Em dia de Sporting-F. C. Porto e antes da estreia dos dragões na Champions, em Madrid, o JN entrevistou Paulo Futre, um dos melhores jogadores portugueses de sempre, que foi formado em Alvalade na década de 1980, atingiu a glória nos dragões e deu cartas no futebol espanhol, ao serviço do Atlético. Como sempre, foi uma conversa sem filtros.
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Mesmo à quinta jornada, este Sporting-F. C. Porto já é um jogo com muita relevância nas contas do campeonato?
Já se sabe que um campeonato não é como começa, mas como acaba. Mas claro que será um jogo com peso, para depois se fazerem as contas na parte final, sem esquecer o confronto direto. À parte dos pontos que estão em jogo, um clássico conta sempre muito mais. Em Portugal, só temos seis grandes jogos, daqueles que param o país, e este é um deles.
Vê alguma das equipas mais forte do que a outra neste início de temporada?
Para mim, o campeonato começa agora. Aliás, os campeonatos só deviam começar depois do fecho do mercado. As primeiras jornadas, com o mercado aberto, são uma loucura. Os jogadores não sabem se ficam, se não ficam. Alguns estão com a cabeça mais fora do que dentro. Há muitos que ainda nem sequer jogaram. O F. C. Porto podia ter ganho na Madeira, o Sporting também podia ter ganho em Famalicão, o Benfica vai à frente, mas agora, com os plantéis fechados e os jogadores de cabeça limpa, é que tudo vai começar.
Sarabia é um reforço de peso para o Sporting?
Sem dúvida. É daqueles jogadores esquerdinos que eu pago para ver jogar. Ainda por cima, está na idade ideal. No meu tempo, dizia-se que um futebolista estava no auge aos 29 anos. Hoje é aos 35......O Sarabia está num grande momento. Em 2018, chegou a ter uma cotação de 40 milhões de euros. Só os grandes craques chegam a estes números. Penso que ele e Luis Díaz são agora os jogadores mais cotados em Portugal. Só por aí, vemos logo de que tipo de jogador estamos a falar.
O facto de o clássico se seguir a uma paragem das seleções terá uma influência grande?
Se alguns dos melhores jogadores não estiverem, claro que terá influência. Estas datas FIFA são de loucos e depois quem paga são os clubes. Talvez o F. C. Porto seja mais prejudicado desta vez, sobretudo porque os dois colombianos, Uribe e Díaz, jogaram pela seleção menos de 48 horas antes do clássico. Com viagem e tudo, eu não acredito que alinhem de início. Talvez entrem na segunda parte. Será o Sérgio Conceição a decidir, depois de falar com os médicos.
Mesmo assim, não aponta o Sporting, que é campeão e joga em casa, como favorito?
Não. Para mim, nestes jogos, não há favoritos. Já quando jogava pensava assim. Mesmo que uma equipa esteja muito mal a nível de resultados e animicamente, nestes clássicos, quando o árbitro apita, esquece-se tudo. Eu vivi as duas situações. Houve vezes em que pensava que ia golear, porque achava que o rival estava de rastos, e perdi. Mas houve outras em que pensava que ia levar três ou quatro e acabei por ganhar.
Como é que os jogadores sentem estes jogos? São mesmo diferentes dos outros?
Não têm nada a ver. Quando estava no Atlético de Madrid, no jogo anterior ao dérbi com o Real Madrid eu jogava com cuidado para não me lesionar. Quinze dias antes eu já estava a pensar no dérbi, mesmo que houvesse outro jogo pelo meio.
Os treinadores costumam dizer que a preparação é igual e que os jogos são todos encarados da mesma forma...
Sim, mas nestes clássicos, a nível de motivação, os treinadores nem precisam de fazer nada. Toda a gente sabe o que está em jogo. A nível mediático, um jogo destes não tem nada a ver com aqueles em que se está a jogar contra uma equipa pequena. Os jogadores sabem que todo o país está a ver.
Que opinião tem sobre a polémica do cartão do adepto?
É um tema polémico, que cabe ao Governo resolver. A Polícia sabe quem são os membros das claques. Não tenho uma opinião bem formada ainda. Eu sou 100% a favor das claques, mas sabemos que há lá dentro algumas maçãs podres que têm de ser anuladas, como em todo o lado. O Sporting e o F. C. Porto têm claques oficiais, o Benfica também as tem, não tenho dúvidas. O que eu sei é que, sem claques, o futebol perde beleza.
Há algum Sporting-F. C. Porto que recorde de forma especial?
Sim. O primeiro que fiz pelo F. C. Porto em Alvalade, em 1985, foi espetacular. Empatámos 0-0 e mantivemos o primeiro lugar, mas podíamos ter ganho porque falhámos vários golos. Para mim, não foi nada fácil. Tinha 18 anos e foi um teste à pressão que sentia. Lembro-me de pensar que, se passei com nota alta, então estava preparado para tudo. Fiz um grande jogo. Quando tocava na bola, imaginem como era. Até laranjas me atiraram. No ano seguinte, ganhámos em Alvalade com um golo do Celso. Nas Antas, a minha única derrota em três épocas foi com o Sporting, em 1987, numa meia-final da Taça de Portugal, antes de sermos campeões da Europa.
Num grupo muito difícil da Champions, o F. C. Porto tem logo um teste de fogo na estreia, diante do Atlético de Madrid...
Antes de sair o Milan, vi o Liverpool e disse que o Atlético e o F. C. Porto iam passar. É o que eu quero. O Atlético pode bater qualquer equipa, mas o F. C. Porto também pode. Vimos isso na época passada com o Chelsea. Com uma pontinha de sorte, tinha ido às meias-finais. Com Sérgio Conceição, sabemos que a equipa vai dar uma luta tremenda. É sempre até à última gota. Tem esta mentalidade, que é a do treinador. O Atlético pode ser favorito, mas por pouco.
O Atlético pode estar mais avisado pelos jogos que o F. C. Porto fez na época passada?
Nem é preciso. Estas equipas conhecem-se todas bem. Não sei se é a primeira vez que se enfrentam, mas estas duas feras [Simeone e Conceição] são dois campeões. Foram feitos noutra página, a nível de mentalidade, de ambição, de luta. Foram eles o motor da Lazio, quando foram campeões de Itália. Eles conhecem-se melhor do que ninguém. Simeone sabe como são as equipas do Sérgio e vai dizer aos jogadores do Atlético que, mesmo a ganhar 2-0 a cinco minutos do fim, o jogo não está resolvido.
São dois treinadores parecidos?
A nível de caráter, eles são o que foram como jogadores. Taticamente, haverá coisas diferentes, mas na raça claro que são muito parecidos. São equipas capazes de sofrer, de ir atrás, de morder os adversários, para depois acabarem por ganhar os jogos. Mesmo que o adversário tenha mais bola, morrem dentro do campo para vencer.
Arrisca dizer que o Atlético é a melhor equipa espanhola?
Não consigo dizer isso e nunca o poderei dizer, estando o Real Madrid e o Barcelona no mesmo campeonato. Apesar de o Barça estar numa crise financeira, ainda tem o dobro do orçamento do Atlético. O do Real todos sabemos como é.
Neste jogo, espera uma abordagem diferente do F. C. Porto?
É uma boa pergunta. Se tivesse de apostar, diria que o Sérgio não vai mudar o esquema habitual.
Será um jogo equilibrado?
O Atlético quer começar bem, o F. C Porto também e um empate pode ser bom. O Sérgio deve estar a pensar em ganhar os jogos em casa e talvez uma das motivações seja somar já um ponto fora. Neste grupo, dez pontos dão para passar. Pode ir por aí, porque, conhecendo-o, não acredito que em casa pense que não vai ganhar, seja ao Atlético, ao Liverpool, ao Milan ou ao Real Madrid. Na cabeça dele, em casa é para ganhar e, em Madrid, um empate não será mau.
Estes jogos da Champions também mexem com os jogadores?
Claro. Estão na grande montra. Provas europeias é outra história. Os jogadores do Atlético já estão onde querem e os do F. C. Porto sabem que, com boas exibições, podem fazer um grande contrato e resolver a vida deles, a dos filhos e a dos netos. São jogos que dão prestígio e a nível económico são oportunidades únicas.
Nessa montra, quanto valeria agora o Paulo Futre no auge?
Tirando da equação o Messi e o Ronaldo, dois extraterrestres, eu estaria ali no top, talvez ao nível do Mbappé, do Neymar. Em 1987, fui a segunda contratação mais cara de sempre [400 mil contos na moeda antiga], só atrás do Maradona, que tinha para o Barcelona, por 600 mil. Já era uma loucura.
A final de 1987 foi o melhor jogo que fez nas provas europeias?
Foi histórica e fez-me ser conhecido em todo o lado, mas meto nessa lista a 1.ª mão da meia-final com o Dínamo Kiev, a 2.ª mão dos oitavos com o Viktovice e, na época anterior, a 2.ª mão da eliminatória com o Barcelona, que o F. C. Porto venceu 3-1, mas foi afastado porque tinha perdido 2-0 fora.