha tempo para trabalhar em todos os níveis", acrescentou, dando conta que até teria ficado nos "rossoneri", mas "com algumas mudanças".
Depois, Sérgio Conceição recuou até ao período que passou no Algarve para recordar a conversa mais significativa que teve num balneário. "Em 2012, no Olhanense, eu tinha estudado as paixões e os passatempos dos meus jogadores, algo que faço sempre. Antes de um jogo, por ocasião do Dia dos Pais, mostrei um vídeo em que os pais falavam sobre eles. Havia pessoas a chorar, depois foram para o campo e... 2-0 para o adversário. Ao voltar para o balneário, mudei de versão e voltei a ser sargento: empatámos 2-2".
A fé e o "vazio" de ter perdido os pais
A fé do técnico português sempre foi conhecida e há um episódio, em particular, abordado. "Fiz uma promessa à Nossa Senhora de Fátima, fiz os últimos 500 metros de joelhos e depois apresentei-me no estágio. Era 1998, marquei contra a Juventus no último minuto e ganhámos a Supertaça. A fé é uma parte fundamental da minha vida. Sou católico praticante, aqui não posso, mas em Milão ia à igreja todos os dias. Há alguns meses, o Papa convidou-me para o Jubileu para contar a minha trajetória e as minhas dificuldades", esclareceu, debruçando-se um pouco mais na forte relação com a religião.
"Perdi o meu pai aos 16 anos num acidente de mota, a minha mãe aos 18, após um longo sofrimento, e depois também um irmão, eu era o sétimo de oito. A fé deu-me força, tranquilidade. Quero mostrar aos meus pais que estou aqui e que realizei todos os meus sonhos. Mas dentro de mim, no fundo, escondido, tenho e sempre terei algo de "negro", como uma sombra", referiu.
"Tenho fotos comigo e rezo por eles todos os dias. Sou um homem sereno, tenho cinco filhos, joguei e agora treino, mas sei que nunca serei totalmente feliz sem os meus pais. É esse o vazio que tenho dentro de mim", completou.
Em casa, fala-se "o mínimo possível de futebol", com Conceição a abrir o livro e a contar um dos conselhos que deu ao filho Francisco. "O importante é que deixem os telemóveis no bolso durante o jantar. Exigi isso também no Porto e no Milan. O Chico estreou-se comigo em Portugal. Em 2020, durante o confinamento, disse-lhe: 'Se tens fome... bebe água'. Ele estava um pouco gordinho. Para fazer a diferença, são necessários sacrifícios e mentalidade. Se pudesse, emprestar-lhe-ia a minha fome. Não que não a tenha, pelo contrário, mas, aos 16 anos, eu levava dinheiro para casa para comer, era diferente. Mas sempre acreditei nele. E ele também acredita".
Por fim, Sérgio Conceição relembrou a passagem no F. C. Porto que ficou marcada pela conquista de 11 títulos em sete anos, tornando-o no treinador mais vitorioso na história do clube. "A relação com Pinto da Costa foi excelente. Quando cheguei, o clube não ganhava há quatro temporadas. Fizemos 600 milhões em transferências e também nos saímos bem na Champions, onde as equipas diziam "ah, nos oitavos de final está o Porto...". Mas conseguimos prejudicar também as italianas: Juve, Roma, Lazio...", concluiu, revelando, pouco depois, algo: "Não devemos contentar-nos, por isso inscrevi-me na universidade aos 51 anos. Estou a fazer um mestrado em treino desportivo".

