Com a morte do "Kaiser", o futebol alemão perde a sua figura mais consensual e transformadora. O jogador que cresceu a adorar o 1860 Munique, mas mudou a história do rival, Bayern.
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Em simultâneo, o futebol alemão perdeu o seu maior jogador, um dos grandes treinadores que teve e um dirigente com inegável e considerável obra. Alguém que foi tudo e mais alguma coisa no futebol, principalmente um pioneiro, um modelo a seguir, que marcou um antes e um depois. Uma influência intemporal e um futebolista total. Um defesa – o melhor de sempre, dizem; o mais extraordinário, certamente – que também era médio e avançado, lateral e extremo, que driblava, marcava golos e rompia com estereótipos posicionais e conceptuais. Franz Beckenbauer partiu esta segunda-feira, aos 78 anos, para junto de Eusébio, Pelé, Maradona, Di Stefano, Johan Cruyff, Bobby Charlton, entre outros.
Como jogador, foi cinco vezes campeão alemão, três vezes campeão europeu de clubes, outra de seleções e uma vez campeão do mundo (1974). Ganhou duas Bolas de Ouro, o que tem toda a relevância tendo em conta a posição que ocupava em campo. Como treinador, conquistou outra Bundesliga, uma Taça UEFA e outro Campeonato do Mundo (1990), passando à história como um dos três que venceram um Mundial como jogador e treinador, tal como Mário Zagallo e Didier Deschamps. Todos os grandes títulos que conquistou foram ao serviço do Bayern Munique e da seleção alemã, embora também tenha representado Hamburgo, New York Cosmos (EUA) e Marselha, como treinador.
A bofetada que mudou a história
Nascido em setembro de 1945, numa Munique arrasada pela Segunda Guerra Mundial, Franz Beckenbauer começou a jogar num pequeno clube da cidade, um bocado contra a vontade do pai, carteiro, que pouco ou nada ligava ao futebol. Fez-se adepto do 1860 Munique e reza a lenda que chegou a ter tudo tratado para ir lá parar, porém, o futuro que lhe estava reservado era no grande rival. A causa? Uma… bofetada. Num jogo de formação contra o 1860 Munique, um adversário agrediu-o, levando Franz a mudar de ideias, decidindo, afinal, rumar ao Bayern, na altura longe, muito longe, de ser a força indestrutível que é hoje. E o futebol alemão nunca mais foi o mesmo.
Aos 18 anos, e resolvido o imbróglio que quase lhe custou a carreira por se recusar a casar (a federação alemã suspendeu-o na sequência de uma queixa da namorada), estreou-se na equipa principal dos bávaros, convencendo imediatamente. Tornou-se titular indiscutível, depois líder e capitão, galvanizando o clube para a primeira era de domínio, primeiro em casa, depois na Europa, como provam as três Taças dos Campeões Europeus conquistadas consecutivamente, entre 1973 e 1976. No ano seguinte, seguiria para os Estados Unidos, onde se juntou a Pelé no New York Cosmos, já com o estatuto consolidado de um dos maiores futebolistas de sempre.
A carreira de treinador começou imediatamente após o final da de jogador, logo à frente da “Mannschaft”, que comandou entre 1984 e 1990, culminando o percurso com a conquista do Mundial, em Itália. Esta durou mais seis anos, antecedendo a outra, de dirigente, que o levou a ser presidente do Bayern Munique e vice-presidente da federação alemã, sendo considerado um dos principais responsáveis pelo país ter organizado o Mundial 2006, ainda que lhe tenham vindo a ser impostas algumas suspeitas de corrupção no processo.
A morte de um filho (Stephan), em 2015, vítima de um tumor cerebral, abalou-o como se espera que a morte de um filho abale alguém e diz-se que nunca mais foi o mesmo desde então. As aparições públicas diminuíram, isolou-se cada vez mais e a saúde foi-se deteriorando. Nos últimos anos, foram-lhe atribuídas a doença de Parkinson e demência, tendo ainda sido sujeito a uma delicada operação ao coração.