Em apenas cinco meses da nova temporada, Portugal já festejou qualquer coisa como nove vitórias em provas internacionais e é preciso recuar até 2013 para encontrar um ano com mais glória lusa entre a elite do pelotão. A festa de João Almeida na 16.ª etapa da Volta a Itália não só provou, definitivamente, que o ciclista das Caldas da Rainha é um dos maiores talentos da atualidade como deixa em aberto a possibilidade de escrever o parágrafo mais dourado da história velocipédica nacional.
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Um ataque a oito quilómetros do fim da tirada que abriu a terceira e última semana do Giro deixou apeada parte da concorrência (Primoz Roglic) e provou à restante (Geraint Thomas) que João Almeida é capaz de bem mais do que as já famosas "almeidadas", as enormes recuperações que se tornaram a sua imagem de marca e que o ajudaram a tornar-se, com apenas 24 anos, num dos mais bem-sucedidos ciclistas portugueses de sempre.
Em quatro participações em grandes voltas, João Almeida nunca desiludiu por falta de pernas: a estreia foi no Giro de 2020, na qual envergou a camisola rosa durante 15 dias e a jornada épica terminou com um quarto posto na geral, a que se seguiu um sexto lugar em 2021. No ano passado, o atleta da UAE-Emirates já era encarado com um dos favoritos ao pódio e estava na quarta posição quando foi obrigado a abandonar a prova por ter testado positivo à covid-19.
Apenas quatro meses depois, a estreia na Volta a Espanha fez-se sem grandes objetivos. "Não estou com grandes pernas, mas vou dar tudo o que tenho", disse, antes de arrancar para a Vuelta, e o "dar tudo" foi quanto bastou para um extraordinário quinto lugar.
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Com três presenças no "top 10" final de grandes voltas (Itália, França e Espanha), João Almeida igualou José Azevedo no segundo lugar deste ranking entre os ciclistas portugueses - o atual diretor desportivo foi quinto e sexto no Tour, além de ter garantido um quinto posto no Giro de 2001 -, ainda muito longe dos 11 sucessos registados por Joaquim Agostinho.
O atleta de Torres Vedras, falecido em 1984 após uma queda na Volta ao Algarve, é, até hoje, o único português a ter estado presente no pódio final de uma "Grande", algo que conseguiu em três ocasiões: foi segundo na Vuelta de 1974, antes de registar dois terceiros lugares consecutivos, em 1978 e 1979, no Tour.
Quarenta e quatro anos depois, João Almeida tem uma extraordinária oportunidade de repetir o feito e, quem sabe, ultrapassar o "mito" de Agostinho. Na segunda posição do Giro, a 18 segundos de Geraint Thomas, a vitória está perfeitamente ao alcance do ciclista de A-dos-Francos e, caso chegue a Roma, no próximo domingo, com a camisola rosa vestida, Almeida escreverá a mais bela história do ciclismo português e, sem qualquer dúvida, uma das mais importantes do desporto nacional.
De Acácio a Ruben Guerreiro
Com as vitórias na Volta a Polónia e ao Luxemburgo (ambas em 2021) e uma etapa conquistada no Tirreno-Adriático deste ano - em que fez segundo na geral -, João Almeida já se livrou do peso de nunca ter sido o primeiro a levantar os braços numa tirada de uma grande volta. A festa na 16.ª etapa do Giro acabou com a "maldição" e o "pantera" foi o 12.º português a consegui-lo.
Curiosamente, as oito vitórias de Joaquim Agostinho (cinco no Tour e três no Giro) não lhe permitem liderar, sozinho, este ranking, dividindo-o com Acácio da Silva, que festejou cinco vezes em Itália e três em França, enquanto Rui Costa apresenta três sucessos em tiradas do Tour, os grandes feitos do homem da Póvoa de Varzim que, recorde-se, foi campeão do Mundo de estrada em 2013.
Sérgio Paulinho ganhou duas vezes (uma no Tour e uma na Vuelta), tal como João de Jesus Rebelo (ambas em Espanha), enquanto Nelson Oliveira, José Cardoso, João Lourenço, Paulo Ferreira, Ruben Guerreiro (no Giro de 2022) e Alves Barbosa, com uma cada um, completam o lote de portugueses que sabem o que é atingir a glória numa "Grande" e ao qual se junta, agora, João Almeida.
Uma época cheia de sucessos
O ano de 2023 começou com o regresso em grande de Rui Costa. Depois de ter trocado a UAE-Emirates pela Intermarché-Wanty, abriu a temporada com a vitória no Trofeo Calvia, mas o melhor estava reservado para a Volta à Comunidade Valenciana, em fevereiro, na qual conquistou uma etapa e o triunfo na geral. Apenas dois dias antes, tinha sido Ruben Guerreiro a ganhar o Tour da Arábia Saudita (além de ter vencido uma tirada), enquanto Iuri Leitão também inscreveu o nome na lista de sucessos portugueses a nível internacional: ganhou a terceira etapa e a classificação geral da Volta à Grécia.
João Almeida assinou, assim, o nono sucesso luso em 2023 e para encontrar um registo melhor, em quantidade e qualidade, entre o pelotão internacional é preciso recuar até 2013: foram 12 os triunfos internacionais de ciclistas portugueses, com destaque, claro, para as já referidas duas vitórias na Volta a França de Rui Costa que, uns meses antes, tinha conquistado outras tantas tiradas na Volta à Suíça, prova que também ganhou à geral (já o havia feito em 2012 e conseguiria o "tri" em 2014).
O melhor estava, porém, guardado para o final da época, quando Rui Costa se sagrou campeão do Mundo em Florença, naquela que é a maior vitória de sempre do ciclismo português e que pode ser superada já este domingo caso João Almeida se torne no rei do Giro 2023.