Vários clubes tiveram de se refundar por causa de dívidas. Muitos deles estão nos distritais.
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No futebol português, há múltiplos exemplos de clubes que, nos últimos anos, foram obrigados, face a dívidas fiscais e outros problemas financeiros, a fecharem as portas e a refundarem-se com outros nomes, começando a competir nos escalões distritais à procura de nova glória. Foi a forma que encontraram para partirem do zero e sem dívidas.
Alguns casos são mediáticos pelo impacto histórico que os clubes tiveram a nível nacional. Um dos últimos emblemas a seguir este caminho foi o Clube Desportivo das Aves, ou, pela designação que agora leva nos distritais da A.F. Porto, Clube Desportivo das Aves 1930. Em 2018, o emblema avense escrevia a mais bonita página do historial, ao levantar a Taça de Portugal depois de uma vitória, por 2-1, diante do Sporting. Esse troféu, de resto, está neste momento em leilão, que termina nesta terça-feira. A oferta atual ultrapassa os 6500 euros. O caminho, começado do zero em 2020, é, agora, muito diferente.
"É um renascer das cinzas. Teve de se criar um clube novo, tudo em cima da hora, e começar na última divisão distrital. O Aves vai caminhando como pode, ainda está proibido de inscrever jogadores, inclusivamente nas camadas jovens, que é algo que me deixa muito triste. Estamos a tentar resolver o assunto", explica, ao JN, o presidente do clube, António Freitas. "Quando isto aconteceu já muitos sócios defendiam que o Aves devia começar de novo com uma camisa limpa", diz. Após a conquista da Taça de Portugal, a SAD liderada pelo chinês Wei Zhao começou a ter problemas financeiros e o montante de dívidas a 110 credores ascendeu a 17,1 milhões de euros. Não restou outra solução do que fechar as portas.
Quem vive situação semelhante é a Naval 1893 - surgiu após o fim da Naval 1.º de Maio - que atuou seis temporadas no principal escalão do futebol nacional, entre 2005 e 2011, e agora está nos distritais de Coimbra. Quando o clube, liderado pelo empresário Aprígio Santos, começou a ter problemas financeiros as dívidas fiscais ascendiam a 3,1 milhões de euros. "Foi uma grande luta e uma coragem incrível de todos os que lutam por este clube, todos os dias", afirma Joka Mateus, presidente do clube da Figueira da Foz, que revela os objetivos. "Meter todas as equipas de formação nos nacionais, manter as quatro estrelas de entidade formadora e, se possível subir para cinco, e ter as contas do clube em ordem".
Mas um dos primeiros casos de refundação foi o do Salgueiros, que em 2005, declarou insolvência - as dívidas ascendiam a 20 milhões de euros. Em 2008 foi refundado, sob o nome Salgueiros 08, mas em 2016 regressou à designação original: Sport Comércio e Salgueiros, que utilizou nas 24 presenças na Liga, a última em 2001/02. "O futebol sénior recomeça com o Salgueiros 08, e o Salgueiros continua com a formação. Entretanto, o Sport Comércio de Salgueiros faliu e o Salgueiros 08 recuperou o nome original", explicou, ao JN, o presidente Gil Almeida. Os objetivos são claros. "Voltar às competições profissionais e regressar à Liga, mas as casas não se começam a construir pelo telhado. Há que ter os pés bem assentes", salienta o dirigente.
União da bola para revier o legado
O caso mais recente é o do União da Madeira, agora revigorado sob o nome União da Bola. Depois de ter falhado dois jogos do Campeonato de Portugal em 2021, o clube, que conta com cinco participações no principal escalão do futebol nacional, foi impedido de participar em competições desportivas, como consequência dos regulamentos da Federação Portuguesa de Futebol, tendo renascido com novo nome no final de agosto. "O União da Bola Futebol Clube foi fundado com o intuito de fazer emergir o espírito unionista, honrar o legado e erguer o União da Bola, tendo por missão dar a esperança e alegria aos sócios e simpatizantes azuis e amarelos", pode ler-se, num comunicado que relança o emblema madeirense. O clube, de resto, já está registado na Associação de Futebol da Madeira e começará a competir na prova regional já esta temporada, mas com sonhos bem altos. "Sem cometer excessos, almejamos, num espaço de cinco anos, atingir o pleno da formação, iniciar a prática de novas modalidades e alcançar os Campeonatos Nacionais no futebol sénior", pode ainda ler-se, no comunicado que o clube divulgou em agosto. É assim mais um caso de um regresso de um clube que participou múltiplas vezes nas competições nacionais e que ambiciona voltar aos palcos mais altos do futebol nacional.
Estrela da Amadora acelera o regresso
Projeto aponta para regresso à Liga em dois anos.
Outro caso de refundação é o do Clube de Futebol Estrela da Amadora. Declarado insolvente em 2009, o clube reergueu-se em 2011 sob o nome Clube Desportivo Estrela, regressando às distritais da A.F. Lisboa. Em 2020/21, incorporou o Club Sintra Football, que estava no Campeonato de Portugal assumindo uma nome próximo do original: Club Football Estrela da Amadora, que atua agora na Liga 2.
"O CD Estrela foi o embrião de tudo. Eu tinha sido vice-presidente do Sintra e sabia que estava a passar dificuldades. Tentei juntar o útil ao agradável: juntámos o Estrela e o Sintra e começámos logo no Campeonato de Portugal", explica, ao JN, Paulo Lopo, presidente da SAD do Estrela da Amadora.
"É um caso que se espera que seja de sucesso, com uma massa associativa fantástica", acrescenta, revelando algumas novidades sobre o futuro do clube. "Temos um projeto para subir à Liga em dois anos. Estamos a requalificar o estádio e esperamos tê-lo pronto no jogo da Taça da Liga com o Benfica [19 de novembro]. Estamos também a falar com autarquias para encontrarmos uma solução para um centro de treinos", revela.
Clube e SAD também competem em simultâneo
Divergências com Sociedades Anónimas Desportivas levam clubes a inscrever equipas seniores nas competições amadoras.
Um caso inusitado no futebol português é o Belenenses. Tudo começou na temporada 2018/19, quando as duas entidades seguiram caminhos diferentes, após discórdia do clube sobre a gestão da SAD. A SAD mudou-se para o Jamor e continuou a atuar na Liga, tendo sido despromovida à Liga 2 na temporada passada, atuando sob o nome B SAD. O clube inscreveu-se nos distritais de Lisboa e cavalgou divisões, com quatro promoções consecutivas que deixam o emblema do Restelo a disputar a Liga 3 esta temporada.
O presidente do Belenenses, Patrick Morais de Carvalho, falou ao JN da situação atual do clube. "Se nós vivêssemos no país da Alice das Maravilhas, era um sonho extraordinário chegar à Liga em sete anos. Conseguimos quatro promoções seguidas, mas agora chegando à Liga 3, que é um campeonato muito competitivo, temos o objetivo de ficar nos quatro primeiros classificados, para evitar a descida de divisão", revela, abordando também a questão das SAD em Portugal, pedindo a criação de uma autoridade para analisar investidores no futebol.
Origem dos capitais
"Os clubes não têm capacidade de fazer uma radiografia correta dos investidores. Não conseguem saber a origem dos capitais. Tem que haver uma autoridade nacional, supra futebol, que publique um relatório para que os clubes em consciência possam ir às assembleias gerais e explicar quem são os investidores", atira.
Mais recentemente, e à espera de desenvolvimentos no processo Jogo Duplo, ligado a um caso de apostas desportivas, o Leixões Sport Club colocou uma equipa de futebol sénior nas divisões distritais da A.F. Porto. "Caso o clube sofra represálias por causa do processo em que está envolvido, tenho receio do que possa acontecer ao Leixões. Este projeto trata de garantir a continuidade deste emblema, honrando os pergaminhos", adiantou o presidente do clube Jorge Moreira, garantindo, ainda assim, que esta decisão "não é uma afronta à SAD". O clube do Mar tem assim uma equipa autónoma da SAD a competir na 2.ª Divisão da A. F. Porto.
A. F. ALGARVE
Quarteirense tem duas equipas
Na A. F. Algarve existe também um caso de separação entre a SAD e o clube. Trata-se do AD Quarteirense, que atua na 1.ª Divisão das competições distritais sob o nome de Quarteirense Futebol SAD, enquanto o AD Quarteirense 1937 milita no segundo escalão da referida associação - os símbolos do clube são praticamente idênticos. Ao que o JN apurou, foi mais um desentendimento entre SAD e clube que levou à separação, tratando-se agora de duas entidades sem qualquer tipo de relação.
Refundações
CD Aves 1930
Divisão de Honra da AF Porto
CF Estrela da Amadora
Liga 2
Canelas 2010
Liga 3
Salgueiros 08
Campeonato de Portugal
Felgueiras 1932
Liga 3
Maia Lidador
Divisão de Elite da AF Porto
Marco 09
Divisão de Elite da AF Porto
Emersinde 1936
Divisão de Elite da AF Porto
Vila FC
Divisão de Honra da AF Porto
Ribeirão 1968
Pro Nacional da AF Braga
Naval 1893
Divisão de Honra da AF Coimbra
União 1919
Divisão de Honra da AF Coimbra
Olímpico do Montijo
1.ª Divisão da AF Setúbal
Quarteirense 1937
2.ª Divisão da AF Algarve
Seixal Clube 1925
2.ª Divisão da AF Setúbal
União da Bola
1.ª Divisão da AF Madeira