O entra e sai constante de barcos e remadores aos primeiros raios de sol e ao entardecer tingem das mais variadas cores as águas do rio Douro junto a Gramido, Gondomar, local onde se situam as instalações de uma das mais emblemáticas instituições náuticas: o Clube Naval Infante Dom Henrique.
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Uma história de ligação umbilical à água que se conta ao longo de mais de 90 anos (foi fundado a 4 de julho de 1925), primeiro no remo, polo aquático e natação e, mais tarde, no basquetebol, pesca desportiva e ténis de mesa.
E foi no rio e de remo em punho que o clube se fez, cresceu e ganhou prestígio. Seguiram-se as conquistas nacionais e internacionais e as medalhas e, depois, as instalações condizentes com o estatuto do clube. Hoje conta com quase 200 atletas e ostenta o título de hexacampeão nacional da modalidade.
"É evidente que ter boas condições para a prática da modalidade é mais agradável e, tal como os troféus, ajudam a chamar atletas. As obras do Polis na zona ribeirinha e as instalações que temos dão-nos muita visibilidade, pois as pessoas passeiam muito junto ao rio Douro e o remo passou a ser mais conhecido e as pessoas aderem com mais frequência", reconhece Ildeberto Ribeiro, presidente da direção e ex-remador.
Desporto muito exigente a nível físico e muito técnico, segundo o dirigente, "o remo exige uma elite de atletas dedicados e abnegados". "Para ter rendimento, o atleta de alta competição precisa de apurar a técnica e isso faz-se com treinos bidiários, às vezes às seis da manhã e ao final da tarde", salienta o presidente, completando: "São amadores, mas muitos treinam mais do que muitos profissionais de outras modalidades".
Uma das características da modalidade é ser bastante eclética. "Temos atletas de todas as idades, classes sociais e profissões. Apesar de estarmos a lidar com material muito caro, mesmo na iniciação, não é um desporto elitista. Até porque remar aqui custa 18 euros por mês. Paga-se muito mais nos futebóis e ginásios", anota Ildeberto Ribeiro.
E nem o desporto adaptado fica de fora desta diversidade. "Embora a natureza do clube seja a desportiva e de competição, no Infante há espaço para outras formas de desporto, como o remo adaptado", acrescenta o presidente, explicando que o clube só consegue manter o nível que tem "devido aos patrocínios e apoios".
Centro de estágio procurado por clubes estrangeiros
Além de um hangar, balneários, ginásio, tanques de treino e máquinas de remo indoor, as instalações do Infante estão equipadas com um centro de estágio, com capacidade para 42 atletas.
"Quando surgiu a oportunidade de se construir um centro de desportos náuticos, batemo-nos desde o princípio, e a Câmara Municipal foi capaz de nos apoiar nessa ideia, por não fazer apenas um hangar de barcos e balneários", recorda o dirigente, anotando que o espaço serve, não só o clube que dirige, mas também outros emblemas.
"Fazemos estágios para os nossos atletas, sobretudo nas épocas de férias e fins de semanas, mas também recebemos equipas estrangeiras, sobretudo do norte da Europa, durante o inverno, pois nos países deles não têm condições para praticar remo e vêm fazer estágios de uma a duas semanas, pois temos um clima que propicia a prática todo o ano", finaliza Ildeberto Ribeiro.
Ritmo de treinos exigente
No remo, um atleta de alta competição não chega ao topo de um momento para o outro. São precisos vários anos de treinos intensos e muitos calos nas mãos para se obterem os resultados desejados. Que o diga Adriano Neves, ex-remador do Infante e atual treinador do escalão de juvenis, que conta no palmarés com mais de 30 títulos nacionais.
"Não é um desporto fácil, é duro, mas nem só os rijos vêm para o remo. A maior parte entra com 10 anos, com essa idade ninguém é rijo, vêm para brincar. Compete-nos encaminhá-los para a competição para darem o melhor de si. Nem todos vão ser campeões, mas têm de gostar do que fazem. Se não gostarem, nunca vão progredir", ressalva o técnico, que está há 18 anos ligado ao clube e à modalidade.
E Adriano Neves explica ao JN os vários tipos de treino: "Há os de coordenação, de técnica e físicos. Em termos de capacidades motoras e coordenativas a base é igual para todos os escalões e ajuda-os a mais tarde terem uma boa estrutura física para conseguirem treinar mais. A nível físico o treino é gerido de acordo com as capacidades de cada um, para continuarem a evoluir".
"Alguns dão saltos de crescimento muito grandes e temos de alguma maneira gerir esse crescimento sem os prejudicar e fazendo-os evoluir. Cada atleta tem o seu ritmo de crescimento e temos de adaptar os treinos a isso. É um processo evolutivo", salienta o treinador.
Com sessões de trabalho de hora e meia, seis dias por semana, Adriano Neves refere que a maior dificuldade dos jovens atletas é a gestão do tempo. "Às vezes é muito difícil conciliar os estudos, aulas e treinos. Por isso temos de os ajudar a organizar esse tempo", acrescenta.
Tempo difícil de gerir
Uma dificuldade que aumenta quando chega a altura de entrar para a faculdade ou no mercado de trabalho. Sandro Silva, 34 anos, remador do Infante desde os 10, sente isso na pele diariamente.
"Temos uma tripulação de oito pessoas mais o timoneiro, ou seja nove pessoas. É difícil conciliarmos os horários de todos, pois uns trabalham e outros estudam. Sou personal trainer, entro ao trabalho às 7 da manhã e saio muito tarde. Tento treinar todos os dias e quando nos juntamos acaba por ser ao final do dia ou de manhã cedo, às 5.30 ou 6 horas", conta o remador. Ainda assim, o shell de 8 do Infante logrou conquistar o título nacional de fundo no campeonato que decorreu no início do mês.
"O remo ajudou-me a ter mais disciplina e organização e mais método de estudo. Como não sobra tempo para tudo, há que chegar a casa e ser rápido a estudar para ter algum rendimento escolar. Consegui estar na seleção nacional, entrar para a faculdade e fazer a licenciatura. Nem todos conseguem conciliar tudo, mas se quiserem podem fazê-lo", anota Sandro Silva.
Passados 24 anos desde que se iniciou na modalidade, o atleta diz que a paixão continua a mesma: "O remo é um desporto humilde, que não tem muita visibilidade, mas é bastante duro. Só poucas pessoas conseguem perceber a beleza e a paixão que ele desperta. Todos os que praticam, gostam e ficam longos anos. A maior parte dos meus colegas já faz remo há bastantes anos, estou eu aqui, mas podia estar qualquer um".
O único lamento deste atleta é a falta de apoios. "No meu tempo de estudante, não havia nenhuma benesse em sermos atletas de alta competição. E o apoio a nível escolar e da parte do governo fazem falta, em especial no ciclo olímpico", atira Sandro Silva, para finalizar: "Se houvesse um maior apoio teríamos mais atletas e uma continuidade. Até aos escalões de juniores conseguimos ter provas com medalhas e títulos, mas infelizmente chegamos a seniores e temos muito poucas pessoas a praticar".
Primeiro estranha-se, depois entranha-se
Em fase de enamoramento com a modalidade está a jovem Mafalda Ferreira, de 16 anos. "Estive nas férias desportivas no remo e gostei imenso e quis experimentar e já cá estou há dois anos", conta a remadora juvenil, que já participou em nacionais, embora ressalve que ainda está "a aprender".
"O remo no início foi uma experiência estranha, pois era algo novo. Pensava que era só movimento de braços ou de pernas, mas deparei-me com uma realidade completamente diferente. É diferente do desporto que praticava antes, que era ginástica acrobática. Mas é incrível estarmos todos unidos e em sintonia para o ritmo da remada ser coordenado", confessa Mafalda Ferreira, reconhecendo que a atividade desportiva anterior a ajudou na "preparação física".
"Quando cheguei aqui não foi como se tivesse começado do zero, já tinha força e ajudou-me também no equilíbrio no barco", salienta a jovem, anotando que a única similaridade que encontra entre os dois desportos é o facto de ter uma equipa que depende dela. "Se faltar aos treinos vou prejudicar as minhas colegas, mesmo que a outra continue a treinar, o barco não vai andar a um ritmo normal", justifica Mafalda Ferreira.
Rio que tira e dá liberdade
Embora more paredes meias com o rio Douro, o remo só surgir na vida de Hugo Moreira há cinco anos, quando uma colega lhe contou que o Infante ia ter remo adaptado. Tetraplégico desde agosto de 1999, após um mergulho mal calculado, em dia de maré baza nessas águas que tão bem conhecia, e que lhe provocou fraturas das vértebras C5 e C6, viu no desporto a possibilidade de se soltar das amarras que o prendem a uma cadeira de rodas desde os 20 anos.
No centro de reabilitação em que esteve após o acidente aprendeu a jogar andebol e râguebi em cadeira de rodas, mas foi no rio, mesmo a poucos metros do local onde perdeu a mobilidade que voltou a sentir-se livre.
"No rio não temos degraus, nem rampas com bastante inclinação. Aqui somos iguais aos outros", atira Hugo Moreira, apontando várias melhorias desde entrou pela primeira vez no barco: "A nível físico ajuda-me muito, pois se estiver parado, o que recuperei de mobilidade perto em muito pouco tempo. Assim é uma forma de estar sempre ativo, não perder o que já ganhei e ganhar um pouco mais, o que me ajuda nas minhas atividades diárias. O remo funciona como uma terapia suplementar".
"Para além da liberdade, o remo dá a sensação de que estar a melhorar a capacidade física e que se consegue fazer mais coisas, não só no barco, mas também na vida diária, como ganhar equilíbrio e forças", complementa Hugo Moreira.