Seleção da Ucrânia defronta a Espanha nas meia finais no Europeu de futsal feminino que arranca esta sexta-feira. Há jogadoras que choram todos os dias por causa do conflito mas recusam deixar o país.
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O relógio marcava as 19.30 horas quando a seleção ucraniana de futsal chegou ao Pavilhão Carlos Resende, em Vila Nova de Gaia. Esperava-lhe duas horas de treino para uma competição em que há muito desejava participar, mas o dia era triste. Vinte pessoas tinham morrido no ataque da Rússia a um centro comercial em Kremenchuk e o corpo das jogadoras até podia estar no pavilhão, mas o coração, tal como parte do pensamento, estavam, inevitavelmente, na Ucrânia. Com quem deixaram para trás. E com quem não sabem se vão conseguir falar novamente no final no dia.
"É difícil, choramos todos os dias", começa por contar ao JN, com um ar abatido, Maryna Kyryliuk, natural de Kiev, que faz parte da equipa técnica da seleção. "Parece um pesadelo. Tanta gente a morrer, tantos ataques... para quê? Porquê? No dia em que a guerra começou, uma bomba destruiu o prédio ao lado do meu. A minha irmã fugiu com os filhos, mas decidiu voltar para a Ucrânia. É a nossa casa. Também me recuso a sair de lá", afiança, enquanto olha com atenção para o treino das atletas. Segue-se um breve silêncio, para depois voltar a recordar o conflito.
"Tenho amigos russos, que moram na Rússia, com os quais deixei de falar. Antes da Ucrânia ser invadida, visitaram o país e estiveram em minha casa. Depois da guerra começar, disseram-me ao telefone que o nosso país era nazi e que, mesmo que não tivessem nada contra mim, tinham de acabar com todos os nazis. Como é que são capazes de achar isso? Como é que acham que isso é verdade? Eles estiveram lá! Não compreendo", acrescentou a também advogada, que até admite não ter votado em Zelensky: "Não votei nele. Ele era comediante, tinha um negócio enorme e de grande sucesso... não confiei. Mas agora, ele é o meu presidente. Surpreendeu-me. Quando os EUA o quiseram tirar da Ucrânia e ele respondeu que precisava de armas e não de boleia, fiquei logo do lado dele".
Nas quatro linhas, o treino continua. Treinam-se as grandes penalidades, fazem-se equipas. Há uma grande união entre as atletas, que fazem questão de se ajudarem umas às outras. O treinador, Oleg Shaytanov, não pára de dar indicações e puxa pelas atletas como pode. É o seu dia de aniversário. Mas não há lugar para grande festa. "Vivemos um tempo muito triste e treinar é complicado. As atletas deixaram as famílias na Ucrânia, muitas delas em zonas já ocupadas pelos russos. A preocupação é constante. Mas graças à ajuda de muitos países, Portugal incluído, conseguimos treinar. Como prenda de aniversário gostava de sair daqui com uma medalha. Não vai ser fácil, mas vamos dar o nosso melhor para honrar o nosso país. O conflito é difícil de entender. Mas vamos vencer a guerra", afirmou.
"Enquanto estou aqui, é uma pessoa a menos que precisam de proteger"
As jogadoras também recusam a ideia de deixar o país por causa do conflito, a não ser para competir e fazer o que tanto gostam. Pensam no jogo com a Espanha e, acima de tudo, em honrar a bandeira. "Estamos ansiosas. Esperámos três anos por isto. Queremos provar que, apesar de tudo, estamos e somos fortes. Mas é muito complicado, claro. Choramos todos os dias e há quem tenha pais no exército. Enquanto estou aqui, várias pessoas estão a morrer. O meu pai trabalha num hospital em Kiev e desde o dia 24 de fevereiro que não pára de trabalhar. A minha irmã está a fazer voluntariado na Polónia, a ajudar os ucranianos. É duro. Estão a destruir o nosso país. Mas somos fortes e vamos ganhar a guerra", vincou a jogadora Iryna Dubytska.
Portugal acolheu as jogadoras ucranianas para a competição e, quando terminar o Europeu, as jogadoras vão regressar à Ucrânia para continuar a resistir ao conflito. "Enquanto estou aqui, é uma pessoa a menos que precisam de proteger. E adoro estar em Portugal. As pessoas são amáveis", concluiu Iryna. A mesma ideia defende a capitã, Iuliia Forsiuk. A jogadora não esconde o nervosismo mas, independentemente do resultado, quer provar que a entrada em campo é um ato de resistência.
"Estamos nervosas mas vai passar e vamos aproveitar. Estamos felizes por estar aqui. Queremos mostrar todo o amor pelo nosso país e mostrar que somos fortes. Os dias são complicados mas somos fortes. Todos os dias a minha irmã ouve bombas. Ela tem estado bem mas não sei se mais logo, quando falar com ela, estará. É muito complicado. Mas somos fortes e vamos vencer", vincou, confiante.