Aos 41 anos, deixou a arbitragem para abraçar um novo projeto no Sporting de Braga e, ao JN, faz o balanço da carreira
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Cosme Machado é um homem apaixonado pelo futebol. Percebe-se isso nas primeiras palavras com o JN, pela forma como fala do projeto que abraçou no Sporting Clube de Braga, um dos primeiros clubes em Portugal a oficializar uma ligação a um antigo árbitro. Há duas semanas resolveu abandonar a arbitragem para aceitar o convite do emblema minhoto, onde tem funções importantes na explicação das leis do jogo, tanto na equipa principal como no futebol da formação. Para trás fica uma carreira de 23 anos ligada à arbitragem e uma despromoção, no final da época passada, que considera ser "injusta". Mas o homem que hoje está de parabéns e faz 41 anos sente-se de "consciência tranquila".
Esteve 23 anos ligado à arbitragem. Quando olha para trás de que sente mais orgulho?
Orgulho-me de todo o meu passado. Foram 23 anos vividos com muita intensidade e paixão, porque é preciso ter muita paixão para se ser árbitro de futebol. Fiz o meu trabalho com o máximo de empenho e de profissionalismo, acertei e errei, claro, mas sinto ter cumprido o meu dever. Para se ser árbitro é preciso ter coragem e tomar decisões difíceis, não é fácil.
Sentiu muita pressão?
Eu lido bem com a pressão, é algo que nos faz ser mais fortes e melhores. Mas quando se está num nível elevado a pressão é diferente. Estive 11 anos na 1.ª Divisão e passei por momentos que não foram fáceis, principalmente, quando as coisas não correram bem. Existe sempre um sentimento de dificuldade e de alguma frustração quando não conseguimos ter uma performance num jogo de acordo com aquilo que gostaríamos de ter tido.
Mas, olhando para trás, o que faria de diferente na sua carreira?
Tudo aquilo que fiz, agi em consciência. Agora, se pudesse voltar atrás em algumas decisões não tinha problema em emendá-las. Houve decisões erradas, naturalmente, mas nós árbitros somos os que mais sofremos quando errámos e involuntariamente prejudicámos uma equipa. Se o vídeo-árbitro tivesse chegado mais cedo, se calhar, tinha-me ajudado em algumas decisões que não foram corretas.
Qual foi o seu pior jogo?
Não tenho nenhum jogo que possa dizer que foi o pior da minha carreira. Mas há jogos que voltava atrás para retificar. Foram 23 anos ligados à arbitragem e é impossível não haver um jogo em que não tenha cometido erros.
Mas quais eram os jogos em que voltava atrás para retificar?
Não vou especificar, porque não é fácil falar sobre isso. Tenho em mente os jogos que falhei, mas agi em consciência e naquilo que eu achava ser a melhor decisão. É muito complicado um árbitro lutar contra 20 câmaras num jogo de futebol. Eu sabia que poderia errar, mas nunca pensava dessa forma. O meu lema de vida sempre foi dar o máximo, era aquilo que eu dizia à minha equipa, as coisas até podem não nos sair bem hoje, mas quero sentir que vamos dar o máximo.
O árbitro é o elo mais fraco num jogo de futebol?
Não digo que seja o elo mais fraco, mas o árbitro não tem adeptos, não tem ninguém a torcer por ele, só a família e os amigos. Talvez por isso os árbitros tenham uma personalidade muito forte e conseguem ter sucesso em outras funções para lá da arbitragem, porque lidam com situações difíceis e de conflito. Nós temos de ultrapassar dificuldades que a maioria das pessoas não consegue. Lidamos com 22 jogadores no campo, passamos por momentos difíceis e temos de tomar decisões. Isso prepara-nos.
Se pudesse voltar atrás em algumas decisões não tinha problema em emendá-las. Houve decisões erradas, naturalmente, mas nós árbitros somos os que mais sofremos
Qual foi o melhor jogo da sua carreira?
Foi um Gondomar-Dragões Sandinenses, na 2.ª Divisão, que acabou por ser muito decisivo na minha progressão de carreira e logo depois do Apito Dourado. Ainda não estava habituado a jogos de grande pressão, com uma enorme atmosfera, mas senti ali que podia ir mais além na arbitragem. Também não me posso esquecer do Estrela da Amadora-Marítimo, em 2005, o meu jogo de estreia na 1.ª Divisão. Foi o concretizar do meu sonho. O futebol sempre foi a minha paixão.
A sua despromoção da primeira categoria, no final da época passada, foi justa?
A minha despromoção foi injusta e até as pessoas que estão atentas ao futebol dizem isso. Ainda hoje me pergunto como um regulamento que diz que os três últimos árbitros descem de divisão, e eu tenho cinco árbitros atrás de mim, mas sou despromovido. São águas passadas, não saio aborrecido com ninguém. Sou uma pessoa frontal, digo o que penso e no momento. Tentei perceber porque desci, mas ainda hoje não entendi. Quem julgou esta decisão, em termos de classificação, espero que tenha a consciência tranquila, porque eu tenho a minha consciência tranquila.
Acha que não foi devidamente protegido e pagou uma fatura elevada?
Os regulamentos não estavam bem explícitos. Eu ainda recorri para o Conselho de Justiça, este órgão achou que o regulamento era pouco claro e a minha despromoção foi confirmada.
Sempre houve muitas críticas em relação ao sistema de classificação dos árbitros. Esse sistema é o mais correto?
É sempre complicado falar em classificações, porque várias pessoas já passaram pelo Conselho de Arbitragem e nenhuma delas conseguiu chegar a um sistema de classificação totalmente justo. Não é fácil encontrar um equilíbrio para que o pior árbitro desça de divisão e o melhor árbitro seja sempre o melhor classificado. Isso não é possível.
Quando foi despromovido passou-lhe logo pela cabeça terminar a carreira?
Não, até me deu mais força. Senti que foi injusto, senti que queria continuar porque a arbitragem era a minha paixão. Não foi difícil voltar a apitar nos escalões secundários, porque sentia-me preparado para iniciar a época e preparei-me fisicamente como se estivesse na primeira categoria. Encarei todos os jogos na 2.ª Divisão com o mesmo empenho, profissionalismo e paixão.
Foi o convite do Braga que o levou a terminar a carreira?
Sim, naturalmente. Mas continuo ligado ao futebol, agora a ver jogos. Acho que saí no momento certo.
E porquê?
Porque aproveitei o convite do Braga e hoje, ao conhecer o clube por dentro, percebo porque cresceu. Tem uma estrutura profissional e é uma honra estar a trabalhar com eles. Sinto-me feliz e estou a adorar.
O que tem de especial o seu trabalho?
As minhas funções são de avaliação comportamental e ajudar no crescimento dos jovens. O clube vai abrir uma academia brevemente para centralizar a formação. A minha função é acompanhar o crescimento dos jovens em termos comportamentais com as equipas de arbitragem e com os adversários, é dar palestras e também passa pela equipa B, pelo futebol feminino e pela equipa principal. Sou aquela pessoa com quem eles contam para que todos possam ter as leis de jogo atualizadas.
Vê-se como um futuro dirigente da arbitragem?
O futuro a Deus pertence. Passo a passo, vou delineando o meu caminho.