À primeira vista a União Desportiva Sousense parece estar perdida no meio de um vale de Foz do Sousa, bem longe do centro de decisão local. Mas esse fator não a impede de ser o clube de futebol do concelho que mais longe leva o nome de Gondomar.
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É o único emblema da cidade a estar representado em três provas nacionais. A equipa sénior masculina disputa o Campeonato de Portugal, a feminina compete no Nacional de Promoção e os sub-19 participam na 2.ª Divisão de Juniores A.
Depois de muitas décadas a jogar nos distritais da Associação de Futebol do Porto, em 2009/10 os seniores sagraram-se campeões da Divisão de Honra e lograram a tão desejada subida à 3.ª Divisão Nacional. Daí até à 2.ª Divisão Nacional B foi um pequeno passo. E mesmo quando os dois escalões do futebol não profissional se fundiram num só (a 2.ª e 3.ª Divisões deram origem ao Campeonato Nacional de Seniores, agora Campeonato de Portugal), este clube da Foz do Sousa continuou a dar cartas no patamar que antecede as provas profissionais. Já nos juniores, a subida aos Nacionais concretizou-se há apenas três anos. No entanto, e tal como os seniores, parece ter chegado para ficar.
Crescimento sustentado
"O clube evoluiu muito ao longo dos tempos, quer em termos de instalações, quer em termos de realidade desportiva", anota o presidente Américo Neves, salientando: "O Sousense tem um património vasto, todo do clube. Tem uma sede social e dois campos de futebol no complexo, um pelado e outro sintético. Tem cerca de 350 atletas, desde os quatro anos até aos veteranos e uma equipa no futebol feminino".
O dirigente orgulha-se em dizer que todo esse caminho ficou assente em bases sólidas. "Foi percurso muito consolidado, pois tivemos sempre o compromisso de manter as contas em dia. O Sousense é gerido há 25 anos praticamente pelas mesmas pessoas e honra os compromissos. Tem algumas lacunas, mas em cada ano que passa tenta evoluir, sobretudo em termos de instalações", replica o presidente.
E para não voar demasiado alto e depois cair a pique, o emblema, que tem cerca de 550 sócios, olha o futuro desportivo com ponderação. "Temos um papel muito importante na freguesia, pois somos um clube que tem uma função não só meramente desportiva, mas também social muito grande, pois agrega muitas famílias. A nível desportivo, e nomeadamente nos seniores, o objetivo não pode ser outro que não a manutenção, num campeonato difícil, com novos moldes e com equipas com outras condições", avança o dirigente.
Para tal, conta com um plantel com muitos jogadores oriundos da própria formação. "Não temos tantos como os que queríamos, porque o percurso ainda vai a meio. Mas nos últimos anos tem sido essa a nossa matriz", afirma o presidente, anotando que este ano alguns atletas da formação "foram para o Braga e Paços de Ferreira"."Isto que mostra que a nossa "cantera" está a produzir, mas vai começar a produzir mais a partir de agora", atira Américo Neves.
E a procura de novos talentos não parece ser difícil. "A prospeção faz-se em função da qualidade. A qualidade das instalações, mas sobretudo das pessoas. Nos últimos anos temos tido a preocupação, nomeadamente a nível das camadas jovens, de ter uma coordenação muito bem liderada e temos treinadores muito cotados. É o único clube que do dinheiro obtido na formação o gasta exclusivamente na formação. E os resultados estão à vista", finaliza Américo Neves.
De ex-jogador a treinador principal
Essa aposta nas camadas jovens fez com que há quatro anos Tiago Silva aceitasse abraçar um projeto para liderar a equipa de juvenis. No ano seguinte treino os juniores e há cerca de 15 dias deu o salto para a equipa principal. Contudo, a história de ligação ao clube começou bem mais atrás no tempo.
"Fiz a formação toda no Gondomar e um ano de seniores e a partir daí representei três anos e meio no Sousense", conta o técnico de 33 anos, que conciliou o futebol com o curso superior de educação física.
"Vim para cá porque o meu pai já foi jogador e tinha alguns laços no clube. Obviamente, fazia sentido, em função de tudo isso, poder jogar cá e ajudar um clube da minha terra. A partir daí, esse laço criado pelas relações de amizade que tivemos permitiu que, mais tarde, pudesse vir assumir uma equipa da formação", esclarece Tiago Silva, recordando o feito histórico que representou a subida do clube aos Nacionais de juniores.
Com um novo projeto recentemente em mãos, o treinador principal assume como objetivo primordial da época "cimentar a posição que têm tido nos últimos anos". "O Sousense é uma equipa que já está há vários anos nesta competição e quer a manutenção. Conforme o campeonato vai decorrendo, aquilo que possamos e nos deixem fazer, vamos tentar andar fora da zona de despromoção", refere o técnico, que se mostra satisfeito com o novo modelo competitivo do Campeonato de Portugal.
"É muito mais equilibrado. Não era correto a meio da época, após uma fase de 15 ou 16 jogos, retirar-se os pontos que a equipa tinha ganho. Havia ainda a questão de planteis que de um momento para o outro mudavam radicalmente. Obviamente que é uma competição mais difícil a nível competitivo, mas também muito mais justa", afirma Tiago Silva.
Para enfrentar a exigência da competição, o treinador tem a cargo um plantel bastante eclético. "Temos atletas que já cá tinham estado e que voltaram para o clube, jogadores que já estão cá há uns anos e que fazem uma base de experiência e temos alguns jogadores novos", explica, acrescentando: "Cabe aos treinadores juntar tudo isto e tirar rendimento de toda a gente. Nós, equipa técnica, também não estamos aqui há muito tempo, ou seja, já fazíamos parte do clube, mas neste contexto e neste papel é recente. Ainda estamos a conhecer o plantel e a ver aquilo que podemos ajustar. Temos um misto de vários contextos".
Crescer a par do clube
Um dos jogadores que está há mais tempo no clube é o trinco e capitão Paulo Rodrigues, de 33 anos, que ao final do dia troca o volante (é motorista) pelas chuteiras.
"Estou aqui há 12 épocas consecutivas. Fiz a formação num clube vizinho, o São Pedro da Cova, clube da minha terra, até aos juvenis. Com a idade de juvenil ingressei nos seniores e depois vim para o Sousense, estava ele na 1.ª Divisão Distrital", diz o futebolista, enaltecendo: "Cheguei aqui muito novo, com 21 anos, e fui vivendo a subida do clube patamar a patamar até aos nacionais. Foi um crescimento mútuo, tanto eu como jogador, como do próprio clube".
Depois de tantos anos de emblema ao peito, não é de estranhar se tenha criado "uma relação de amor pelo clube". "Já tenho mais anos aqui, do que do clube da minha terra. Há elos que se criam com as pessoas, com a direção, que tem as mesmas pessoas há muitos mais anos do que os que estou aqui. E é isso que me faz querer continuar época após época", esclarece Paulinho, como é conhecido o médio defensivo.
Em campo, o jogador ostenta a braçadeira com orgulho. "Como capitão sou respeitado e nunca tive problemas com os meus colegas. Os miúdos são excecionais, gostam de ouvir, de aprender. Apesar de ser dos mais velhos, também aprendo muito com os mais novos. O futebol nunca fica estagnado, está sempre a evoluir e há sempre coisas novas para aprender. A adaptação é constante", complementa.
Formar para equipa sénior
Ajudar os mais jovens a evoluir é também a função de Pedro Gonçalves, coordenador técnico do departamento de formação da equipa de Foz do Sousa e treinador dos sub-15. "Colocar atletas da formação na equipa sénior é um objetivo claro. No ano passado e neste ano conseguimos ter quase 50% da equipa sénior oriunda da formação do Sousense. Três ou quatro jogadores só jogaram mesmo no nosso clube. Essa é uma clara aposta desta coordenação das camadas jovens", afirma o responsável pelas camadas jovens.
A maior dificuldade para Pedro Gonçalves é mesmo "ter atletas". "Estamos deslocados, não deixamos de ser uma pequena aldeia, mas a nossa melhor prospeção é o trabalho que fazemos, que é um chamariz para os atletas e é por aí que os vamos seduzindo a virem para o Sousense".
"O trabalho feito alicia também quem quer ser bem acompanhado e quem quer um trabalho de qualidade. Obviamente, temos as limitações físicas de não podermos aproximar o clube do centro do concelho ou até do Porto. No entanto, continuamos a ter bastantes atletas daqui da zona, quer da freguesia, quer das freguesias limítrofes", justifica o treinador dos sub-15.
Um chamariz para atrair os mais jovens é a equipa sénior. "É o nosso ex libris e é para chegar lá que todos os atletas que estão na formação, e são cerca de 250, lutam. Estar num clube que tem a equipa sénior que está a um degrau apenas dos campeonatos profissionais é sempre um aliciante", reconhece Pedro Gonçalves, anotando, contudo, que nos escalões mais jovens o sonho não é bem esse e sim "o conforto de jogar com os amigos".
"Queremos que os mais jovens aproveitem esses laços de amizade e se revejam no Sousense como um clube da família. Depois, conforme a idade vai avançando surge sempre o sonho de chegar ao futebol sénior e, quem sabe, um dia ao profissionalismo", acrescenta ainda o coordenador.
Com duas equipas por escalão, desde os não competitivos, sub-5 e sub-6, até aos juniores sub-19, o clube tem cerca de 30 treinadores, que recebem remunerações simbólicas, e um grande leque de diretores que trabalham por amor à causa e carolice. "São eles o grande alicerce do nosso clube. Os nossos diretores, mesmo não estando tão visíveis como os jogadores e treinadores, são uma base fundamental para os bons resultados e o sucesso, quer desportivo, quer humano dos nossos atletas", salienta Pedro Gonçalves.
No que toca à equipa que treina, tem a particularidade de ter no plantel duas raparigas - Bárbara e Joana. "São das mais velhas e antigas do clube, mas nos outros escalões também temos outras atletas", afirma o treinador, falando um pouco mais sobre as pupilas: "Posso dizer bem das duas porque sou treinador delas há quase quatro anos. Ambas têm um relacionamento fantástico com os rapazes. São competentes no que fazem, têm qualidade e valor".
"Para nós é também um fator de satisfação podermos ser inclusivos a esse ponto, sendo que uma delas até é uma dos capitães da equipa", acrescenta o coordenador, terminando: "O futebol não é de todo só para homens e somos a prova disso. Quer estas jovens, quer as outras têm um papel fundamental no clube.
Fazer carreira no futebol feminino
Uma dessas meninas, Bárbara Raquel, de 14 anos, reconhece que no início os colegas "acharam estranho terem uma menina jogar com eles". "Mas gostaram de vivenciar uma experiência nova e viram que uma rapariga também consegue fazer o que os rapazes conseguem", afirma a futebolista, que entrou para a academia com oito anos, "levada" pelo irmão que jogava no Sousense. "Vi-o desde pequenino a jogar futebol, ainda o campo era pelado, e veio essa paixão pelo futebol. E decidi começar a jogar. Fui a primeira rapariga a jogar na Academia", explica a jovem, cujo sonho "é ser jogadora profissional e representar a seleção feminina nacional".
Apesar de jovem, a jogadora já tem bem definido o rumo que quer seguir na vida. "O meu objetivo é estrear-me profissionalmente em Portugal e depois, se possível, ir para o estrangeiro jogar", diz, perentória.
E salienta: "O futebol feminino já desenvolveu muito e ainda pode vir a desenvolver-se mais. Acredito que vai haver mais possibilidades para as raparigas poderem chegar ao topo. Há sempre qualidade".
Sobre a experiência de ser uma dos capitães, Bárbara Raquel mostra-se bastante satisfeita. "Tenho um bom relacionamento com os meus colegas. Eles respeitam-me quando lhes peço para fazerem alguma coisa, sendo uma rapariga ou não. Isso é bom", frisa a jovem, enaltecendo os momentos de "muita gargalhada e o forte espírito de equipa".
Sonho de ser profissional
Tal como Bárbara, também João Silva, de 10 anos, ingressou no conjunto de Foz do Sousa por influência familiar. "Jogo há seis anos no Sousense, entrei com quatro, vim com o meu irmão, que já jogava e como gosto muito deste desporto decidi vir também", refere o lateral da equipa de sub-11, que tem como ídolo o médio brasileiro Coutinho, dos ingleses do Liverpool, sendo um fã das Ligas inglesa e portuguesa.
Com mais de metade da jovem vida a jogar com o emblema do clube ao peito, amor maior só sente mesmo pelo F. C. Porto. "Gostava de ser jogador profissional e de, um dia, chegar ao F. C. Porto e à seleção nacional. Já fui ver três jogos ao Estádio do Dragão e sempre sonhei entrar no estádio como futebolista", diz João Silva, que no desporto-rei gosta especialmente "de fazer fintas e passar aos colegas a bola", sem esquecer trabalhar "o jogo coletivo".