Lateral do Sporting é criticado pelos adeptos. Segundo a FIFPro, 38% dos jogadores sofrem de depressão.
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Fugimos deles a sete pés, mas os erros fazem parte do nosso percurso. Errar é humano, diz-se. Mas no desporto, uma das áreas mais escrutinadas do Mundo, os sentimentos dos futebolistas caem por terra aos olhos de quem assiste aos jogos e se esquece que o atleta é um homem como outro qualquer. Ricardo Esgaio, jogador do Sporting, é o mais recente exemplo: erros em campo deixaram os adeptos a descarregar assobios e a proferir palavras menos simpáticas nas redes sociais. Mas quando os comentários passam para fora dos estádios e chegam à família do visado, como é que um jogador se protege?
"Fechando as redes sociais e vivendo numa bolha", aponta, ao JN, Jorge Silvério, psicólogo do desporto. A saúde mental é, cada vez mais, um tema que gera preocupação. Segundo um estudo da FIFPro (Federação Internacional dos Jogadores Profissionais de Futebol), os jogadores profissionais padecem mais de doenças psiquiátricas do que o público em geral. Dos 607 atletas entrevistados, 38% relataram ter sintomas de depressão e ansiedade - André Gomes, quando jogava no Barcelona, perdeu a vontade de jogar futebol - 23% sofrem de distúrbios do sono e 15% de sintomas de stresse. A pressão mediática é maior, as redes sociais são gatilhos de crítica avulsa, muitos jogadores sentem-se pressionados quando são transferidos por quantias astronómicas, outros sentem ainda dificuldades de adaptação em determinados países - Darwin (ex-Benfica) vive um caso semelhante no Liverpool. Talvez por isso, os clubes e as federações investem em departamentos de psicologia para acautelar a saúde mental dos jogadores, preparando-os para a pressão e para a fama.
"Os jogadores também devem apenas valorizar as críticas de quem é importante. E é fundamental falar e pedir ajuda. Porque, às vezes, o atleta, por si, não consegue encontrar a melhor estratégia", adianta o psicólogo Jorge Silvério. Susana Torres, mental coach que ajudou Éder, outro mal-amado antes de ser o herói do Euro 2016, destaca a importância de trabalhar um alinhamento com os jogadores. "Deve haver um reforço emocional e o alinhamento tem muito a ver com o propósito dele enquanto jogador, com a identidade, a forma como ele quer que os outros o vejam. O objetivo é reforçar a dependência interna e haver menos dependência externa. Não há nenhum atleta do Mundo que esteja imune a momentos menos positivos", vinca, ao JN.
Amorim deu o corpo às balas para defender Esgaio. "A atitude do treinador é importante para o jogador e para o plantel, que fica com a certeza que o treinador o defende", vinca Jorge Silvério. Mas para Susana Torres é preciso mais. "Se, por um lado, o protege demasiado e o tira da equipa parece que não confia nele. Se o mete a jogar e o jogador não está bem e continua a cometer erros, é pior. Esgaio não deixou de ser bom jogador. Simplesmente, há algo que o impede de ter o melhor desempenho. Há uma limitação que não deixa processar a informação de forma correta do cérebro durante o jogo e que faz com que o corpo dele não reaja da maneira que ele queria. É um bloqueio e pode ser resolvido". À custa da psicologia.
Mariano viveu drama no F. C. Porto e pediu ajuda
Avançado foi criticado quando passou pelo Dragão e explica ao JN como deu a volta às adversidades
Em 2007/08, Mariano González chegou ao Dragão carregado de sonhos. Depois de uma época ao serviço do Inter de Milão por empréstimo do Palermo, o jogador pretendia impor-se no F. C. Porto, mas os primeiros seis meses estiveram longe do desejado: não jogava como pretendia e as críticas começaram a fazer-se sentir, ao ponto de ser apelidado de "trapalhão e desengonçado".
"As críticas não foram fáceis. Não me sentia nada confortável com a situação, os primeiros seis meses no F. C. Porto foram difíceis. Não conseguia ter espaço na equipa, comecei a procurar culpados. Depois, as críticas... desanimei muito, tive de pedir ajuda. E aconselho o mesmo a quem passa por isto", conta Mariano González, ao JN, ex-treinador do Santamarina, equipa dos escalões secundários da Argentina.
Além de procurar ajuda, começou a usar uma espécie de mecanismo de defesa: "A melhor maneira de aceitarmos o que ouvimos é pensar que as críticas fazem parte da profissão e que nem sempre podemos agradar a todos. E, acima de tudo, lermos os comentários bons. As críticas afetam-nos sempre muito, claro. Então, o que também devemos fazer é colocar toda a nossa concentração e energia nos treinos e no trabalho", adiantou Mariano González, de 41 anos.
Depois de chegar ao F. C. Porto em 2007/08, a SAD decidiu pagar 3,2 milhões de euros pelo passe do avançado, considerado por muitos como um mau investimento. Mas as críticas calaram-se no jogo com o Manchester United, na primeira mão dos quartos de final da Champions, quando Mariano marcou o golo do empate (2-2), aos 90 minutos. Seguiu-se a redenção, ao ponto de se transformar, a partir daí, num dos jogadores mais acarinhados pelos adeptos.
"Foi o meu golo mais especial. Baseado na minha experiência, os jogadores devem ouvir sempre os companheiros, os treinadores e outros que passaram por uma situação complicada. E trabalhar muito. Vai acabar por correr bem", concluiu o argentino.
Outros casos
Éder era patinho feio e foi herói
Golo que deu a vitória à Seleção no Euro 2016 foi fundamental
O nome de Éder vai ficar para a eternidade do futebol português, mas o ponta de lança passou por algumas dificuldades antes de conseguir a glória. O avançado, que jogou na Académica, Braga, Swansea, Lille e Lokomotiv de Moscovo - atualmente atua no Al Raed, da Liga Saudita - foi sempre alvo de muitas críticas por parte dos adeptos, com muitos a considerá-lo um "pino" ou um "tosco". Uma fase complicada, como o próprio admitiu, em que o apoio dos companheiros de equipa - na altura, o português jogava no Lille, cedido pelo Swansea - foi crucial. Apesar das dúvidas vindas das bancadas, Fernando Santos convocou-o para o Euro 2016 e foi uma aposta ganha. Na época, questionado sobre as palavras pouco simpáticas dos adeptos, Éder vincou que "ia responder dentro de campo" e, de facto, não podia ter respondido melhor: marcou, diante da França, o golo que deu o Europeu a Portugal. Depois, até foi criado um site para os adeptos deixarem um pedido de desculpa ao avançado e muitos fizeram questão de se redimir.
André Gomes sem vontade de jogar
Jogador passou por um momento delicado no Barcelona
Depois de duas épocas de sonho ao serviço do Valência, André Gomes foi contratado pelo Barcelona em 2016/17. Mas o médio português, que esta época assinou pelo Lille, não teve a melhor das receções e foi bastante assobiado e criticado pelos adeptos do emblema "blaugrana". Desde então, jogar passou a ser um pequeno inferno para o médio, que não sentia prazer no relvado - a não ser nos treinos, com os companheiros de equipa - e até chegou a ter vergonha de sair de casa. "Não me sinto bem em campo, não estou a desfrutar. Os primeiros seis meses foram bastante bons, mas depois as coisas mudaram. Jogar tornou-se num inferno. Eu fecho-me. O que eu faço é não falar para não incomodar ninguém. É como se me sentisse envergonhado. Já me aconteceu, mais do que uma vez, não querer sair de casa. Penso que as pessoas podem olhar para mim e dá-me medo de sair de casa com vergonha", disse, na época, em entrevista à revista espanhola "Panenka". André Gomes foi um dos primeiros jogadores a não ter medo de assumir um estado depressivo.
Roberto passou momentos de tensão na Luz
Espanhol apenas esteve uma época em Portugal
Corria o ano de 2010 quando o Benfica anunciou a chegada do guarda-redes Roberto proveniente do Saragoça. O investimento foi grande - 8,5 milhões de euros - e a adaptação do espanhol foi tudo menos pacífica, acentuada pelos números do negócio. Nos primeiros jogos na baliza das águias, Roberto ficou mal na fotografia em alguns lances e os adeptos não o perdoaram. Não tardaram os insultos e as críticas. Jorge Jesus fez questão de continuar a apostar no jogador, que só passou uma temporada no Benfica. Ao jornal do clube, quando questionado sobre as dúvidas dos sócios, Roberto sempre vincou que pretendia responder com trabalho. "As pessoas têm direito de pensar o que quiserem. O mais importante é acreditar em mim e saber sempre qual é o meu limite", vincou. No final da temporada, o guarda-redes foi transferido por 8,6 milhões de euros ao Saragoça e lamentou "não ter tido margem para errar" quando a equipa melhorou na Liga. Recentemente, o guarda-redes, de 36 anos, decidiu colocar um ponto final na carreira.