Em 2020, dragão deu exemplo que leão não seguiu: como festejar um título em pandemia
O título conquistado pelo Sporting na terça-feira foi a segunda celebração de um campeão nacional de futebol em tempo de pandemia. Duas festas que se revelaram bem diferentes.
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No ano passado, em pleno verão, a festa dos dragões, com epicentro no Porto, levou pouca gente à rua, seguindo o apelo do clube para que dessem o "exemplo". Já os leões, que escolheram como slogan a expressão "Onde vai um, vão todos", foram bem menos contidos nos festejos, manchados por confrontos com a Polícia e pela falta de distanciamento protagonizada por uma multidão verde espalhada por todo o país mas que esteve bem mais concentrada em Lisboa.
Uma festa em estado de alerta e outra em situação de calamidade
No dia 15 de julho de 2020, o F. C. Porto conquistava o seu 29.º título de campeão nacional, depois de ter vencido por 2-0 o Sporting, no Estádio do Dragão. Na altura, quase todo o país se encontrava em estado de alerta - menos grave do que a situação de calamidade ou o estado de emergência - devido à pandemia de covid-19, com a exceção da região de Lisboa e Vale do Tejo, que permanecia em estado de contingência, e de 19 freguesias da Área Metropolitana de Lisboa, que estavam em situação de calamidade.
No estado de alerta, mantinham-se as regras de distanciamento físico e uso obrigatório de máscara e eram proibidos ajuntamentos com mais de 20 pessoas, bem como era impedido o consumo de álcool na rua. Nesse dia, Portugal tinha registado mais oito mortes por covid-19 e 375 novos casos. No total, o país contava 1676 óbitos e 47426 infetados. Havia 478 pessoas internadas com a doença e 68 em unidades de cuidados intensivos.
Devido à situação epidemiológica no país, os festejos do título conquistado pelo F. C. Porto levaram poucos milhares de pessoas às ruas, bem menos em comparação com anos anteriores, mesmo nos locais tradicionais de celebração, como a Avenida dos Aliados e o Estádio do Dragão, no Porto. O clube chegou mesmo a apelar nas redes sociais para que os adeptos festejassem "com responsabilidade" e que dessem "o exemplo".
Passados dez meses, o Sporting conquistou o seu 19.º título de campeão nacional, após vitória, no Estádio de Alvalade, frente ao Boavista, por 1-0. Na terça-feira, 11 de maio de 2021, Portugal estava (e ainda está) em situação de calamidade (mais grave do que o estado de alerta e menos grave do que o estado de emergência), que se mantém pelo menos até domingo. Há o dever geral de recolhimento domiciliário (cidadãos não podem circular em espaços e vias públicas e devem permanecer em casa, exceto para deslocações autorizadas), mantêm-se as regras de distanciamento físico e uso obrigatório de máscara, são proibidos ajuntamentos com mais de 10 pessoas e a venda e consumo de álcool na rua não é autorizada.
Nesse dia, houve mais uma morte por covid-19 e 268 novos casos. No total, o país contava 16.994 óbitos e 840.008 infetados desde o início da pandemia. Havia 257 doentes internados e 71 em cuidados intensivos. O R(t), em 0,92, e a taxa de incidência de novos casos, em 53,8 por 100 mil habitantes, que passaram a ser critérios de avaliação no controlo da situação epidemiológica, mantinham-se na zona verde.
Ao contrário do F. C. Porto, o Sporting não deixou nenhum apelo ou mensagem para os adeptos nas redes sociais para se conterem nos festejos - até partilhou imagens e vídeos em que se viam aglomerados de adeptos sem respeitar o distanciamento ou o uso de máscara, tanto antes como depois do jogo.
Azuis e brancos não tiveram ecrãs gigantes nem cortejo do autocarro
Outra grande diferença entre os festejos de dragões e leões foi a preparação e organização antes dos jogos que poderiam valer a conquista do título. No caso do F. C. Porto, não houve concentrações de adeptos nas imediações do Estádio do Dragão, no dia do encontro decisivo com o Sporting, uma vez que a Polícia fechou todos os acessos, o que obrigou os apoiantes a ficar a pelo menos 100 metros de distância do recinto. Várias equipas da PSP patrulhavam as imediações do estádio e tudo correu sem problemas. Além disso, os adeptos não puderam assistir ao jogo através dos ecrãs gigantes e também não houve o habitual cortejo do autocarro dos campeões durante a noite, o que fez com que menos pessoas saíssem à rua ou que permanecessem até mais tarde na via pública.
Já no caso do Sporting, foi bem diferente. Horas antes do jogo com o Boavista, a PSP deu uma conferência de imprensa lembrando os adeptos que o país ainda estava em pandemia e pedindo contenção nos festejos e no consumo de álcool na rua, que é proibido. A Polícia anunciou ainda que iria acompanhar o cortejo do autocarro. A operação começou ao início da tarde no Estádio de Alvalade, mas por essa altura já milhares de adeptos se encontravam no local, sem respeitar as regras de distanciamento e muitos sem usar máscara.
Além de haver muitos mais adeptos em Alvalade do que no Dragão, no ano passado, foi permitido que a Juventude Leonina montasse dois ecrãs gigantes junto ao estádio para transmitir o jogo. No entanto, pouco antes do intervalo, quando os leões já ganhavam por 1-0, vários adeptos envolveram-se em confrontos com a Polícia, arremessando pedras, garrafas, caixotes do lixo e tochas. As forças de intervenção responderam com balas de borracha, tentando afastar a multidão da zona do estádio. Os ecrãs gigantes foram então desligados e milhares de adeptos abandonaram o local por causa da violência.
A PSP chegou mesmo a ponderar se iria ou não manter o plano do cortejo do autocarro, mas depois do jogo, já ao início da madrugada, o desfile acabou por acontecer e milhares de adeptos concentraram-se na Praça do Marquês de Pombal. Mas a festa voltou a ficar manchada por mais confrontos com a Polícia. Algumas pessoas tentaram ultrapassar as barreiras de segurança e as autoridades foram obrigadas a intervir novamente. A festa só acabou já depois das 4 horas. No total, a PSP deteve três pessoas, identificou outras 30 e apreendeu 63 engenhos pirotécnicos durante os festejos do Sporting. Várias pessoas ficaram feridas, mas a Polícia não conseguiu precisar quantas. O Governo pediu à Inspeção-geral da Administração Interna a abertura de um inquérito à atuação da PSP.
Nos festejos do F. C. Porto, no ano passado, foram poucos os adeptos - cerca de três mil - a celebrar na Avenida dos Aliados, sobretudo porque não iria haver o habitual cortejo do autocarro, mas ainda assim também houve momentos de tensão com as autoridades. A Polícia dispersou os portistas à bastonada, pontapé e murro, no fim da festa, já de madrugada.
F. C. Porto não foi recebido na Câmara, Sporting vai sem adeptos
No ano passado, ao contrário do que é habitual, o plantel do F. C. Porto não foi recebido na Câmara Municipal do Porto, como tinha acontecido em 2018, com milhares de adeptos a festejar nos Aliados. Tal se deveu ao facto de o país estar a viver em pandemia, pelo que o presidente da Autarquia, Rui Moreira, apenas deixou uma mensagem de parabéns aos campeões, apelando aos adeptos para que evitassem concentrações.
Já o Sporting será recebido, no próximo dia 20, na Câmara Municipal de Lisboa, numa cerimónia reservada a atletas e convidados do clube. A Autarquia vai quebrar a tradição, ao não permitir a presença de adeptos nos Paços do Concelho, ao contrário do que estava inicialmente previsto, devido aos desacatos durante a festa de terça-feira e na madrugada de quarta.
A Câmara de Lisboa lamentou os episódios de violência, que "mancharam, infelizmente, o comportamento cumpridor de largos milhares de pessoas que respeitaram as regras sanitárias e as recomendações das forças de segurança". "Como tal, no próximo dia 20 de maio, e ao contrário do que é tradição, não haverá evento público. Não será assim permitida a presença de adeptos na Praça do Município, bem como nas praças e ruas adjacentes, estando a cerimónia reservada a convidados e atletas do Sporting Clube de Portugal (em especial das escolas do Sporting), bem como aos órgãos de Comunicação Social", informou a Autarquia.
A Câmara esclareceu ainda que, ao longo das reuniões preparatórias dos festejos, a preocupação "foi diminuir o previsível afluxo de pessoas a um ponto único: a praça do Marquês de Pombal".