O campeonato holandês tem demonstrado uma grande evolução e um dos segredos é a aposta na formação. Essa política tem influência nos principais clubes holandeses, bem como na seleção. Portugal tem melhorado nesse aspeto, resta a consolidação das ideias.
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As palavras Holanda e futebol encaixam que nem uma luva. Com tantos jogadores de qualidade na sua história, é impossível não se esquecer alguém. Johan Cruyff a Van Basten, Ruud Gullit, Ronald Koeman, Van der Sar, Seedorf, Robben, Van Persie e Sneijder. Desde o golo de Dennis Bergkamp a passe de Frank de Boer, ao golo de Rijkaard na final de 95 pelo Ajax. Desde o futebol total de Rinus Michels aos recitais de Louis Van Gaal. Desde os Botas de Ouro, Ronaldo "o Fenómeno" e Romário até ao recordista goleador Luís Suárez.
Os padrões futebolísticos holandeses baseiam-se na qualidade praticada no futebol e muito do segredo é a aposta na formação. Geralmente, quando este trabalho de escola começa a dar frutos, surge uma equipa dominadora. O caso mais recente é o do Ajax na temporada transata. A equipa de Amsterdão venceu todos os títulos internamente e só não chegou à final da Liga dos Campeões porque Lucas Moura, do Tottenham, marcou um golo na última jogada da partida, que viria a eliminar os Godenzonen. O Ajax iniciou partidas com a média de idades dos jogadores perto dos 22 anos. Frenkie de Jong, Matthijs de Ligt ou Van de Beek são nomes que encheram as medidas e que saíram das escolas do clube.
Estas equipas funcionam como um ciclo e naturalmente são um projeto de longa data, até reunirem as condições para vencer. O próprio Ajax encontra-se de momento na elite europeia, mesmo tendo perdido jogadores importantes esta época, no entanto, também passaram por uma seca de quatro e outra de seis anos neste século, sem vencer um campeonato.
Esta política das equipas tem especialmente importância na constituição de uma seleção. Os "Filhos dos Deuses" - um nome carinho dos adeptos para a equipa holandesa - sempre foram a equipa que ofereceu mais nesse sentido, apesar do PSV também ter um papel importante. Na atualidade, o Ajax continua a servir jogadores brilhantes ao país das tulipas; a equipa de Eindhoven vai apresentando um ou outro de qualidade e a grande expectativa recai agora para o AZ Alkmaar.
O que remete para a teoria do ciclo, é que o AZ não é campeão desde 2009 e desde esse ano nunca terminou uma época no pódio. Neste momento, estão a morder os calcanhares ao Ajax, exibem uma equipa prometedora e com jovens cheios de talento. Estes jovens têm apresentado números brilhantes na Eredivisie e são os craques da seleção de sub-21. Alguns jogadores em destaque do Alkmaar Zaanstreek são Myron Boadu, Calvin Stengs, Teun Koopmeiners e Dani de Wit. No PSV surge Cody Gakpo e Mohamed Ihattaren, tal como Bergwijn e Malen (estes dois últimos já são internacionais A). O próprio Feyenoord também lançou Steven Berghuis. O Ajax ainda na época passada enviou para a seleção Frenkie de Jong, de Ligt, Van de Beek, que podem ser os pilares da Laranja Mecânica nos próximos anos. Do mesmo clube, podem ainda aparecer Perr Schuurs, Sontje Hansen, Ryan Gravenberch, Brian Brobbey, Carel Eiting, Noa Lang e Jurgen Ekkelenkamp.
Relembre-se ainda que a Holanda tem a possibilidade de conciliar estes jovens com a experiência dos que lá estão, à semelhança do que fazia o Ajax naquela que esteve perto de ser a época de sonho da equipa. Refira-se jogadores como Virgil Van Dijk, melhor jogador da UEFA em 2019, Georginio Wijnaldum, titular no Liverpool de Klopp, Memphis Depay, envolvido em quase todos os golos da seleção na qualificação para o Euro 2020 e Quincy Promes, recente reforço do Ajax, que ganhou lugar no onze inicial de Erik ten Hag.
De destacar que Calvin Stengs e Myron Boadu estrearam-se pela seleção na última terça-feira, na vitória por 5-0 frente à Estónia. O primeiro assistiu e segundo marcou um golo, em jogo marcado por um "hat-trick" de Wijnaldum. Este último, juntou-se a Frenkie de Jong, na comemoração de um golo e protagonizaram o momento da noite com um gesto contra o racismo. Relembre-se que têm acontecido vários episódios racistas no contexto futebolístico.
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Em 2017/2018, o Ajax "imitou" o F. C. Porto, vencendo a segunda divisão holandesa. A realidade é que muitos desses jogadores foram úteis e tiveram a sua oportunidade na equipa principal. Os dragões venceram esse campeonato em 2015/2016 e poucos jogadores conseguiram vingar na equipa A, à exceção de André Silva, José Sá (com passagens curtas no Dragão) e agora Bruno Costa, que soma 300 minutos pela equipa principal esta época.
A ideia de que Portugal não aposta na formação não é tão verdadeira como parece. A Liga Portuguesa já exportou muitos jogadores provenientes da formação nos últimos anos. O Sporting era a equipa que rentabilizava mais com isso, não só em dinheiro, como em prestígio. Os leões formaram Paulo Futre, Cristiano Ronaldo, Nani, Luís Figo, João Moutinho e Ricardo Quaresma e a verdade é que esta era a base da seleção nacional em certo momento, apesar de todos terem saído de Alvalade.
Aos poucos a tendência mudou. O Benfica começou a investir mais na formação e a publicitar a Academia do Seixal. As águias constituiram equipas com um número aceitável de jogadores da formação, comparativamente com o que tinham anteriormente. Nos últimos anos, foram lançados Ederson, Jan Oblak, Nélson Semedo, Victor Lindelof, Renato Sanches, Gonçalo Guedes, Rúben Dias, Ferro, João Félix, Florentino Luís, Gedson Fernandes, Jota, Tomás Tavares, Nuno Tavares, entre outros... O Benfica é o clube da Europa que mais fatura com jovens na atualidade e ainda há uma série deles a chegar, como Tiago Dantas, Gonçalo Ramos, João Ferreira, Rafael Brito e Nuno Santos.
O F.C. Porto encontra-se num meio termo. Geralmente, a política das principais equipas portuguesas na última década era explorar os mercados estrangeiros, sobretudo o sul-americano, valorizar o jogador para depois o vender aos tubarões europeus. Os dragões não fogem à regra e ainda hoje aplicam essa estratégia. No que toca a apostar na formação, parece estar a evoluir nesse sentido. Nos últimos anos, os únicos jogadores em destaque foram André Silva, Rúben Neves, Diogo Dalot e Gonçalo Paciência. Todos acabaram por sair sem chegar ao topo do potencial enquanto portistas.
Sérgio Conceição parece mais confiante na prata da casa, contando com Diogo Leite, Tomás Esteves, Diogo Costa, Romário Baró e Fábio Silva para esta temporada. Resta ainda esperança em outros jogadores da equipa que conquistou a Youth League na época transata, como é o caso de Vitor Ferreira, Diogo Queirós, Fábio Vieira ou Afonso Sousa.
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Já o Sporting conta com uma série de talento em Alcochete, apesar de as apostas nos últimos anos serem quase nulas. Pedro Mendes, Rodrigo Fernandes, Bruno Paz, Pedro Marques e Miguel Luís já tiveram oportunidades, embora sem continuidade. Nuno Moreira, Tomás Silva, Eduardo Quaresma, João Oliveira e Joelson Fernandes são outros membros da equipa de sub-23 do Sporting que têm possibilidade de chegar longe, depois de encherem as medidas aos adeptos.
Há ainda outros casos, fora dos três ditos grandes. No Braga, além de Francisco Trincão, apareceram Bruno Jordão e Pedro Neto. Os bracarenses venderam os dois últimos por uma quantia a rondar os 18 milhões de euros no total. Atualmente, jogam na Premier League, no Wolverhampton. O próprio Vitória de Guimarães apostou em André Almeida para a presente época.
A realidade é que é bastante difícil para os clubes da Liga Portuguesa segurarem os craques quando dão o salto, porque os gigantes europeus oferecem mais a nível financeiro e desportivo.
Naturalmente, os clubes holandeses podem também não conseguir segurar os seus jovens, mas o projeto de aposta na formação é sistemático e geralmente quando sai um, parece que já há um substituto para ocupar esse lugar de imediato. Mas há condicionantes, quando chega a hora de apostar na formação. Se por um lado será uma forma menos dispendiosa de conseguir bons jogadores, com muito trabalho, mas um custo mais baixo, demora algum tempo até conseguir formar um atleta de topo, quando o objetivo é ter sucesso imediato. Acrescenta ainda que o investimentos é incerto, podendo falhar.