Atletas do Gondomar Cultural pagam para jogar, mas subiram à 1.ª Divisão.
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Piscina Municipal de Rio Tinto. São 21 horas e o treino começa dentro de 15 minutos. É o momento de colocar as balizas na água, esticar a rede, fazer as marcações do campo e ir buscar as bolas. "Se formos organizados, é um processo que demora apenas cinco minutos", informa João Machado.
João, 30 anos, de sorriso fácil e próprio de quem gosta daquilo que faz. Para ele, o dia já vai longo. "Começou às oito horas porque dou aulas de Educação Física em infantários e escolas. Às 17 horas chego à piscinas. Aqui dou aulas de natação e treino também os escalões de sub-20 e sub-18 de polo aquático do Gondomar Cultural". Com o dia a acabar é tempo de dedicar-se aos seniores, onde é jogador e também treinador desde o início desta época. "O Queirós [antigo técnico] teve de sair antes da temporada começar por problemas de saúde de um familiar", conta. Mas João Machado saiu-se bem na nova função que lhe foi confiada, pois oito anos depois o Gondomar Cultural subiu à 1.a Divisão, após ter sido terceiro classificado no segundo escalão.
Nos 15 minutos que faltam para o treino começar, os jogadores vão saltando para a piscina a conta-gotas. "Nem todos conseguem chegar a horas ao treino. Temos um companheiro que tem dois empregos, trabalha por turnos e não consegue vir sempre. Temos outro que treina no Algarve, porque está lá a trabalhar, e tenta conciliar as folgas para vir jogar. Normalmente, só no dia de treino sei com quantos atletas vou contar. É normal. Mas, num grupo de 19 jogadores, tenho uma taxa de assiduidade de 80 por cento. É aceitável", diz, consciente dos sacrifícios que todos fazem. "Temos estudantes que saem da piscina às 23.30 horas e que no dia seguinte acordam às 6.30 porque têm aulas às oito horas", exemplifica. É assim de segunda a sexta-feira. Os jogos, por norma, são ao sábado à tarde.
Mas os sacrifícios não se esgotam aqui. "Temos um plantel muito jovem. Em 13 convocados há cinco com idade sénior e os restantes são sub-20, sub-18 ou sub-16 e os pais são fundamentais. Nos jogos fora, as deslocações são em meios próprios e à conta deles. É o verdadeiro pagar para jogar e sem esse apoio o barco não andava", revela. Esta época, o barco andou no rumo certo, com a subida de divisão. "Ainda temos de comer muita sopa para chegarmos à fase de apuramento de campeão na primeira divisão, mas estaremos prontos para tentar a manutenção", atira.
São 21.15 horas e o treino começa sem a presença de todos... como é habitual. "É muita carolice, mas temos uma enorme paixão pelo polo aquático. É o que nos move"!
Engenho para morar em Faro e jogar no Norte
Nuno Mota tinha 15 anos quando começou a jogar polo aquático no Gondomar Cultural. Hoje tem 30 anos, reside em Faro, onde é médico no internato de Fisiatria, e por isso há mais de 450 quilómetros a separá-lo do clube. A distância não o deixa treinar com os companheiros, mas continua a sentir-se uma peça importante. "Em Faro trato da parte física e tento ir ao maior número de partidas possível, marcando as idas a casa em datas em que haja jogos. Por ser dos mais velhos numa equipa muito jovem, tenho a missão de ajudar no que puder".
Foi com 24 anos que Nuno deixou Gondomar e se mudou para Faro para tirar o curso de Medicina. Aí, sentiu dificuldades para conciliar tudo e deixou a modalidade "durante dois ou três anos". Uma oportunidade profissional no Porto fê-lo voltar a tempo inteiro ao polo aquático e ao Gondomar Cultural, mas no ano passado regressou ao Algarve, desta vez para Portimão. Durante uma época representou o Portinado e quis o destino que jogasse contra o Gondomar Cultural na eliminatória de atribuição do quinto e sexto lugares da 2.a Divisão. "Marquei dois golos, mas não festejei nenhum. E foi muito bom ver a claque do Gondomar, que era adversária, cantar o meu nome quando fui substituído", recorda.
Na época finda, Nuno voltou a representar o Gondomar Cultural, apesar de continuar a viver no Algarve. "De setembro a dezembro, enquanto estava em Portimão, treinava no Portinado e jogava pelo Gondomar. Mas em janeiro voltei para Faro e não dava para ir aos treinos. Curiosamente, garantimos a subida de divisão contra o Portinado, o clube que me acolheu. Voltei a marcar dois golos e também não festejei. Fiz amigos lá, ofereceram-me um cachecol quando lá fui como adversário e sempre me trataram bem. São gestos que nos dão força para continuar na modalidade", diz.
Ter sucesso com poucas horas de sono
O grosso da equipa sénior do Gondomar Cultural é composto por jogadores dos 18 aos 20 anos. São idades propícias a mudanças de hábitos e interesses, proporcionadas, por exemplo, pela entrada no Ensino Superior ou saídas para diversão noturna.
Gonçalo Moura e Cláudio Bastos são dois exemplos na forma como conciliam o desporto, estudos e diversão. Ambos entraram no mundo do polo aquático pela porta do Gondomar quando tinham 10 anos. Hoje têm 18 anos e cumprem o primeiro ano letivo na faculdade. Gonçalo está no curso de Enfermagem e Cláudio no de Desporto, mas são presenças assíduas nos treinos das equipas sénior e sub-20, pois têm idade ainda para jogar nos dois escalões.
"Se gostarmos realmente do que fazemos, arranjamos sempre tempo. Por norma, estudo durante o dia e depois venho à piscina treinar duas horas. Saio tarde e acordo cedo, mas é preciso saber lidar com isso. Até hoje nunca pensei em desistir. No futuro, dependendo daquilo que o curso exija de mim, logo se verá", afirma Gonçalo, "orgulhoso pela época dos seniores que culminou com a subida à primeira divisão".
Cláudio admite que "se concilia muito bem" o polo aquático com os estudos. "Dorme-se pouco, mas quem gosta consegue adaptar-se. Além disso, no início da temporada são estabelecidos objetivos coletivos e durante a época temos esse facto bem presente, pois dependemos uns dos outros e isso faz com que o empenho de todos seja ainda maior", conta.
O facto do polo aquático ser um desporto pouco mediatizado e de serem precisos esforços físicos e financeiros para praticá-lo não esmorece a paixão pela modalidade. "Quando entrei foi amor à primeira vista. Quando assim é, é difícil sair", resume Gonçalo.