O treinador português Jorge Jesus deu esta quinta-feira uma entrevista ao Canal 11, na qual falou sobre a eliminação da Champions, como aceitou o convite do Fenerbahçe e da carreira.
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"Sabia que a eliminatória era difícil porque conhecia o Dínamo da Champions do ano passado, quando estava no Benfica, era uma equipa forte com seis titulares na seleção da Ucrânia. O primeiro jogo correu bem, podíamos logo ter vencido e ontem [quarta-feira] também estava a correr até à expulsão. A partir daí, tudo mudou com menos um jogador. Na Champions torna-se mais difícil porque as equipas sabem ter superioridade numérica. Achávamos que tínhamos competências para passar, fomos melhores até ao minuto 53", começou por analisar o treinador luso, anotando, contudo, que a Liga dos Campeões não era o principal foco do clube.
E prossegue: "Não é este o nosso objetivo, não me convidaram para treinar o Fenerbahçe pela Champions, mas era bonito uma vez que não tem muita experiência na prova. Há vários anos que nem vai as eliminatórias. Era bonito para o clube e para mim passar à próxima fase. O nosso grande foco é o campeonato da Turquia apesar de termos eliminatórias da Liga Europa".
Jorge Jesus mostrou-se agradado com o apoio do público. "São 30 milhões de adeptos, a Turquia é um país enorme e de facto eles são quentes na forma como se expressam pelo apoio à equipa. Ontem [quarta-feira] foi primeiro jogo que fizemos no nosso estádio e sentimos o calor e a forma como no fim do jogo perceberam que apesar de sermos eliminados, nos aplaudiram. Só tinha de ser assim, ficando orgulhosos", salientou.
O técnico luso explicou como aceitou o convite para treinar o Fenerbahçe. "O grande objetivo dos adeptos e do presidente é sermos campeões. Se pensava vir treinar para a Turquia, não pensava. Mas quiseram me tanto desde que sai do Benfica, a irem a Portugal para me convencerem, que tanto me convenceram. Não foi fácil porque não pensava vir para campeonato turco, mas, depois de falar com colegas meus que trabalharam aqui e até com o Miguel Crespo, foram-me motivando. O presidente foi várias vezes a Portugal e conseguiu convencer-me. Quando sentes que um clube te quer muito não podes hesitar. Decidi quando o presidente veio a Portugal e me disse que não voltava mais se não lhe desse esperança. Fizemos videochamada e nela dei-lhe a minha palavra. A partir daí, não voltei atrás", contou.
No entanto, Jesus revela não terem sido apenas os turcos a estarem interessados em contratá-lo. "Tive vários convites de todo o mundo. Mas tive um convite equipa top 5 da Europa? Não. Mas de equipas do campeonato inglês, por exemplo o Everton que fez videochamadas comigo. Não aceitei, quando sai do Benfica achei que não devia trabalhar logo, devia parar um pouco, há muito tempo que não sabia o que era estar fora do futebol e um dos motivos de aceitar o Fenerbahçe foi o de não ganhar o campeonato há oito anos e querer títulos. A Premier League não me diz nada, o que conta são os títulos que ganhei, não o facto de estar na Premier League ou passar pelo Brasil e não estar em sítios que possa ganhar títulos. Por isso é que não aceitei. O Fenerbahçe quer ser campeão na Turquia e é isso que quero: ganhar títulos", justificou.
Quando saiu do comando técnico das águias, o treinador diz que só no primeiro mês é que se conseguiu desligar do futebol e estar fora das notícias do futebol. "Ao fim de um mês comecei a sentir falta do treino, aquilo que é a minha adrenalina. Só sei viver com pressão, sem pressão parece que fico doente", realçou.
Sobre o Fenerbahçe, mostrou-se "surpreendido". "Só o conhecia de jogar aqui. Istambul é uma cidade espetacular, se calhar ninguém tem noção da vida desta cidade, parecem bandos, eles não dormem. As condições do clube são do nível do Benfica, dos melhores que há na Europa", assinalou Jorge Jesus.
No que respeita ao plantel, o treinador reconhece estar longe de lhe "dar garantias". E justifica: "De Champions nem há hipótese, de Liga Europa está muito longe, para o campeonato turco penso que vamos fazer uma equipa. O jogo de ontem [quarta-feira] deu boas indicações, apesar de ter pedido ao presidente, porque perdemos o melhor central, para que contratasse mais dois. Falta contratar um guarda-redes, já temos um dos melhores da Turquia, mas lesionou-se ontem [quarta-feira], com uma fratura no menisco. Só faltam esses três jogadores para fechar o plantel".
Sobre o interesse no avançado iraniano do F. C. Porto Mehdi Taremi, Jesus disse já estar servido. "O Taremi é um jogador que gosto muito, mas para a posição dele tenho quatro jogadores. Essa possibilidade não se coloca. O William era uma das minhas opções, um dos jogadores que pedi era o médio defensivo e falei no William e no Arão. O William Carvalho, disseram-me que estavam difíceis as negociações, então contratámos o Arão, ele conhece-me muito bem. Queria brasileiros porque já estão a competir há alguns jogos e assim quando chegassem não tinha de trabalhá-los em conhecimento técnico ou tático", explicou.
E continuou: "Benfica, F. C. Porto e Sporting têm excelentes jogadores, não quero ferir suscetibilidades porque estes três clubes têm jogadores de nível muito alto. Não quero destacar ninguém em particular, até porque estive no Benfica e não quero escolher nenhum. A ideia foi a de tentar trazer jogadores que já conhecesse do campeonato português ou de outros. Mas que já os conhecesse e fosse fácil comunicar com eles. Arranjamos uma forma de comunicar onde falo em português e eles ouvem na língua deles".
O treinador falou também na evolução que teve na carreira: "Consigo refletir no que fui criando e tento evoluir, fazer variantes do que temos trabalhado ao longo de 30 e tal anos de carreira. Ainda tenho capacidade de tentar agarrar o meu computador e criar situações para depois, dentro da minha ideia, poder trabalhar essas situações. É mais difícil surpreender os adversários porque as novas tecnologias ajudam a que os treinadores tenham ferramenta que lhes dão mais conteúdo do que acontece no treino e jogo para depois refletirem e analisarem. Agora e mais fácil ser treinador, não tenho dúvida, hoje há novas tecnologias que trazem formas de tu detetares várias ideias e poderes copiar. O futebol está sempre a evoluir, mas no começo da carreira inspirei me mais no Cruyff porque era mais a minha era. Hoje não, continuo a ver jogos adoro ver jogos, mas não me inspiro em ninguém".
Para Jorge Jesus o "sistema é o princípio de tudo". "Há treinadores que dizem que o 4-3-3 que são números de telefone. Isso é mentira, quem diz isso nunca vai ter êxito. É a partir do sistema que vai começar a ter ideias para o modelo de jogo, a forma como equipa tem de defender e atacar. o modelo e o que tu tens de operacionalizar no treino, como dar dinâmica no sistema. O futebol hoje está como o andebol, o futsal... que eu adoro, já fui jogador de futsal. No Benfica tinha pensado em ver treinos e falar com o treinador de futsal. Comecei a minha carreira nos primeiros dez anos a jogar com três defesas e sempre pensei que era um sistema de futuro. Ao longo do tempo fui mudando, tens de perceber as características dos jogadores. No segundo ano de Benfica voltei a jogar com três defesas e para mim e o sistema mais difícil de trabalhar. Os jogadores não têm formação nesse sistema. O Jesualdo Ferreira foi quem melhor interpretou o 4-3-3. O 3-4-3 do Sporting não é nada de novo para mim, não digo que fui eu que inspirei o Rúben, mas no Belenenses jogávamos muito naquele sistema. Todos têm coisas boas e não há nenhum sistema que o treinador possa dizer que é o melhor sistema, pode ser para ele, mas o melhor é aquele que o treinador tiver as melhores características para os jogadores jogarem naquele sistema", anota.
E continuou: "O Flamengo foi a melhor equipa que interpretou as minhas ideias. Dava gosto de ver jogar? O Flamengo e Benfica de 2009/10. Essa equipa do Benfica era diabólica. No Flamengo consegui criar uma ideia com jogadores que tinha e equipa do Flamengo foi a que mais me deu prazer de trabalhar. Encaixei muito bem na mentalidade dos jogadores do Flamengo".
E onde vai Jesus buscar inspiração? "Tiro ideias principalmente do basquetebol, com o VAR comecei a ter problemas com os bloqueios, mas há 15 anos que faço bloqueios em bola parada. Fui eu que levei para o futebol a expressão nota artística, tem a ver com a patinagem artística. Lá as notas que se dão há uma que é a nota artística. Pensei que essa frase pudesse ser implementada no futebol. No Brasil também pegou essa expressão", recorda.
O técnico luso elogia também a qualidade do futebol português. "O campeonato português é muito forte taticamente, treinadores são muito fortes taticamente e conseguem anular as melhores equipas taticamente é muito rico onde se já vê bons jogadores sem ser nos três grandes. Os scouts nos clubes em Portugal fazem um grande trabalho. Pensem, porque o Jurgen Klopp gosta de ver o campeonato português? Quem é que ele foi buscar? Darwin, Jota e Luis Diaz. Perceberam que no campeonato português há grandes jogadores", realça.
No entanto, também aponta falhas: "Uma das notas negativas do futebol português, mesmo no Brasil, é o tempo que se perde com antijogo. As equipas pequenas quando jogam com os grandes acham que o antijogo é a forma que pode levar ao êxito, e eu compreendo, mas leva ao êxito pontual. Os guarda-redes tiram ao jogo no mínimo 10/15 minutos, para além de faltas em que os jogadores passam muito tempo no chão. Tem a ver com os árbitros, os árbitros portugueses não entendem bem a teoria para a prática do jogo: pensam que qualquer jogador que cai é falta e sabemos que não é assim. Ter de tirar tempo ao jogo desta forma não favorece o futebol".
"Para mudar isto? Tem a ver com os treinadores. Se pensarem que para defenderem bem têm de se organizar bem e não precisam de queimar tempo para haver menos tempo de jogo. Na Arábia perdia-se muito tempo, e eu comecei a falar disso, então o Ministério do Desporto organizou uma reunião com todos os treinadores para falar desse tema. Lá quem paga não são os clubes, é o Estado, fomos todos apertados para proporcionar espectáculo e não tirar qualidade dele", acrescenta.
Sobre as críticas de ser um treinador que não aposta na formação, diz não ser verdade. "Não me sentia injustiçado, mas sentia que não era verdade. Foi um dos temas criados na saída do Benfica e pegou, mas não é verdade. Cheguei ao Flamengo lancei um miúdo de 17 anos que foi vendido ao Real Madrid, aqui no Fenerbahçe igual. Para mim o futebol não tem idades, interessa e o valor. Fala-se muito em Portugal da formação, claro que temos de viver na formação, principalmente em Portugal, que é um país vendedor de jogadores. Mas tem de ser formação e prospeção. O F. C. Porto foi um exemplo disso, com os vários jovens que lançou, mas lançou-os com tempo, e assim que eu vejo", esclareceu.
Jorge Jesus defende, ainda que o "treinador português esta na moda". "O Mourinho foi o primeiro a abrir as portas e depois outros foram abrindo noutros continentes. Está na moda porque tem qualidade, mas não são todos iguais. Não acredito nos cursos, não é lá que te formas como treinador. Precisas de ter a carta de condução para conduzir, mas podes saber conduzir sem ter a carta", ressalvou.
Sobre a saída do Benfica, esclarece, ter sido uma decisão sua. "Nada de novo que já não tivesse feito noutros clubes. Se estivesse no jogo contra o F. C. Porto não tínhamos perdido, certeza absoluta. Foi uma decisão com base em várias coisas. Hoje o que sou como treinador devo aos seis anos de Benfica e senti que era um treinador querido e estes dois anos que voltei, acho que não voltei no momento certo, voltei na altura da pandemia, não estou arrependido de ter voltado ao Benfica. É um grande clube, tratou-me bem, não sai magoado nem triste. Quiseram crucificar o Pizzi, nada disso. Nesse momento há normalmente situações entre jogadores e treinador, mas em todas as equipas onde tenho trabalhado, e isso resolve se com facilidade, mas naquele momento senti que era a altura certa em sair do Benfica e nunca teve nada a ver com jogadores. Agora é fácil dizer que se lá estivesse o Benfica não tinha ficado com aquela classificação. Mas Benfica tem grandes jogadores e este ano acredito muito no Lourenço Coelho, é um homem que trabalhou seis anos comigo e sei as ideias dele e o Benfica tem tudo para voltar a ser campeão", avançou.
E no que respeita ao presidente das águias, Jesus afirmou que "a relação com o Rui Costa não saiu abalada". "Esta a dar os primeiros passos como presidente, é o presidente certo. Vai ter êxito. Tem tudo para dar certo", frisou.
Já o novo treinador, o alemão Roger Schmidt, o técnico português acredita que "traz algumas ideias diferentes". "As aquisições dos jogadores estrangeiros é porque se calhar tem mais conhecimento desses jogadores", justificou.
O avançado uruguaio Darwin Nuñez, vendido ao Liverpool, também mereceu umas palavras. "A certeza que tinha nele é porque tinha umas características físicas que não encontras muito. É super-rápido, finaliza muito bem, ainda tem limitações técnicas, mas o treinador está lá para o ajudar. Não teve muita sorte no primeiro ano porque teve problema no joelho e fez uma pequena cirurgia, mas depois voltou muito bem. Acho que escolheu clube certo para ele, o Liverpool joga num sistema que vai adaptar a ele. Não tenho dúvidas de que vai ter sucesso", realçou.
"Já o Everton não correspondeu às expectativas: ele era um jogador feito que não dava dúvidas. Ele no Benfica demorou algum tempo a adaptar se e não só a vida social, mas também a vida desportiva, a forma de jogar, a forma como queria que ele jogasse sem bola. No segundo ano pensei em jogar num 3-4-3 teve muito a ver com Rafa e com ele, na minha forma de olhar para a tática esses jogadores praticamente não defendem muito. Quis dar essa liberdade e acho que foi ai que jogou melhor, mas nunca atingiu nível que atingiu no Brasil.", considerou.
O treinador luso falou também sobre os colegas Sérgio Conceição e Rúben Amorim. "O Sérgio Conceição era um menino quando trabalhou comigo. Jogava no Leça e fui ver um jogo do Leça e quando acabou o jogo eu disse que também queria o Sérgio e levei o para o Felgueiras. ele era um menino tinha 19, 20 anos. Rúben foi o jogador que trabalhou mais anos comigo, sete, taticamente já tinha conhecimento muito grande. Não tinha muito talento, mas gostava muito porque desempenhava bem qualquer posição porque conhecia o jogo. Nessa equipa do Belenenses achava que dois iam dar treinadores: Silas e Amorim".
E sobre a quezília com o treinador do F. C. Porto? "Nunca mais falei com o Sérgio Conceição. Custou-me porque a minha relação com ele não era desportiva, era forte, de grandes amigos, e custou-me naquele dia e até hoje nunca mais falei com ele. Gostava de voltar, as coisas passam e quanto mais anos tenho de experiência de vida a vida me ensina que isso não leva a nada. Fico superfeliz com o sucesso que ele está a ter e o sucesso de um dos filhos dele. Tinha muito carinho pelo Francisco quando ele estava no Sporting", lamentou.
Para edição 2022/23 da Liga Portugal, Jorge Jesus aponta o campeão como favorito. E justifica: "A escolher um favorito é sempre o que ganha. O grande favorito é o F. C. Porto, apesar de terem saído alguns jogadores importantes, parte como favorito novamente".
No futuro, o técnico quer regressar a Portugal e ao Brasil. "Não interessa ser um grande posso voltar ao Estrela da Amadora que é o clube do meu coração. Se gostava de treinar o F. C. Porto? Mas, tudo é o momento, é fundamental para que isso possa acontecer. O regresso ao Brasil está nos meus planos garantidamente. Gostava que fosse o Flamengo, o futebol brasileiro é muito atrativo. É dos campeonatos mais fortes do mundo, tem chama, tem paixão, adeptos tem um amor muito grande aos clubes".
Até acabar a carreira, o treinador quer "manter paixão de todos os dias levantar e ir treinar". "Mas não tenho nenhuma meta, estou dependente de saúde como todos estamos. Felizmente estou bem. adoro correr. Acredito que o futebol vai evoluir mais, ser um jogo muito criativo onde treinadores vão ter capacidade de durante 90 minutos mudarem constantemente sistema de jogo. Isso é um dos motivos que mais me apaixona porque é muito difícil", finalizou.