"Vou-te apanhar sem farda" não passa de "mera bazófia inconsequente", alega procurador que arquivou queixa.
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Um procurador da República do Tribunal de Paços de Ferreira concluiu que a afirmação "vou-te apanhar sem farda" dirigida a um militar da GNR não é mais do que "uma mera bazófia inconsequente" e não pode ser encarada como crime de ameaça. Também a expressão "és um boneco" não configura crime de injúria, porque os polícias estão sujeitos a maior escrutínio e crítica. Sobretudo se tudo acontecer durante um jogo de futebol. Com esta argumentação, foi arquivada uma queixa apresentada pela GNR contra um adepto envolvido em confrontos no final do desafio entre o Freamunde e o Tirsense.
A partida decorreu em março, quando simpatizantes das duas equipas se envolveram numa altercação que obrigou à intervenção da GNR de Freamunde. Já com os adeptos separados, cerca de 20 pessoas afetas ao clube da casa insultaram os guardas. Uma foi identificada e alvo de queixa por ter afirmado, em direção a um dos militares, "vou-te apanhar sem farda" e "és um boneco".
O adepto foi constituído arguido, confessou, mas não foi acusado de injúria e ameaça. Isto porque, para o Ministério Público, da expressão "vou-te apanhar sem farda", só por si, não resulta na "na prática de um crime contra a vida, a integridade física". "A única conclusão que podemos extrair das diligências realizadas é que o sentido da referida expressão não se tornou líquido, sendo a mesma vaga, podendo significar uma mera bazófia inconsequente, um súbito assomo de ira ou, quiçá, que o arguido pretendia conversar noutra ocasião como o ofendido, mas não necessariamente para atentar contra a sua vida ou integridade física", alega.
O magistrado defende, também, "que é pacificamente aceite que existem determinadas entidades ou pessoas singulares que, pelos cargos que ocupam ou funções que exercem, estão sujeitas a um maior escrutínio e crítica por parte dos cidadãos". É o caso do "pessoal das forças de segurança, órgãos do Governo ou até mesmo os próprios magistrados em geral". "Cremos que a referida expressão [és um boneco], no circunstancialismo em que foi proferida, não se afigura suficiente para fazer com que o arguido incorra na prática de um crime de difamação", conclui.
Guardas contestam arquivamento
A Associação de Profissionais da GNR (APG) critica o arquivamento. "Enquanto cidadão e protegido pela Liberdade de Expressão, onde se inclui o direito de crítica, e protegido pelo Artigo 37.° da Constituição da República Portuguesa e do Artigo 10.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no qual se traduz o direito de me exprimir e divulgar livremente o pensamento, digo: a Justiça é uma merda. Mesmo que esse juízo tenha grande amplitude e permita que se emitam juízos desfavoráveis e críticos à Justiça", refere Paulo Pinto, coordenador da região Norte da APG.