O ciclista de Viana do Castelo, Iúri Leitão, foi o convidado desta sexta-feira nas Conversas com Campeões, do jornal "O Jogo", e recordou as duas medalhas que conquistou em Paris 2024, a prata no Omnium e o ouro no Madison, aqui em dupla com Rui Oliveira.
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“O sonho era ser ciclista olímpico, como o de qualquer atleta. Chegar a uns Jogos é muito complicado e representar a nossa nação é sempre um objetivo. Quando me juntei à seleção de pista e vi que isso era exequível, dei tudo o que tinha para o conseguir. Não sabia o que esperar os Jogos, mas superou as melhores expectativas. É difícil explicar, mas o ambiente é diferente, foi a primeira vez que senti o que é o olimpismo. Claro que há pressão, mas há alegria, leveza dentro da aldeia olímpica”, recordou Iúri Leitão, antes de recordar uma história engraçada que aconteceu na véspera de se sagrar vice-campeão olímpico em Omnium.
“O dia antes da prova é extremamente importante e esqueci-me dos sapatos no quarto. Só temos um espaço de tempo, normalmente de uma hora, para treinar e demorava mais do que isso para voltar à aldeia. Tive a sorte de uma alma caridosa, um amigo japonês, me emprestar os sapatos e foi assim que treinei”, revelou.
“Sabíamos que eu estava na melhor forma da minha vida, mas o momento era de dúvida porque nunca se sabe onde se pode chegar. Começamos com um sétimo lugar e tudo bem, porque o objetivo mínimo era o diploma olímpico. Fiz segundo em “tempo”, depois fui eliminado injustamente – com uma queda que me partiu a roda da frente – na corrida por eliminação e entrei em boa posição, no terceiro lugar, para a última corrida. A perspetiva era defender esse posto e ficámos muito felizes por ainda conseguir chegar à prata”, detalhou.
Valores morais em vez do ouro
Durante esse último evento do Omnium, Iúri Leitão teve a oportunidade de atacar o principal rival, o atleta francês, depois de este ter sofrido uma queda, mas os valores morais falaram mais alto.
“Acho que fiz o que estava certo, foi o que me disse o instinto, porque quando estás com 190 pulsações por minuto tens de confiar nisso. Os nossos valores e a ética acabam por vir ao de cima e se tivesse tomado outra decisão acho que não estaria aqui tão orgulhoso. A queda dele atrasou os planos que eu tinha para o atacar, mas aquele não era o momento para o atacar”, defendeu.
O certo é que a atitude do português lhe valeu o prémio fair-play do Comité Olímpico. “Admito que não estava à espera de receber um prémio de ética desportiva, até porque o ciclismo de pista é algo agressivo. Foi surpreendente, mas fiquei muito orgulhoso”, comentou.
A chegada à aldeia olímpica ficou marcada pela celebração com o companheiro de quarto, Rui Oliveira, mas a festa não pôde durar muito porque dois dias depois tinha lugar a prova de Madison em que fez dupla com o sprinter da UAE.
“Fomos ao ouro com muito sangue frio e crença na capacidade física e no desfalecimento dos adversários. Foi a prova mais rápida da história, acima dos 60 km/h de média. Chegámos à parte final e, como não gastámos energia no início, fizemos a diferença nas últimas voltas. Ganhámos os últimos quatro ou cinco sprints. Não paramos até dobrar o pelotão, subimos à liderança, mas a diferença era curta. Só tínhamos dois e quatro pontos de avanço e o último sprint vale 10. Ainda fomos dar a volta de avanço e, aí sim, fiz a volta da minha vida. Acho que teve mais a ver com superação psicológica do que de capacidade física. Atingimos os 75km/h na última volta”, lembrou.
Agora, Iúri Leitão quer aproveitar os anos de 2025 e 2026 para se destacar no ciclismo de estrada ao serviço da equipa espanhola Caja Rural e os Jogos Olímpicos de Los Angeles de 2028 não são uma prioridade.
“Não é isso que está na minha cabeça. Convém lembrar que nenhum homem da seleção nacional se conseguiu qualificar para Tóquio, só foi mesmo a Tata [Maria Martins]. De não qualificados passamos a bi-medalhados e não sabemos o que vai acontecer agora. Quatro anos é muito tempo, a única coisa que podemos prometer é trabalhar com a mesma ambição para conseguirmos chegar lá e lutar pelas medalhas”, assegurou.