Carlos Manuel confirma o "deixem-me sonhar" de José Torres e depois marca à Inglaterra.
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Acreditem, Carlos Manuel ganha sete Taças de Portugal, cinco das quais vs. F. C. Porto. Acreditem, é um golo solitário de Carlos Manuel na Polónia a empurrar-nos para o jogo decisivo vs. URSS a caminho do Euro-84. Acreditem, é outro golo de Carlos Manuel a levar-nos ao México-86.
Antes do Mundial-86, Portugal vai ao Euro-84. Jogas os três jogos da fase de grupos e depois desapareces do onze na meia-final com a França. Porquê?
Foi um Europeu complicado no que diz respeito à gestão. Havia quatro treinadores e isso já diz quase tudo sobre muita coisa. A respeito desse jogo em particular, só soube, a posteriori, que havia entre os treinadores uma dúvida para aquela posição: ou jogava um do Benfica ou um do F. C. Porto. Acabei por não ser o eleito, pronto [o portista Jaime Pacheco entra pelo benfiquista Carlos Manuel e, no ataque, o benfiquista Diamantino rouba a titularidade ao portista Gomes].
Segue-se a qualificação para o Mundial-86. Qual o vosso espírito antes do jogo decisivo em Estugarda?
Se não me engano, soubemos da vitória da Checoslováquia sobre a Suécia no autocarro e isso deu-nos uma motivação extra à entrada do estádio. Essa seleção portuguesa também tinha a sua piada, porque levava alguns artistas fora da caixa. Como o José António, do Belenenses. O Mário Jorge, do Sporting. O Frederico, do Boavista. Havia bom ambiente e fomos falando do balneário sobre as nossas possibilidades. Convém lembrar que se a Suécia ganhasse, o nosso jogo era a feijões. Como perdeu, era nossa obrigação ganhar para chegar ao Mundial.
E ganhámos.
Foi glorioso. Tanto o jogo como o pós-jogo.
Então?
Fomos jantar para o hotel e lembro-me como se fosse hoje: acabei o jantar e sentei-me numa cadeira alta, daquelas ao nível do balcão de um bar. E lá virei a noite. Eu e outros jogadores.
Ahahahah.
A sério, só saí do banco na manhã seguinte. Sempre a falar com pessoas. Alguns amigos e muitos desconhecidos, todos emigrantes, todos com horário para cumprir no trabalho na manhã seguinte. O jogo foi a uma quarta-feira, okay? Nem imaginas a minha satisfação em trocar ideias com aquela malta trabalhadora e nem imaginas a alegria deles em partilhar aquele momento connosco para depois irem trabalhar com outro ar e gozar, no bom sentido, claro, com os alemães. Isso também deve ter acontecido com o golo do Éder na final do Euro-2016.
Depois é o Mundial. Começámos por ter azar no sorteio: Saltillo era a pior cidade de todas. Se calhássemos na Cidade do México...
Era bom era, porque assim estávamos na mesma cidade do presidente da Federação [Silva Resende]. Só o vimos no último jogo, depois da derrota com Marrocos, no nosso balneário.
E então?
Falei com ele, tudo educado. E decidi ali que só iria voltar a jogar por Portugal se ele não estivesse como presidente da Federação.
E nunca mais jogaste.
Ainda tentaram três vezes o meu regresso, mas não voltei com a minha palavra atrás. Por respeito a mim, à minha família e aos meus colegas.
E nunca mais o viste?
Nunca mais o vi. Houve muitos jornais que tentaram entrevistas sobre Saltillo e sempre respondi o mesmo: só faço um direto na televisão. Só falava com o Silva Resende se estivéssemos no mesmo sítio. Agora falar para um jornal, depois ele respondia, depois isto, depois aquilo. Não iria adiantar nada. Pior, só causava ainda mais confusão e ruído. Nã.
A epopeia começou bem, 1-0 à Inglaterra. Mais um golo teu.
Grande jogada do Diamantino, dou na bola com a canela. Vai lá ver bem o lance, a bola até sobe, ahahahah.
Só houve outro jogador a marcar ao Shilton nesse Mundial: Maradona.
Eisch, nem compares. Esse foi um rei.
Trocaste de camisola com alguém?
Já não me lembro. Mas duvido, porque os meus amigos pediam-me as minhas camisolas e guardava-as para oferecer-lhes. Se tenho uma da seleção já é muito. O resto já voou tudo.
Depois aquela derrota com a Polónia.
Tivemos mais oportunidades que eles, mas perdemos. É daquelas coisas que acontecem em qualquer lado. Nada de especial, e continuávamos a sonhar com o apuramento.
E o que se passou com Marrocos?
O Zé [Torres] mudou a tática, quis uma equipa mais ofensiva.
Pois, é a primeira vez que jogam Futre e Gomes de início.
Saiu o André. Aquilo com o André era diferente. O nosso meio-campo era muito forte e ficámos desamparados sem o nosso feijão com arroz. Depois, fomos apanhados desprevenidos. Sabíamos da qualidade individual de Marrocos, até porque tinham travado Polónia e Inglaterra, mas aquele dia foi mau para nós. Às tantas, já perdíamos 2-0. Quando voltámos do intervalo, ainda criámos umas oportunidades e nada. Eles fazem o 3-0 e, pronto, acabou.
O Diamantino ainda faz um golo.
Um senhor golo, hã, um senhor golo.
Sim, grande chapéu. E depois?
Olha, saímos daqui como heróis e voltámos como vilões.