Amadorismo não impediu gaienses de serem campeãs e vencerem a Taça
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O relógio marca habitualmente as 19.30 horas quando as jogadoras começam a passar a porta de entrada do Colégio de Gaia. Meia hora depois, Paula Castro dá início ao treino que tem entre uma hora e hora e meia de duração. Por essa altura já o dia vai longo para a treinadora e para as atletas. Umas trabalham, outras estão na universidade ou ainda estudam no colégio, mas o amor pelo andebol ajuda a superar qualquer ponta de cansaço que ouse surgir na hora de se equiparem para mais uma sessão de treino.
É assim a realidade do amadorismo. O Colégio de Gaia, campeão nacional e vencedor da Taça de Portugal em 2019, vive nela e convive bem com isso. Longe dos luxos próprios do profissionalismo, o clube gaiense faz da formação de pessoas o ponto principal do projeto, mas tem tido um êxito desportivo impossível de ignorar: três títulos de campeão (1991, 2017 e 2019), quatro Taças de Portugal (1990, 1998, 2017 e 2019), duas Supertaças (1992 e 1998) e 27 campanhas nas competições europeias fazem das gaienses uma referência nacional e internacional.
O ano 2019 é daqueles que ficará gravado a letras de ouro na história do clube que subiu à primeira divisão em 1988 e desde então jamais ficou abaixo do quinto lugar. Pela segunda vez numa temporada (a primeira foi em 2017), o Colégio de Gaia conquistou o campeonato e a Taça de Portugal, refletindo-se nos títulos a superioridade demonstrada em campo, onde cedeu apenas uma derrota e um empate num total de 34 jogos disputados.
Apesar do amadorismo e da perda de algumas jogadoras para projetos financeiramente mais apetecíveis, o núcleo duro da equipa campeã mantém-se desde 2016, o que faz com que esta seja para Jorge Tormenta, primeiro treinador e atual coordenador do Colégio de Gaia, como "a quarta geração de sucesso nas seniores, depois das gerações de 1990 a 1992, de 1997/1998 e de 2005 a 2008, onde jogaram algumas da mais importantes jogadoras internacionais por Portugal".
Paula Castro é uma delas. Atleta em 1991, quando o clube foi campeão pela primeira vez, em 2000 sucedeu a Jorge Tormenta como treinadora principal. "É fantástico trabalhar com um grupo destes. Foi uma época maravilhosa para elas e para mim. Tenho um orgulho imenso nas atletas e grandes mulheres que treino e nas que já passaram por mim anteriormente", afirma. "Estas jogadoras são a perfeição do nosso trabalho", completa Jorge Tormenta, feliz pelos resultados serem acompanhados por percursos de sucesso a nível profissional e académico.
Longos dias das capitãs que são professoras e também treinadoras
Helena Soares e Bebiana Sabino são o protótipo de uma jogadora do Colégio de Gaia. Ambas fizeram lá o Ensino Secundário e seguiram para o Ensino Superior sem abdicarem do andebol.
Além de jogadoras, ambas são professoras de Educação Física e treinam os escalões de formação do clube. Helena Soares, capitã das campeãs nacionais, veste a camisola desde os 12 anos e é treinadora das juvenis, tendo nesse papel conquistado o campeonato em 2016 e em 2017. "O dia devia ter mais que 24 horas, mas há um gosto enorme no que fazemos. Somos amadoras e muitas das jogadoras das seniores são da nossa formação. Pelo menos seis das minhas companheiras foram treinadas por mim. É engraçado", revela.
Bebiana Sabino, capitã da seleção A, cumpre a segunda passagem pelo Colégio de Gaia, após ter sido profissional no Madeira SAD. Voltou em 2014 e hoje é também treinadora dos iniciados. "Quando queremos muito dá para conciliar. Ser campeã é o resultado de um esforço enorme", atira.
Não há lesão que vergue o amor pelo andebol e a vontade de voltar a jogar
Há dois casos nas campeãs a quem a sorte tem sido madrasta. Patrícia Lima, que em 2017 foi eleita a melhor jogadora do campeonato, contraiu uma rotura do ligamento cruzado anterior de um joelho em 2018 e esteve praticamente um ano parada. "Regressar este ano e ganhar todos os títulos nacionais tem um valor incrível. Já tinha ganho estes troféus, mas o sabor este ano é bastante diferente, para melhor", salienta.
Rotura do ligamento cruzado anterior é também uma lesão que Sandra Santiago conhece bem, demasiado até, pois contraiu três em seis anos. Em 2013, a jogadora foi eleita a melhor lateral-esquerda do Europeu de sub-17, mas desde então tem passado por um suplício. "É preciso gostar muito disto. Estou aqui há seis anos e três foram para recuperar de lesões. Houve momentos em que quis desistir", admite. Mas lutou para voltar e, apesar do receio de uma nova lesão, o futuro é promissor. Os nove golos assinados na final da Taça de Portugal, frente ao CS Madeira, são prova disso.
Patrícia e Joana estão no caminho de sucesso que viram o pai trilhar
Filhas de Carlos Resende, referência do andebol nacional e atual treinador do Benfica, Joana e Patrícia vivem a modalidade desde sempre. "Nascemos com uma bola na mão", brinca Joana, a irmã mais nova, que está a terminar o 12.º ano no Colégio de Gaia e é uma das quatro juniores que integram o plantel sénior, sendo já internacional A. "A minha mãe costuma dizer que a primeira vez que fui a um pavilhão tinha 14 dias", completa Patrícia, 21 anos, campeã nacional sénior pela segunda vez no Colégio de Gaia e que em 2016 foi notícia por ter entrado no curso de Arquitetura da Universidade do Porto com média de 20 valores.
Com um bom percurso no andebol e nos estudos, as irmãs Resende admitem que os conselhos do pai são importantes. "É sempre bom ter o nosso próprio treinador em casa. Ajuda-nos a perceber melhor o jogo", revela Patrícia. "Ele está na bancada a ver os nossos jogos como pai. Como treinador dá-nos dicas importantes. As nossas medalhas são as medalhas dele", sublinha Joana.