Só alguns clubes conseguem verbas extraordinárias com as camadas jovens, mas todos procuram o novo diamante.
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Segundo dados recentes revelados na conferência sobre formação do jornal O Jogo, a transferência de talentos portugueses terá rendido mais de 1,2 mil milhões de euros aos clubes na última década. Só em 2022/23 terão encaixado mais de 252 milhões, o que comprova a importância que a formação adquire em Portugal. Mas estes são números válidos, em larga escala, para Benfica, F. C. Porto, Sporting, Braga, V. Guimarães e Paços de Ferreira, clubes que conseguiram ter numa, ou mais transferências, a "galinha dos ovos de ouro", que lhes alimentou os cofres e justificou o investimento na formação. A verdade é que para os restantes clubes, a peneira de talentos não pára e se não fossem os mecanismos de solidariedade que obrigam a pagar direitos de formação, em alguns casos, faria todo o sentido levantar a questão da viabilidade da formação.
Ainda que estejamos bem longe de um algoritmo matemático, ou se pondere uma gestão fora da caixa, o certo é que todos trabalham na esperança de descobrir uma pepita na formação. Ou, quando muito, formam para reduzir custos no plantel principal. "O objetivo é realizar receitas extraordinárias com a venda de jogadores formados no clube, mas também temos vindo a promover jovens à equipa principal, como o Mauro Couto, Vasco Sousa e Matchoi", explica José Pinto, coordenador da formação do Paços de Ferreira, que recebe direitos pela venda de Diogo Jota ao Liverpool.
No Boavista, o projeto passará sempre pela formação. "No plantel principal temos 30% de atletas formados em casa e o objetivo é aumentar esse número, se possível, já na próxima época", salienta, ao JN, Hugo Pacheco, coordenador das camadas jovens.
No caso do Leixões, a situação é mais complicada, porque a SAD não está obrigada a absorver ou reforçar-se com a formação do clube. "Além do mecanismo de formação, se houvesse uma percentagem nas vendas de jogadores formados por nós seria ótimo, mas não existe essa ligação entre clube e SAD", lamenta José Manuel Ferreira, coordenador da formação.
No Lourosa, as ideias são claras. "Tentamos formar para tirar proveito de algum que alcance o nível profissional", diz Ivo Sabença, o "homem forte" da formação.
Algoritmo dá resultados e bom retorno financeiro
Foi a necessidade que gerou a inovação no Brentford, que partiu de uma folha em branco para contrariar a supremacia dos maiores clubes ingleses no mercado interno, que lhes levava os jovens jogadores mais promissores todas as épocas. Josh Bohui e Carlo Poveda foram os últimos jogadores formados no clube que partiram para o Manchester United e Manchester City, respetivamente, por verbas irrisórias, a rondar os 10 mil euros cada um.
Em 2016, o modelo alterou-se, o Brentford fechou a formação e manteve apenas uma equipa B, feita de jogadores dos 17 aos 23 anos. Uns são jogadores "rejeitados" pelos maiores emblemas ingleses, outros são provenientes do estrangeiro e correm atrás do sonho de jogar na Premier League, mas todos têm potencial para alimentar a equipa principal, ou para serem transferidos com lucro.
O segredo está num algoritmo desenvolvido pela SmartOdds que o dono do clube, Matthew Benham, detém e que fornece uma série de dados estatísticos que permitem analisar os jovens com melhor rendimento para as posições desejadas. De então para cá, compraram Said Benrahma ao Nice por 1,7 milhões de euros e venderam-no ao West Ham, em 2018, por 23 milhões. Deram 7 milhões ao Exeter por Ollie Watkins, em 2017, e transferiram-no para o Aston Villa por 34. Neal Maupay veio do Saint-Étienne por 2 milhões e saiu para o Brighton por 22. Graças ao "Big Data", 74 anos depois, o clube voltou à Premier League e é 9.º classificado.
Modelo a ser replicado
Na Alemanha, um modelo baseado num algoritmo semelhante ao do Brentford também promete mudar a gestão do Hoffenheim. O Midtjylland é outro emblema adquirido por Benham e gerido com o mesmo modelo e de então para cá já foram campeões três vezes.
Entrevista
Em Portugal, a formação ainda continua a ser o melhor caminho
Vê algum clube português recorrer, um dia, a um algoritmo e fechar a formação?
Em Portugal, os clubes fazem formação porque são subsidiados pela Federação Portuguesa de Futebol, ou seja, são pagos para isso. Acredito que o melhor caminho continua a ser a formação, ainda é um risco aceitável, e nos últimos anos vimos Benfica e F. C. Porto vender vários jogadores da formação por valores recorde.
Como funciona esta nova via em que o Brentford vem apostando com sucesso?
Estamos a falar de clubes adquiridos por investidores americanos, russos e árabes, que olham para os clubes numa perspetiva de números, sem sentimento social. O Matthew Benham, acionista do Brentford, vem da área da informática, da inteligência artificial e das startups e chegou à conclusão que não valia a pena investir na formação, porque aos 15 anos os maiores clubes limpavam-lhes os jovens mais promissores. Preferiu poupar o dinheiro da formação, criou um algoritmo que lhe fornece dados sobre os jovens mais promissores que são rejeitados pelos outros clubes, criou uma equipa B e tem rentabilizado melhor a sua gestão, alimentando a equipa principal e feito boas transferências.
Como olha para os clubes que estão a enveredar pelo mesmo caminho?
Na perspetiva de quem compra e quer resultados, questionam-se as razões de um investimento na formação se ela não é rentável. No caso de clubes com direitos televisivos que lhes garantem orçamentos de 120 milhões de euros, sem obrigação de formar, poupam esse dinheiro para investir em jogadores com potencial para uma boa transferência. O Hoffenheim já se baseia, em parte, num algoritmo e numa aplicação, a CUJU, que lhes fornece uma série de dados sobre jogadores. É uma questão de rentabilizar o mais rapidamente possível o investimento.