Margem de tolerância nos lances por poucos centímetros divide opiniões entre antigos árbitros.
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O F. C. Porto viu um golo ser-lhe anulado no clássico com o Benfica, por um fora de jogo de Galeno de seis centímetros, ainda com o resultado empatado a um golo e a questão da margem de tolerância para foras de jogo de poucos centímetros voltou a ser levantada, até porque o que não falta na liga são exemplos de golos anulados por margens escassas. Perceber se faz, ou não, sentido estipular uma margem de tolerância para estes casos foi uma questão colocada a três antigos árbitros e as respostas foram controversas.
Para começar, em 2019, numa entrevista ao jornal inglês "The Mirror", o próprio Aleksander Ceferin, presidente da UEFA, admitia propor uma margem de 10 a 20 centímetros na avaliação de um fora de jogo, brincando até com os jogadores de "nariz grande". "As linhas estabelecidas pelo videoárbitro são um desenho subjetivo de um critério objetivo", comentou na altura, fazendo notar que a partir do momento em que se instituiu o VAR, muitos assistentes esperavam pelo desenrolar do lance, ou nem se davam ao trabalho de levantar a bandeira. Mas o International Board não alterou a lei.
Na época passada, Mike Riley, líder da arbitragem da Premier League, decidiu usar grafismos televisivos com linhas mais grossas. Com as linhas sobrepostas ou juntas o lance passou a ser validado. A Premier League aplicou o novo protocolo a 32 lances de golo anulados da época anterior e chegou à conclusão de que 19 teriam sido validados. Entretanto, nos Países Baixos foram tomadas medidas semelhantes para mitigar os casos de foras de jogo milimétricos. "A questão da tolerância apenas vai deslocar o problema. Vamos supor que até 10 centímetros não havia fora de jogo. Se houver um a 11, vamos ter esta conversa outra vez", advoga, ao JN, Paulo Pereira, antigo árbitro.
Durante o Mundial 2018, um estudo concluiu que a velocidade média (em sprint) de um jogador era de 29 km/h. Se o VAR usar 50 frames por segundo, a distância entre frames pode ser de 16,1 centímetros. "Sabendo que cada frame tem 25 imagens, basta um ligeiro desvio e as frames do momento da passagem da bola e da posição do avançado colocado irregularmente para sair tudo deturpado. Há que ter uma margem, é óbvio que sim", argumenta o antigo árbitro Jorge Coroado, que aponta a tecnologia e o facto de ela ser operada por seres humanos, como limitações que não fecham portas a erros em potência, ainda que a FIFA tenha todo o sistema certificado. "O Internacional Board está a analisar a possibilidade de sancionar um fora de jogo de "x" centímetros depois, ora isso poderá nem ser aceitável. As pessoas têm de confiar nas tecnologias do VAR utilizadas, para que não haja dúvidas nas linhas e nas transmissões televisivas e que a tecnologia seja igual para todos", defende José Leirós, antigo árbitro.
Fala quem sabe
Paulo Pereira, ex-árbitro
"Uma solução pode passar pela adoção de um sistema como o "olho de Falcão", que faz uma triangulação dos jogadores e da bola e informa o videoárbitro que há um fora de jogo. Mas já temos peritos a dizer na Suécia, por exemplo, que nem querem o VAR. Alegam que toda esta tecnologia está a tirar a essência ao futebol".
José Leirós, ex-árbitro
"No futebol, como num tribunal civil, a lei é dura e crua. Quando o VAR foi colocado a funcionar, só há dois caminhos: estar ou não estar em fora de jogo. Com a tecnologia, vale tanto um fora de jogo com dois centímetros, como vale um com 20. O importante é que a tecnologia seja igual para todos e não haja dúvidas nas linhas".
Jorge Coroado, ex-árbitro
"O sistema é operado por seres humanos, portanto fará sentido haver uma margem de tolerância e os ingleses já adotaram um princípio de tolerância. Mas é uma realidade absurda quererem transformar um jogo feito por seres humanos, fiscalizado por uma máquina e considerá-lo como uma máquina".
Cinco casos
Liga Portugal
Benfica-F. C. Porto, 1-2
Galeno por 6 centímetros
O extremo recebe um passe da esquerda, metido para o corredor central, surgindo nas costas do defesa do Benfica, vira-se e remata para o fundo das redes. O árbitro Artur Soares Dias recorre ao VAR e anula o golo por seis centímetros, numa altura em que as duas equipas estavam empatadas (1-1) no clássico da Luz.
Gil Vicente-Chaves, 0-0
Juninho adiantado
O brasileiro aparece no corredor central a corresponder a um passe da direita, muda de velocidade e pica a bola por cima do guarda-redes do Gil Vicente. Mas o golo é anulado por quatro centímetros, quando as duas equipas ainda estavam empatadas a zero, resultado que se manteve até ao final dos 90 minutos.
Gil Vicente-F. C. Porto, 0-2
Toni Martínez apanhado
Bola metida na profunidade para Toni Martínez, que surge no corredor central, nas costas de um defesa gilista, que não consegue acompanhar o avançado embalado para a baliza. De qualquer forma, o golo é anulado por o avançado se encontar adiantado nove centímetros, numa altura em que ainda se registava um nulo.
Chaves-Sporting, 2-3
Paulinho adia bis
Nuno Santos cruza da esquerda para Paulinho, que surge na direira, sem cobertura adequada. João Pedro ainda tenta compensar, mas o avançado do Sporting antecipa-se e cabeceia. No entanto, o VAR deteta um fora de jogo por 12 centímetros, que anula o golo, numa altura em que os leões já venciam por 2-1.
Paços Ferreira-Gil Vicente, 2-1
Alipour apanhado
Alipour surge na esquerda do ataque gilista, mas ligeiramente adiantado em relação à defesa do Paços de Ferreira. O golo foi analisado pelo VAR e o cruzamento do avançado para Fran Navarro acabou por ser sancionado, quando o resultado estava a zero, num jogo em que o Gil Vicente viria a perder.